Viagem à Dalmácia e Zagreb, na Croácia – por Osvaldo Alvarenga*

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Para quem ainda não se acostumou com a temperatura das águas do mar em Portugal (e não me falem do Algarve, é gelada na mesma), a temperatura das águas aqui deste lado do Adriático é bem razoável. Não parece mais fria que a do Rio. O mar é verde, às vezes, turquesa, às vezes azul, puxando para o anil ou o violeta conforme a posição do sol, e águas translúcidas. Um aquário. Nesta época do ano, este ano, não está frio. As manhãs e noites estão bem frescas. Vinte e poucos graus ao meio da tarde. Sol, dias lindos, ainda assim, não tive ânimo de entrar na água, molhei os pés.

Seguimos nossa viagem pela Croácia. Chegamos em Hvar, na costa da Dalmácia. Com 68 km de comprimento, vários vilarejos em pontos diferentes, o principal deles, Hvar, tem justamente o nome da ilha. Isso cria confusão para quem procura hospedagem na vila. Hvar, a vila, é composta por casario de pedra, tem uma fortaleza, igrejas, um monastério franciscano, praias, marinas, cafés, muitos restaurantes e passado medieval. Há anos, tornou-se refúgio entre os mais ricos europeus, mas está menos exclusiva agora, com grossas aspas nesse menos. No verão ferve com festas e atrai gente com algum dinheiro e bastante animação.
 
 
Não é o nosso caso. Buscamos aqui sossego e preços razoáveis. Viemos para Jelsa, uma das vilinhas simpáticas em Hvar. Alugamos um quarto de frente para a marina, fomos muito bem recebidos pela Marija (pronuncia-se Maria), a anfitriã, que logo nos passou dicas de onde ir e o que fazer, inclusive as praias; todas de cascalho. Aqui, no centro da vila, da nossa sacada, vemos os Alpes Dináricos ao longe, lá no continente, um paredão branco, como uma onda gigante congelada. Mais ao sul, no seu pico mais alto, essa cordilheira atingirá os 2.700 metros. A visão impressiona. Na manhã seguinte, preferimos caminhar de Jelsa a Vrboska, uns cinco quilômetros, numa estradinha à beira mar, muito arborizada e cheirosa. Ambas as vilas mantêm preservados o casario de calcário e o calçamento do mesmo mineral, farto em toda a Dalmácia, como também fartas são as marinas nos abrigos naturais nas tantas reentrâncias do mar por toda esta costa. O cenário é bucólico e a vontade é de não fazer nada, só estar aqui e sentir a natureza. Soubemos da produção de vinhos locais; experimentamos o Kvalitetno Vinogorje, um branco fresco e pouco encorpado, próprio para o verão, dizem, o melhor produzido em Hvar. Há muitas outras ilhas com vocação turística no arquipélago de Pakleni, pouco ao sul daqui, e muitos são os passeios de barco ligando as ilhas na alta estação, agora bem menos.
 
 
Nossa intenção era seguir para Dubrovnik de catamarã, fazendo uma parada na vila de Korčula, na ilha de mesmo nome. Mas neste período a rota está fechada, ou só funciona aos finais de semana, não sei. Seja como for, tivemos que voltar para Split e então pegar um ônibus que nos levou a Dubrovnik. A viagem de quase cinco horas segue a costa: à esquerda os picos e os passos dessa extensa cordilheira; à direita o mar, os muitos vilarejos de uma longa costa e as ilhas distantes, Korčula inclusive. A paisagem é deslumbrante. Tão bonito que sequer sentimos o tempo passar.

Dubrovnik é conhecida como a pérola do Adriático. Encanta pela natureza, pelo mar, mesmo as praias e as rochas com escadas para acesso ao banho são curiosidades para nós

À primeira impressão, Dubrovnik, a cidade histórica, entre muros, parece um parque para turistas. Há abundância de alojamentos, pousadas, quartos e apartamentos para alugar, restaurantes (muitos), cafés, sorveterias e serviços tais, mas a cidade vive fora daqui, na encosta do Monte Srdj, parte da mesma cordilheira, na Riviera de Dubrovnik ou nalgum outro canto bem para lá das muralhas.
 
