Sobre Cautela e Canja de Galinha! – por Rui Jorge Carvalho*

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 “É melhor ficar calado e deixar que pensem que és um idiota, do que abrir a boca e acabar com a dúvida.” Abraham Lincoln 
Vivemos tempos difíceis para os formadores de opinião. Não bastassem as publicações desastradas dos que pensam que o são sem o serem, e que só poderiam ser aceitas às custas de indizíveis sacrifícios morais, malabarismo ético e flexibilidade de consciência, ainda temos que conviver com a precipitação de formadores de fato, que na ânsia de manter suas hostes de seguidores, cedem à pressão da popularidade e arriscam opiniões imprecisas e sem fundamento, seduzidos pelos afagos efêmeros de um bando de hipócritas inconsequentes. Pois é, manter a coerência e a serenidade em tempos de guerra de opiniões é tarefa insana e pra poucos. Mas o show tem que continuar.
O mundo assiste, com variados graus de perplexidade, a uma crise sem precedentes. Não me refiro, especificamente, à pandemia do Covid-19, mas às consequências que o seu combate trará para a economia mundial globalizada. A esta altura parece unânime a certeza de que enfrentaremos, todos sem exceção, a pior crise econômica desde a grande depressão de 1929. Não há escapatória, não há potência econômica capaz de atravessar os próximos meses (há quem fale em anos) ileso.
Nem mesmo a China, esse gigante mundial tão criticado ultimamente, e que, segundo alguns, teria espalhado o vírus propositalmente para dominar o comércio mundial, será capaz de passar por isso sem se abalar. senão vejamos: nos primeiros dois meses do ano o gigante asiático, responsável por 35% das exportações mundiais de bens intermediários, amargou uma queda de 16% nesse comércio. Essa fraca performance, que contraria com números as teorias conspiratórias, resultou num défice de US$ 5,44 bilhões (contra um superavit de US$ 37,5 bilhões em igual período do ano passado). Perante estes números como se pode defender a tese de que a China espalhou o vírus com o propósito de dominar o mundo? A bem da verdade, ela já o domina há vinte anos, pois seu PIB vem crescendo aceleradamente desde 1999, com vários anos apresentando, inclusive, crescimento de dois dígitos. Se somarmos a isso o fato de que apenas cinco países (Espanha, Itália, Alemanha, Holanda e EUA), três dos quais (Espanha, Itália e EUA) estão entre os mais afetados pela pandemia, foram responsáveis pela importação de bens intermediários chineses em valores superiores a US$ 65 bilhões no ano passado, não será difícil chegar à conclusão de que, aceitar a teoria do uso intencional do vírus, seria legitimar a tese de que o gigante comunista com economia capitalista deu um tiro no pé.
Não parece provável que algum país, nem mesmo a China, poderia dar-se ao luxo de colocar em risco mercados tão importantes para suas exportações. Todos sabemos que, politicamente, não se pode confiar em nada que venha do governo chinês. Seu regime comunista não nos permite tais veleidades. Que houve omissões, falhas no combate primário ao vírus, tentativas de ocultação da verdade, isso parece, a esta altura, indiscutível. Mas vale lembrar que a China só é comunista na sua forma de governo, pois na economia há muito adotou as regras do capitalismo (muito a contra gosto, diga-se) para poder juntar-se ao resto do mundo e dominar seus mercados. Por que razão haveria ela de querer, agora, jogar por terra vinte anos de esforço concentrado? Não tenhamos ilusões, fragilizar os mercados mundiais não é do interesse da China exportadora e traria incalculáveis prejuízos à sua economia fortemente dependente das exportações e, por consequência, da saúde financeira de seus clientes globais.
Com base nesta minha teoria (e ela vale o que vale), prefiro dar-lhes, por enquanto, o benefício da dúvida. E digo isto exatamente para me proteger da grande síndrome que referi no início do texto: o perigo de, ao tentar ser formador de opinião, ter que me retratar dias depois, desmentido pela realidade que muda a cada semana.
Caro leitor, a única certeza que tenho é que cada dia aprendemos uma nova lição. A verdade de hoje pode ser a mentira de amanhã. Em tempos assim é preciso ter cuidado com opiniões definitivas, absolutas. Com exceção das questões de princípio, é preciso opinar sem queimar pontes. Deixar espaço para que possamos mudar de opinião sem abrir mão da dignidade e da coerência. É preciso ter humildade para reconhecer erros e acompanhar as constantes mudanças no cenário mundial, e, ao mesmo tempo, ser firmes na defesa de nossas convicções e princípios fundamentais. Convenhamos, não é tarefa fácil num ambiente de terrorismo digital, na selva em que se transformaram as redes sociais.
Todos têm direito a uma opinião. O problema é que muitos não têm opinião nenhuma, mas insistem em expressá-la assim mesmo! Essas pessoas fazem-me lembrar aqueles participantes imbecis do BBB (Big Brother Brasil), que, ao serem eliminados, davam entrevistas dizendo “estou em paz, porque fui eu mesmo, não representei!” . Ora, nem sempre “ser eu mesmo” é uma vantagem cara pálida! Se você não tem conteúdo, se você é uma pessoa vazia, sem caráter, ignorante e idiota, não há vantagem nenhuma em “ser você mesmo”!!!
Gosto muito da frase atribuída a Abraham Lincoln que diz: ” é melhor ficar calado e deixar que pensem que és um idiota, do que abrir a boca e acabar com a dúvida.” Esta, sim, é uma frase definitiva e sem contestações. Entretanto, como não temos a sabedoria do ex-presidente americano, nem a sua capacidade de síntese, e, como vivemos em tempos perigosos, mas com liberdade de expressão, nunca é demais lembrar um ditado popular que cai como uma luva e é atemporal: “cautela e canja de galinha nunca fizeram mal a ninguém.”
**Rui Jorge Carvalho é gestor de Novos Negócios na MVU Portugal (Grupo M21). Jorn
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