Maracatu Rural em Nazaré da Mata (PE): uma resistência que atravessa gerações

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Em Nazaré da Mata, no interior de Pernambuco, fomos em busca de um carnaval encantado. E encontramos.
Por Paulo Atzingen, com fotos de Canindé Soares, de Recife*

Nem só de trios elétricos, camarotes privados e blocos de rua vive o Carnaval Pernambucano. Junto a tudo isso, encontramos a fonte do Maracatu Rural, que nos remete a uma alegria original, quase primitiva, perdida entre as matas e os canaviais de Pernambuco.

Chegamos a Nazaré da Mata, a 68 quilômetros de Recife, e fomos recebidos por uma onda multicolorida de personagens encantados que representam o Maracatu na sua versão rural. Eles seguiam em seus grupos até a praça principal da cidade, onde ocorria a grande concentração. Mas o deleite não era apenas visual. O som envolvente de vários instrumentos musicais — zabumba, tambores, gonguê — acompanhava os grupos, criando uma atmosfera única.

Ao lado de meu amigo e fotógrafo Canindé Soares, seguíamos a correnteza de personagens do Maracatu de Nazaré da Mata: vaqueiros usando roupas de veludo e chapéus com fitas coloridas, representando a vida rural, destaque para o caboclo de lança, escondido atrás de uma grande massa de fitas e cores, sempre em movimento.

Maracatu Rural
O ponto alto da festa foi em frente à Igreja Matriz Nossa Senhora da Conceição de Nazareth (Crédito: Canindé Soares)
Maracatu Rural
Ao lado de meu amigo e fotógrafo Canindé Soares, seguíamos a correnteza de personagens do Maracatu de Nazaré: vaqueiros usando roupas de veludo e chapéus com fitas coloridas (Crédito: Canindé Soares)

Maracatu Rural e o ponto alto

O ponto alto da festa foi em frente à Igreja Matriz Nossa Senhora da Conceição de Nazareth, onde um palco foi instalado para receber os maracatus e a governadora Raquel Lyra, que viria prestigiar a celebração. E veio.

A presidente da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe), Renata Duarte Borba, explicou ao Diário do Turismo as bases desta festa:

“Aqui na Zona da Mata a gente tem com mais força o Maracatu Rural, ou também chamado de Maracatu do Baque Solto. Este maracatu surgiu aqui na Zona da Mata Pernambucana e está muito relacionado com a nossa cultura canavieira, com os engenhos da cana-de-açúcar, no final do século XIX”, detalhou.

Ela também destacou a diferença entre essa manifestação e o Maracatu Nação, também chamado de Baque Virado, predominante na região metropolitana de Recife e Olinda.

“Lá eles têm o cortejo do rei e da rainha, fazendo referência ao coroamento de reis e rainhas africanos. Já o Maracatu Rural tem uma relação territorial muito forte com a Zona da Mata Pernambucana”, afirmou.

Maracatu Rutal
A governadora Raquel Lyra viria prestigiar a celebração. E veio (Crédito: Canindé Soares)

Uma manifestação cultural que encontra a essência

O que vivemos em Nazaré da Mata foi um manifesto pacífico diante do carnaval moderno e tecnológico que acontece em outras partes do Brasil. Um grito silencioso pela preservação da memória sem a parafernália do carnaval modernizado.

A batida das zabumbas, tambores, gonguês e a entoação de versos no formato de cordel nos transportam para outro tempo.

“É o Maracatu tradicional, de onde ele surgiu”, completou Renata Borba. “Aqui em Nazaré da Mata, o Maracatu acontece em seu próprio território, no seu próprio cenário. É um patrimônio imaterial feito por seus detentores e fomentado pelo poder público”, destacou.

Maracatu Rural
“Novos grupos nascem o tempo todo. Isso mostra que esses saberes estão sendo transmitidos e apropriados pelas novas gerações. Isso é muito importante”, disse Renata Borba (Crédito: Canindé Soares)

Novas gerações abraçam o Maracatu

Segundo o Mapa Cultural de Pernambuco, o estado possui 102 grupos de Maracatu.

“Novos grupos nascem o tempo todo. Isso mostra que esses saberes estão sendo transmitidos e apropriados pelas novas gerações. Isso é muito importante”, finalizou Renata Borba.

O músico Mestre Siba, do grupo Estrela Brilhante, também ressaltou o impacto social da manifestação.

“O Maracatu Rural é um manifesto da força popular, da capacidade do povo de se renovar, se reestruturar e ser resiliente”, afirmou.

E foi em meio ao desfile dos grupos que tive um insight: quando se entende a força das pessoas por trás dessas pesadas fantasias, com tecidos brilhantes, bordados detalhados, lantejoulas e até pedras semipreciosas, começa-se a compreender a verdadeira alma do Maracatu.

Maracatu Rural
O Maracatu Rural é um manifesto da força popular, da capacidade do povo de se renovar, se reestruturar e ser resiliente”, afirmou mestre Siba (Crédito: Canindé Soares)
Maracatu Rural
Outro elemento emblemático é o cravo na boca do Caboclo de Lança. “Ele serve como proteção espiritual e para afastar maus espíritos”, contou Mestre Anderson.

Mestre Bi: o impacto do Maracatu na comunidade

Nazaré da Mata é um dos principais polos dessa cultura, e Mestre Bi (Lesildo José dos Santos), um dos grandes nomes da tradição, falou sobre o impacto do Maracatu na cidade.

“Atualmente, temos 18 maracatus em atividade. O Maracatu tem uma importância enorme para a comunidade, pois tira pessoas das drogas e gera renda para a economia local”, destacou.

Ele também apontou a renovação constante do movimento.

“Se você observar, já tem crianças de dois anos participando, colocando arrumação. Daqui a dez anos, o Maracatu estará ainda mais forte, pode acreditar”, afirmou.

Mestre Bi, no entanto, fez um alerta:

“O Maracatu precisa de mais apoio. É uma atividade que exige muito investimento, mas arrecada pouco. Precisamos de uma política de fomento para que o Maracatu funcione o ano inteiro”, enfatizou.

“A gente agradece o apoio financeiro do governo, mas esperamos que ele cresça ano a ano”, concluiu.

 

Os símbolos e elementos do Maracatu Rural

O Diário do Turismo conversou com Mestre Anderson Miguel, do Maracatu Cambinda Brasileira, para entender melhor os elementos que compõem essa manifestação cultural.

“O Maracatu tem vários personagens, cada um com sua importância. O Caboclo de Lança é o guerreiro e guardião do Maracatu”, explicou.

A vestimenta do Caboclo de Lança pode pesar entre 30 e 50 quilos, dependendo dos materiais utilizados.

“O chapéu usado por eles é feito de palha e isopor, decorado com fitas de papel celofane. A cor predominante da fita segue a ‘guia’ religiosa: amarelo para Oxum, azul para Oxóssi, vermelho para Xangô, entre outras”, descreveu.

Outro elemento emblemático é o cravo na boca do Caboclo de Lança.

“Ele serve como proteção espiritual e para afastar maus espíritos”, contou Mestre Anderson.

Com 107 anos de existência, o Maracatu Cambinda Brasileira tem 150 componentes e sua sede fica na zona rural de Nazaré da Mata.

O Maracatu tem vários personagens, cada um com sua importância (Crédito: Canindé Soares)
“A gente sabe que manter o Maracatu não é fácil. Tudo que envolve a cultura popular exige esforço: seja no coco, no cavalo-marinho, na ciranda”, afirma mestre Anderson Miguel (Crédito: Canindé Soares)

Maracatu: espontaneidade e verdade

Nosso mergulho na cultura do Maracatu Rural termina quando nos despedimos de Nazaré da Mata. Um misto de alegria e espanto me bateu no peito. Alegria porque ainda era segunda-feira de Carnaval e a próxima parada era Olinda. Espanto porque presenciara uma manifestação cultural na nascente. Tinha testemunhado as raízes dessa grande árvore chamada cultura pernambucana se expondo para a superfície, para fora da terra e mostrando a força do trabalho coletivo em seu mais alto grau de espontaneidade, amor e verdade.


*O jornalista Paulo Atzingen e o fotógrafo Canindé Soares viajaram a convite da Empetur

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