 
Nas belíssimas ruas medievais, muito bem preservadas, pavimentada com o mesmo calcário, que também sustenta os prédios e os muros da fortaleza, praticamente todo o conjunto, que é Patrimônio da Humanidade, está ornamentado com toldos bege claro e mesas cobertas de toalhinhas xadrezes. Nos incontáveis restaurantes, de uma maneira geral caros, as opções de pratos variam pouco, já a qualidade varia mais – mas cuidado com a pressão: o excesso de sal é comum a todos. Aliás, toda a costa croata consome sal demais. As ruas estão cheias; mesmo agora no outono, o clima perfeito ajuda, não faltam clientes. Imagino como será no verão. Suponho impossível caminhar por aqui e encontrar algum lugar sossegado para sentir a cidade. É como Veneza, Praga ou o bairro da Alfama, que vai no mesmo caminho.
 
 
Dubrovnik é conhecida como a pérola do Adriático. Encanta pela natureza, pelo mar, mesmo as praias e as rochas com escadas para acesso ao banho são curiosidades para nós; encanta pelo pôr de sol, esse sim, o mais belo da Croácia, e sobretudo encanta por sua arquitetura medieval e renascentista. Merece muito ser visitada. Mas a estadia não precisa ser longa. Um dia é suficiente para conhecer toda a cidade histórica e atrações relevantes; inclusive as várias locações do Game of Thrones e Star Wars. Para além disso, ficam as praias, os passeios de barco e de caiaque, a caminhada pela montanha, talvez um mergulho. Se sua opção for ficar mais tempo na cidade, prepare o bolso: não há nada aqui que custe menos que o dobro do preço quando comparado ao restante do país. Na verdade, até comparada a Lisboa Dubrovnik é bem mais cara.
 
 
No Palácio Sponza, uma construção renascentista de 1522, suponho que a porta de entrada, em madeira entalhada, seja da mesma época, fica o memorial aos defensores de Dubrovnik durante a Guerra da Pátria (a Guerra dos Bálcãs para nós), entre 1991 e 1995. Uma homenagem singela aos homens que morreram nos enfrentamentos contra sérvios e montenegrinos; entre eles muitos garotos de 17, 18 e 20 anos. Colados nas paredes, estão o nome, nascimento, atividade, morte e fotos em bom tamanho de cada herói. Ver aquelas feições nos aproxima das vítimas. Numa televisão, imagens da cidade devastada por bombas e morteiros, período em que esteve sitiada, prédios em chamas, tetos destruídos, frio, fome e morte; 70% das famílias perderam suas casas. As fotos mostram o caos nas ruas, hoje recuperadas, que nos encantam nas férias. Qualquer croata com 40 ou mais anos de idade tem viva a memória deste período: uma guerra tão estúpida quanto todas as guerras, gente indefesa e desprezada pelo resto do mundo – neste momento quantos são os venezuelanos, os palestinos, os afegãos, os sírios, os curdos, os ucranianos, os chechenos, os caxemires, os tibetanos, os congoleses, os sudaneses, os nigerianos e muitos mais, vivendo em estado de conflito e desterro? Quem os protegem senão os próprios filhos de 13, 15, 17, 18 e 20 anos?
 
Os croatas não falam da guerra, ao menos não é assunto que queiram compartilhar conosco. As feridas ainda estão abertas. Entendo perfeitamente que evitem essas lembranças. A religião deve dar algum conforto. Vimos muitas igrejas cheias, missas cheias, senhoras rezando o terço, rapazes e moças, famílias inteiras, filhos, pais e avós, por toda a Croácia, por onde passamos, aos domingos, todos vestem sua melhor roupa para o compromisso religioso. Achei cândido. Senti até uma ponta de inveja. “Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus”; abençoados os que têm fé, porque para eles há o perdão e, logo, a salvação. Pena as igrejas permanecem quase sempre fechadas, abertas quase só para os fiéis, quando, parece, durante a missa, os turistas não são bem-vindos (também posso entender perfeitamente).
Em Hvar, augamos um quarto de frente para a marina, fomos muito bem recebidos pela Marija (pronuncia-se Maria), a anfitriã, que logo nos passou dicas de onde ir e o que fazer, inclusive as praias; todas de cascalho (Crédito: Osvaldo Alvarenga)
Até Zagreb, transpostos os Alpes Dináricos, barreira que separa a Croácia litorânea da continental, são túneis e mais túneis sem fim numa autoestrada moderna e pedagiada, chegamos ao interior do país. A paisagem não foi inédita para nós, passamos perto dali quando fomos ao Plitvice Jezera, o parque natural dos lagos. O cenário é rural. Casinhas de madeira com fumaça nas chaminés, campos, matas, rios, lagoas e os, sempre à vista, picos rochosos. Viajamos ao alvorecer. Um grau indicava o termômetro do ônibus ao meio da viagem. A vegetação rasteira, branca da geada, confirmava a temperatura. Uma parada em não sei onde, na manhã gelada, deu vontade de ficar por ali mais um pouco. Foram vinte minutos, o tempo necessário para os condutores tomarem o café da manhã. Também tomamos o nosso. Mais algumas horas chegaríamos à capital da Croácia.

