“Tradicionalmente, o whiskey irlandês é triplamente destilado, enquanto o whisky escocês é apenas duas vezes. Quer dizer, os irlandeses aquecem e destilam a bebida três vezes em alambiques de cobre, enquanto que os escoceses, apenas duas.”
*Maurício Porto
Rir é opcional. Mesmo porque, para isso, seu senso de humor também terá que ser péssimo. Antes de estudar sobre whiskies, a Irlanda para mim era um país quase caricato. Meu conhecimento se limitava a duendes, trevos de quatro folhas, Bono, chapéus pontudos, cerveja – desagradavelmente – verde e o Colin Farrell.
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Acontece que a Irlanda é bem mais do que isso. Na verdade, para um apaixonado por whiskies, ela é um dos mais importantes players no mercado. A ilha possui tradição na produção da bebida, inclusive, com técnicas e identidade próprias. A Irlanda é tão importante que até mesmo compete com a Escócia pelo título de quem inventou a chamada “água da vida”.
Deixando as especificidades muito técnicas de lado, a maior diferença entre whiskies irlandeses e escoceses é o processo de destilação. Tradicionalmente, o whiskey irlandês é triplamente destilado, enquanto o whisky escocês é apenas duas vezes. Quer dizer, os irlandeses aquecem e destilam a bebida três vezes em alambiques de cobre, enquanto que os escoceses, apenas duas. Isso torna os irlandeses notavelmente mais leves e menos oleosos. Há, no entanto, exceções à tradição nos dois países. Mas vamos parar com o whisky-geeking e voltar ao assunto.
Do Brasil, é difícil enxergarmos a diversidade de whiskey – sim, com o “e” mesmo – que a Irlanda produz. O único irlandês que desembarca em nossas terras é o Jameson, produzido por uma das maiores destilarias daquele país: a Midleton. Que, aliás, não tem nada a ver com a Kate, caso você esteja se perguntando. Mas para além de nossas fronteiras, a terra de St. Patrick oferece uma miríade de excelentes whiskeys. Confira alguns deles abaixo:
MIDLETON VERY RARE: olha, quando uma garrafa se autodenomina “muito rara”, é bem provável que ela esteja falando a verdade. O Midleton Very Rare é um irish whiskey produzido pela mesma destilaria do afamado Jameson. No entanto, a produção é limitadíssima. Os barris de whiskey que compõe esta expressão são selecionados um a um pelo master distiller (o mestre alambiqueiro deles) da Midleton, Brian Nation (ou Barry Crockett, para edições mais antigas). As garrafas são individualmente numeradas e altamente colecionáveis. O preço da exclusividade? Cento e cinquenta e cinco euros (€155.00).
TEELING SMALL BATCH: A Teeling é uma jovem e promissora destilaria independente irlandesa. E por jovem, quero dizer muito jovem. Ela foi fundada em 2015 por dois irmãos, Jack e Stephen Teeling.
A espinha dorsal de seu portfólio de whiskies é o Teeling Small Batch. Ele é produzido da tradicional forma irlandesa – uma mistura de whiskeys de malte triplamente destilados e whisky de grão – mas passa um período em barris que antes contiveram rum. Esse diferencial lhe confere notas de coco e caramelo. Apesar da pouca idade, a Teeling é uma das mais importantes e inovadoras destilarias independentes irlandesas.
CONNEMARA PEATED: A destilaria Cooley, que produz o Connemara foi fundada em 1985 por um cavalheiro chamado John Teeling, pai dos rapazes já citados, Jack e Stephen Teeling. Atualmente ela produz uma gama impressionante de whiskeys, como Kilbeggan, Tyrconnell e claro, Connemara. Há duas coisas que tornam o Connemara especial. A primeira é que ele é um single malt – enquanto que a maioria dos whiskeys irlandeses é uma mistura entre single malts e whiskies de grão. A segunda é que ele é defumado. Isso mesmo, seu malte é secado em um forno abastecido por turfa, e isso torna seu sabor esfumaçado – algo bem comum em whiskies escoceses, mas muito raro nos irlandeses.
TULLAMORE DEW: A Tullamore Dew é a segunda em número de vendas quando o assunto é Irish Whiskey. Ela só perde mesmo para a Jameson. A versão mais comum é o Tullamore Dew Original, um blend entre whiskies de grão e whiskies triplamente destilados em alambiques de cobre e maturado em uma combinação de barris de carvalho americano e europeu. Tullamore Dew é também a única marca de whiskeys que a personagem Lisbeth Salander, do livro “Os Homens que Não Amavam as Mulheres” bebe, ainda que essa informação não tenha qualquer utilidade.
JAMESON CASKMATES: Não poderia terminar uma lista de Irish Whiskeys sem citar a marca mais conhecida do mundo. A Jameson. Produzida pela Midleton, a Jameson possui mais de dez rótulos diferentes de whiskey. Um dos mais curiosos é o Caskmates. O Jameson Caskmates é uma colaboração entre a Jameson e a cervejaria Franciscan Well. A destilaria empresta barris de Jameson à cervejaria, que os utiliza para armazenar e maturar cerveja stout. Depois, a Franciscan Well devolve os barris para a Midleton, que os reutiliza para envelhecer seu whiskey. O resultado é um produto leve, com notas de café e chocolate provenientes da cerveja. Quase um Jameson de sobremesa.
Assim, neste dezessete de março, deixe de lado a cerveja e a indumentária verde. Esqueça o Colin Farrell e o Bono. Sirva-se de uma dose de Irish whiskey e comemore o dia de St. Patricks com a melhor bebida de todas. Whisk(e)y.
*Maurício Porto é autor do blog O Cão Engarrafado. Porto após uma viagem à Escócia, onde conheceu diversas destilarias e aprendeu um pouco sobre o processo de fabricação de whisky, criou interesse pela bebida. Para descobrir mais, participou de diversos cursos de whiskys, entre eles, curso nível 1 da Wine and Spirits Education Trust de Londres (WSET) em destilados, e degustações, de whiskys escoceses, americanos e japoneses.