Eram ainda seis horas da manhã quando as águas do rio Anil se recolheram em direção à Alcântara e os prédios da Ponta da Areia erguidos na avenida dos Holandeses criaram uma imagem de ficção científica. De um lado, a sociedade futura, com prédios envidraçados com películas anti maresia fazendo uma muralha para o mar, do outro, o centro antigo, com seu calçamento em paralelepípedos, casarios do século XVI a XVIII, presos à história e ao passado.
Por Paulo Atzingen – De São Luís do Maranhão (Texto e fotos)*
Este filme rodou em minha mente lá em cima, na cidade alta, quando chegava à praça onde se instalara o poder do Maranhão e de São Luís: o Palácio dos Leões (sede do governo estadual), o Palácio La Ravardiere (prefeitura), o Fórum e o Edifício João Goulart. Mais tarde, por volta do meio-dia, olhando para o bairro Ponta da Areia, a imagem era outra. A preamar tomava conta da paisagem e as águas do rio Anil, se juntavam as do rio Bacanga e ao igarapé Ana Jansen dando razão aos índios tupinambás: Maranhão quer dizer “o mar que corre”.
“A Cidade Nova teve início nos anos 70, a partir do bairro São Francisco e da construção da ponte José Sarney ligando o centro antigo às praias”, afirma o guia credenciado Sérgio Augusto, da Taguatur Turismo. Sérgio é um estudioso de São Luís e conta a história da capital maranhense tal uma Enciclopédia Britânica, ou para os mais jovens, como um Google.
Veja também as mais lidas do DT
É ele que nos informa que a tábua das marés dita os horários da capital – em especial as atividades ligadas ao mar e à praia. “Temos uma tábua de marés que se modifica quatro vezes ao dia, duas enchentes e duas vazantes”, diz. Para se ter uma ideia do colosso de água que sobe e desce às margens de São Luís ele declara: “Na maré baixa, as águas recuam até um quilômetro mar adentro”, pontua.
Restaurantes e Navios ao largo
Embora o tempo não convidasse para um bronzeado, demos uma esticada até as praias e passamos de carro por São Marcos, Caolho, Calhau e Olho d´Água absorvendo uma panorâmica do ar atlântico de São Luís. Navios cargueiros, em especial os que levam o minério de ferro de Carajás para a Ásia – em fila indiana – esperam a vaga no porto de Itaqui. Nosso guia indica vários restaurantes pé-na-areia. Alguns com pratos sofisticados e contemporâneos, outros tradicionais com cozinha maranhense e seu caranguejo toc-toc, arroz de cuxá, peixada à moda maranhense e torta de camarão.
Centro Histórico
Sérgio é um show à parte em suas descrições da “Cidade mais Lusitana fora de Portugal”, segundo o próprio Sérgio. “Nossa cidade guarda memórias nas fachadas de seus casarios com sua arquitetura pombalina e suas pedras de encantaria”, descreve o estudioso apontando para um casarão no rua do Giz. “Só botava azulejo na fachada quem tinha eira beira e tribeira, ‘pé rapado’, jamais”, enumera o guia, de bom humor.
Segundo ele, o Centro Histórico de São Luís reconhecido como Patrimônio Cultura da Humanidade em dezembro de 1997 pela Unesco, tem uma média 3.500 edificações, sendo que 800 dessas estão tombadas pelo patrimônio.
“A capital foi tombada pelo Iphan em 1974 e inscrita como Patrimônio Mundial em 6 dezembro de 1997. Nossa cidade foi fundada pelo francês Daniel de La Touche, mais conhecido como “Senhor de La Ravardière”, acrescenta.
Núcleo Político
No Núcleo Político de São Luís erguem-se o Palácio dos Leões (sede do governo estadual), o Tribunal de Justiça, o prédio da Prefeitura e o edifício João Goulart. Sérgio aponta para esse último prédio: “É um exemplar da arquitetura moderna que se ergueu em meio a prédios históricos, antes da Lei do Patrimônio, que proíbe intervenções ou modificações no centro histórico”, ensina.