Um grau indicava o termômetro do ônibus ao meio da viagem. A vegetação rasteira, branca da geada, confirmava a temperatura

Não achei Zagreb propriamente bonita, mas atrai. A cidade é dividida em duas: alta e baixa. No alto da colina fica o que restou da cidadela medieval, perceptível por alguns prédios que abrigam museus, igrejas e órgãos públicos, construídos a partir do século XVII. A velha cidade, construída originalmente em madeira, ardeu. Sobrou um portão. Aliás, um pedaço de portão com a imagem da Madona e o menino. Um verdadeiro milagre. O local, “a porta de pedra” é até hoje destino de peregrinos e suplicantes (e turistas também). Foi o que nos explicou o Alen, nosso anfitrião, um croata – na faixa dos 40 – orgulhoso do seu país. Conversado, nos contou histórias e lendas locais. Contaria mais se não tivéssemos que correr para a torre Lotrščak, construída no século XVII, que desde 1877 abriga um canhão que dispara todos os dias, ao meio dia; no horário da revoada dos pássaros. Fomos ver a atração, lógico. E lá foi o ponto de partida para o nosso tour. Toda a cidade alta, a Praça de São Marcos com sua Igreja peculiar (fechada), no telhado, os painéis de azulejos coloridos com os brasões da Croácia, Eslovênia e Dalmácia, antes parte de um mesmo reino; outros prédios históricos e a passagem pela porta de pedra a caminho da cidade baixa. O centro da cidade, também pequeno, remonta ao século XVIII, do império austríaco em diante. Passamos pela praça Ban Josip Jelacic, centro cívico local, ponto de encontros e manifestações políticas. Depois, não longe dali, cruzando a feira, fica a catedral neo-gótica (aberta), é o centro religioso.
 
 
Gostei especialmente dos elétricos da década de 50 que ainda circulam nos mesmos trilhos dos modernos. Pintados de azul-verdadeiro, chamam a atenção e contrastam com a sobriedade da cidade de prédios marrom, ocre, bege-escuro, verde-palha e cinza. Também os túneis e as antiquadas galerias dão a Zagreb um ar soturno e decadente, cenário ideal para filmes de mistério ou suspense, remete a personagens melancólicos e desajustados. Fico imaginando como será no inverno coberta de neve. Mas não achei a cidade triste. Há muitos bares, bons restaurantes – comemos bem aqui – e a rua Tkalčićeva ferve durante o happy hour. A cidade é grande, espalhada, há muito por ver.
 
 
Pena que reservamos somente uma noite para Zagreb. Não sobrou tempo para os museus; vamos ter que voltar para uma estadia mais longa. Pequena e bela Croácia, que prazer em conhecê-la. Já agora, volto para Lisboa. Já estou com saudades.
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Sobre o articulista: 

Osvaldo Alvarenga, tem 54 anos, reside em Lisboa e escreve para os blogs: Flerte, sobre lugares e pessoas e Se conselho fosse bom…, sobre vida corporativa e carreira. Atuou por 25 anos no mercado de informações para marketing e risco de crédito, tendo sido presidente, diretor comercial e diretor de operações da Equifax do Brasil. Foi empresário, sócio das empresas mapaBRASIL, Braspop Corretora e Motirô e co-realizador do DMC Latam – Data Management Conference. Foi diretor da DAMA do Brasil e do Instituto Brasileiro de Database Marketing – IDBM e conselheiro da Associação Brasileira de Marketing Direto – ABEMD, dos Doutores da Alegria e, na Fecomercio SP, membro do Conselho de Criatividade e Inovação.

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