por Otávio Novo*
De modo geral, todas as crises geram reflexos psicológicos nas pessoas que convivem com a situação sensível.
Essa é a regra.
Mas, depois de 20 anos de atuação na gestão de dezenas de crises, ficou claro que algumas pessoas são mais atingidas por esses impactos mentais que outras. E de acordo com a forma de reagir, os resultados pessoais são diferentes e podem significar menos ou mais prejuízos ou vantagens na gestão das ocorrências.
E por que isso acontece? E qual o papel da gestão de crises nesse contexto?
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Antes de relacionarmos alguns aspectos que podem nos ajudar a responder essas questões, vale lembrar algumas características dos nossos tempos que fazem sentido nessa reflexão.
Diferentemente das últimas décadas do milênio passado, a partir do ano 2000 se iniciou um período de aumento significativo de situações de grande impacto e abrangência. Terrorismo global, mudanças climáticas, ataques cibernéticos, pandemia, além de crimes pelo aumento da desigualdade social crescente, e outras situações cada vez mais complexas e comuns.
E além do aumento de acontecimentos graves, outro fator causou a percepção do agravamento vivido: a diminuição das distâncias na comunicação e nos negócios e relações globais, potencializando a relevância de casos locais em face dos interesses e atenção, sem que a distância faça diferença.
O mundo está interligado de forma física e virtual e assim ocorre também com as crises e seus impactos.
Portanto, fica evidente que cada vez mais situações delicadas atingirão sociedades e pessoas, sendo a Covid-19 a maior demonstração da rápida e imensa amplitude de uma crise, onde praticamente todo o cidadão do planeta sofreu, de alguma forma, o impacto desse cenário.
E, em que pese a variação de impactos que podem atingir as pessoas, as diferenças nas formas de reação diante das crises são evidentes. Personalidade, preparo, crenças e origem de cada um podem fazer a diferença. Assim como a qualidade das informações que se usa como base para o comportamento diante do cenário crítico.
Ou seja, existe um peso dividido entre as características individuais e o meio em que as pessoas e suas ideias se desenvolvem no sentido dos pensamentos e ações.
Afinal, é fato que a ignorância pode significar mais conforto e coragem ou mais medo e traumas, mas, invariavelmente, significará percepções e ações equivocadas, agravamento das crises e mais dificuldades e tempo para chegar as soluções e, consequentemente, aumento dos prejuízos de várias ordens, inclusive os psicológicos.
A esse respeito, um importante estudo sobre a saúde metal na atual pandemia, realizada pela universidade de Ottawa com mais de 190.000 participantes em 55 estudos realizados pelo mundo, demonstra o aumento da incidência de ansiedade, depressão e estresse pós traumático, três , quatro e cinco vezes , respectivamente, mais do se costuma registrar . Além disso, a OMS informou que 93% dos serviços de saúde mental foram paralisados ou prejudicados de alguma forma.
Diante disso, é importante esclarecer que os conceitos de gestão de crises poderão apoiar nesse desafio crescente, indo além da definição de procedimentos práticos e focados em preservar a vida, os negócios e as reputações.
Os procedimentos preventivos e reativos acessíveis, bem definidos e efetivamente aplicados irão significar um fortalecimento dos grupos e indivíduos que utilizam a gestão de crises como método para a auto preservação e desenvolvimento no contexto complexo que vivemos.
E para demonstrar qual é o papel da gestão de crises para o fortalecimento da saúde mental de todos, segue uma lista de exemplos de contribuições que qualquer organização poderá perceber ao implantar conceitos básicos para orientar seus membros diante de situações graves e complexas, são eles:
- Conhecimento prévio dos riscos e cenários – definição clara das principais ameaças e vulnerabilidades possibilitando a tomada de decisões e a certeza do fortalecimento individual e do grupo.
- Saber o que fazer – mais segurança e sentimento de acolhimento por ter orientações validadas pela organização ao invés de se ver obrigado a decidir sozinho diante da crise;
- Preparação de uma estrutura de contingência – maior segurança devido da antecipação dos impactos e implantação de uma estrutura de resposta adequada (financeira, de recursos humanos, continuidade dos negócios) de minimização diante das perdas percebidas;
- Diminuição das incertezas e desinformações – menos apreensão e estresse por estar diante do desconhecido se valendo de projeções e preparações coerentes e efetivas;
- Pertencimento – trabalho em grupo e realização de ações de definição, avaliação e solução em conjunto com outros membros da mesma estrutura e contando com apoio externo sempre que necessário;
- Reconhecimento pelo esforço realizado – Todos aqueles que participam de qualquer forma da gestão de crises recebem, por padrão de procedimento, o agradecimento e tem o esforço reconhecido pelos gestores;
- Consciência da limitação do seu papel – Saber até onde existe responsabilidade e o dever de ação definindo de forma clara o limite das ações necessárias por cada um no contexto da gestão dos problemas;
- Convicção do dever cumprido – Certeza da realização do possível de acordo com a previsão das ações e de acordo com as segmentações e limite de responsabilidade.
- Fortalecimento no pós da crise – Os procedimentos de gestão de crises , assim como demonstrados em simulados ou histórico de crises reais, tem a regra de instruir aos participantes como transformar o aprendizado em força de tomada de decisões futuras;
- entre outros.
As possibilidades de contribuições da gestão de crises são inúmeras já que basicamente significará o desenvolvimento de procedimentos e conceitos de gerenciamento das adversidades e a construção de um ambiente mais saudável que leva em consideração e monitora a saúde mental como ponto fundamental de atenção nas novas estruturas sociais em que vivemos.
Afinal, além da forma e nível de equilíbrio com que reagimos diante dos nossos desafios, também devemos pensar nos riscos ao bem estar psicológico de colaboradores e demais pessoas na execução das suas funções, inclusive os gestores e lideranças, que sempre devem estar preparados para o processo de tomada de decisões em ambientes conturbados.
A gestão de crises pode e irá auxiliar a todos a encontrar um plano de procedimentos que significará mais consciência e maturidade para lidar com o cenário de adversidades que encontrarão na vida, seja profissional ou pessoal.
Portanto, para aumentar o equilíbrio e a flexibilidade diante das instabilidades da vida, pratiquem gestão de crises.
OTÁVIO NOVO é advogado, profissional de Gestão de Riscos e Crises, atuando, desde o ano 2000, em empresas líderes nos setores de serviços, educação e hospitalidade. Durante 6 anos foi responsável pelo Departamento de Segurança e Riscos da Accor Hotels na América Latina. Atualmente é consultor, membro da comissão de Direito do Turismo e Hospitalidade da OAB/SP 17/18, professor e desenvolvedor de materiais acadêmicos e facilitador na formação de profissionais e na organização de empresas do setor do turismo e hospitalidade. Coautor do livro “Gestão de Qualidade e de crises em negócios do turismo” – Ed. Senac. É criador e responsável pelo projeto Novo8 – www.novo8.com.br