Igreja da Sé
A Igreja da Sé, ou Catedral de São Luís, fica na ponta da praça e nela destaco duas curiosidades, que valem a visita. A primeira é o retábulo em talha dourada no altar-mor, realizado nos finais do século XVII. Trata-se de um dos melhores exemplares da época no Brasil colônia, representando a arte barroca. A segunda é a pedra fundamental da construção da igreja em 1679 (veja a foto). “Esta pedra foi colocada pelos jesuítas na antiga igreja jesuíta de Nossa Senhora da Luz, em 1679, e marcou o início da construção da igreja, inaugurada em 1699”, informa Augusto.
Na cidade baixa
Descemos para a cidade baixa pela rua do Giz e no caminho conheci o Museu Gastronômico do Maranhão, no andar térreo da Secretaria de Turismo de São Luís. O que chama a atenção logo na entrada é a montagem Banquete das Etnias. O monitor Paulo Maciel Pestana apresenta os doces e as iguarias maranhenses como o puxa-puxa, o quebra-queixo, e a bateria, instalação para panelas, infelizmente em extinção nas casas urbanas, mas que ainda resiste nas residências rurais.
Museu do Reggae
O Museu do Raggae é considerado a casa da cultura mais visitada do Maranhão, com cerca de 7 mil visitantes ao mês. São Luís é a Capital Nacional do Reggae e este ritmo jamaicano ganhou um upgrade no último mês de março com o lançamento do filme Bob Marley: One Love (LINK). “O lançamento nacional aconteceu aqui também no museu, foi emocionante”, afirma Sheila Carvalho, monitora do museu e estudante de turismo da UFMA.
“Existe uma versão de que o Reggae ganhou força em nossa terra a partir dos anos 1970, pelas ondas de rádio de estações do Caribe ou por marinheiros que ao chegarem a São Luís traziam discos em vinil e usavam como moeda de troca”, conta a monitora e estudante de História, Alycia Fernandes.
Atenas Brasileira
Antes de capital do Reggae, São Luís foi considerada a Atenas Brasileira pois seu passado abrigou uma forte elite rural e grandes proprietários de terra. Essa riqueza econômica gerou uma efervescência cultural, quando surgiu o epíteto comparando-a à cidade grega.
Segundo o historiador maranhense Mário Meireles “a cidade tinha posição de primeiro plano no cenário nacional, nos campos econômico, político e cultural”. O período do Império é destacado por Meireles como uma época da Idade do Ouro do Maranhão. “O açúcar era um produto de exportação e irá somar com a riqueza da terra juntamente com o algodão. Esses dois produtos agrícolas constituíram a base da economia maranhense”, afirma Mário Meireles.
Morada das Artes
O final de nosso tour acabou confirmando o valor que se dá à cultura na capital maranhense. Conheci a Morada das Artes, um prédio de 1883 e que serviu de depósito portuário séculos atrás. No ano 2000 foi transformado em um grande ateliê e oficina de diversos artistas locais. Coincidências ou não, o escultor Eduardo Sereno dava os últimos retoques no busto de nada mais, nada menos, que o ex-presidente da República, membro da Academia Brasileira de Letras e maranhense, José Sarney.
“As peças que produzo são sob encomenda. Este busto vai se juntar ao corpo, uma peça em tamanho gigante de 2m50 de altura. Geralmente deixamos uma réplica como mostruário”, explica Eduardo.
Sua coleção de bustos homenageia personalidades brasileiras como os poetas Sousândrade, Gonçalves Dias, Humberto de Campos e outros imortais que vivem até hoje na alma do Brasil e do Maranhão.
SERVIÇO:
ONDE COMER: Armazém do Chef – Reservas: +55 98 98119-0737
QUEM RECEBE: TAGUATUR TURISMO – SITE
*O jornalista Paulo Atzingen – viajou ao Maranhão de Azul Linhas Aéreas com seguro GTA
LEIA TAMBÉM
Roteiro Quilombo Cultural em São Luís: produto novo com dose histórica e inclusiva
OUÇA: