Quem pensa que trabalhar no jornalismo de turismo e viagens basta ter um bom celular e uma conta no instagram está redondamente enganado. O trabalho de apuração da notícia, contextualização do que se vai escrever, escolha dos personagens, faro para fugir dos lugares comuns e a disciplina para não usar os famosos clichês constroem o estilo dos bons repórteres e excepcionais jornalistas de turismo e viagens.
É claro que existem algumas técnicas herdadas e adquiridas, como por exemplo buscar nos destinos alguma relação com a literatura, com a ciência e com a arte do lugar. Olhar para traz e citar autores que já lavraram sobre a mesma pedra, ou apenas respirar profundamente e sentir o cheiro da terra, da praia, das coisas que compõem o aroma do lugar visitado.
por Paulo Atzingen*
Na série ‘Mulheres que escrevem o Turismo do Brasil‘ conversamos com Sylvia Leite, uma jornalista com todas essas linhas mestras do exercício da profissão.
Formada em jornalismo (Unit -Sergipe), com mestrado em Letras (USP)e doutorado em Filosofia (USP), Sylvia tem MBA em Comunicação Corporativa (Cominique-se e Fecap) e especialização em Mídias Digitais (Senac), Sylvia é natural de Aracaju, Sergipe. Acompanhe a entrevista:
DIÁRIO – Sylvia, sua decisão de escrever sobre viagens como aconteceu?
Ao longo da minha vida profissional fiz algumas matérias sobre lugares que visitei. Na Gazeta Mercantil, por exemplo, eu trabalhava no Caderno A, mas fiz matérias para o Caderno de Turismo sobre a Andaluzia. Eram fatos isolados, que não se repetiam em todas as viagens. Quando trabalhei apara a EBN – Minas, me pautaram para entrevistar os prefeitos eleitos nas Estâncias Hidrominerais, e eu contextualizei as entrevistas na cultura e na história das respectivas cidades. Mas não passava disso.
A uma certa altura, comecei a ter vontade de criar um blog, e ainda não tinha escolhido a área: Cinema? Vinhos?
Um dia, recebi, do escritor Menalton Braff, uma foto dele sentado em uma banheira localizada na Chácara Sapucaia – um centro cultural ligado à USP de Araraquara. Era a banheira na qual Mário de Andrade teria escrito Macunaíma. E fiquei intrigada: como eu nunca tinha ouvido falar naquele centro cultural, com um acervo tão importante e tão próximo de São Paulo, a cidade onde moro? Foi aí que pensei em criar um blog que mostrasse lugares interessantes e desconhecidos. Mas se eu focasse apenas nisso, o blog talvez não se viabilizasse, então resolvi incluir também os destinos convencionais, abordando aspectos menos comuns ou menos explorados pelos veículos de turismo. A Chácara Sapucaia foi a primeira pauta do blog.
O ‘lugares de memória’ faz três anos no dia 5 de abril e, na medida em que o tempo passa, vou ajustando a proposta. O que não mudou e certamente não mudará, é o viés cultural e histórico.

DIÁRIO – Todo jornalista tem influências em sua carreira. Você pode citar alguma?
Muitas: Ivan Valença, na Gazeta de Sergipe; Luiz Eduardo Costa, no Jornal da Cidade, Celius Aulicus, no Estado de Minas, Rogério Perez, na EBN Minas; Ivan Marques e Paulo Darezzo, na TV Cultura, Odair Redondo, no SBT, Nei Duclós, na revista Notícias, da Fiesp.
DIÁRIO – Quais as empresas ou jornais que você trabalhou?
Em Aracaju, trabalhei em todos os jornais da época: Gazeta de Sergipe, Jornal da Cidade e Jornal de Sergipe e também na Tv Aperipê . Em Belo Horizonte, trabalhei no jornal Estado de Minas, na TV Alterosa e na EBN – Empresa Brasileira de Notícias. Em São Paulo, trabalhei nas TVs Cultura, SBT, Record e Bandeirantes; na revista Afinal; na Gazeta Mercantil e na Gazeta Esportiva (em um caderno de noticiário nacional).
Fui repórter free lancer de várias revistas, entre as quais Fatos, da Bloch (em BH) e Notícias da Fiesp, Update, da Amcham, Pesquisa, da Fapesp (em SP).; também fiz roteiro e direção de vídeos para várias produtoras, entre as quais Miksom, TVT, Alto Contraste, Teleview. Hoje trabalho com produção de conteúdo.
DIÁRIO – Destaque alguns fatos que marcaram a sua carreira de jornalista de viagens…
Difícil dizer, porque todas as viagens tem seus encantos, mas talvez a mais interessante, desde que iniciei o blog, tenha sido uma viagem que fiz à Paraíba, guiada pelo fotógrafo paraibano Gustavo Moura, para fazer matérias sobre a Pedra do Ingá, a Ilumiara Jaúna e o Lajedo do Pai Mateus.

DIÁRIO – Fale sobre suas reportagens, qual você destacaria e por quê?
Nossa, são muitas, ou melhor, são todas. Cada uma tem uma história.
A matéria que eu mais desejei fazer, desde que criei o blog, foi Ilumiara Jaúna: a literatura de Ariano gravada em pedra. Passei mais de um ano esperando por essa oportunidade até que um velho amigo, o fotógrafo paraibano Gustavo Moura, me colocou em contato com o artista plástico Manuel Dantas Suassuna, filho de Ariano, e ele topou me receber na fazenda da família para conhecer a Ilumiara. Infelizmente, na época, Ariano já havia ‘se encantado’, mas a presença dele está bem viva na Ilumiara.
Outro lugar que desejei muito conhecer foi o ateliê do artista plástico Véio e que rendeu a matéria Museu do Sertão: a conciliação entre criar e preservar. É um museu inusitado, que se mistura com a moradia e o local de trabalho do artista. No acervo, obras dele e instrumentos de trabalho de todas as profissões antigas.
Uma terceira que gosto muito é uma das matérias que fiz na Índia sobre uma instituição sem fins lucrativos que prepara mulheres do terceiro mundo para multiplicar conhecimentos sobre energia solar. O título da matéria é Tilônia; um desafio de inclusão e desenvolvimento social. Foi uma aventura chegar até lá de surpresa, porque não tinham respondido nosso contato, e uma grande emoção conhecer o trabalho deles.
Finalmente, destacaria a matéria sobre os Padrões Geométricos da Arte Islâmica, pois é o tema do meu mestrado que acabou virando livro Padrões geométricos: a oração visual dos sufis. Essa matéria é resultado de várias viagens( Espanha, Uzbequistão, Turcomenistão,Turquia) e outras tantas pesquisas.
*Paulo Atzingen é jornalista