Foi Denyse a primeira pessoa a falar-me da ideia: juntar amigos para viver em comunidade. Faz tempo essa conversa, uns dez ou quinze anos, pelo menos. Depois, voltamos a falar muitas vezes a respeito, deixávamos correr solta a imaginação, sonhávamos em como seria essa comunidade. Cada um na sua casa, garantida a liberdade, a independência e a privacidade, num lugar com espaços e serviços compartilhados; com uma grande e bem equipada cozinha, lavanderia, se possível, horta e, até, carro, motorista e enfermeiro – para quando formos velhinhos. Na praia ou no campo, numa metrópole ou no interior, só gente madura como nós ou, mais diversa, com famílias inteiras, com crianças e adolescentes… Questões deixadas em aberto.
O que tomei por novidade, já existe faz tempo, e tem nome: cohousing, descobri depois. O conceito nasceu na Dinamarca, há mais ou menos 50 anos. Consiste em viver numa pequena comunidade, num conjunto habitacional ou vila, com maior aproveitamento de recursos e compartilhamento de espaços e equipamentos. Não é como viver num prédio, condomínio fechado ou residencial que tenha salão de festas, piscina e alguma coisa mais de uso comum. Não é isso. O cohousing, traduzido como co-lares para o português, pressupõe envolvimento e participação, pacto, aliança e compromisso entre todos. É a opção por um estilo de vida mais sustentável e colaborativo, onde os vizinhos buscam a socialização e dividem responsabilidades e trabalho. É como viver ao redor de uma família estendida, como entre irmãos, primos, tios e sobrinhos; com todas as graças e os conflitos que uma comunidade assim oferece. É quase como viver numa cidade pequena, vila ou aldeia; mas pode ser melhor.
Estou no interior de Minas Gerais, em Coluna, na Minas profunda. Vejo a riqueza dos relacionamentos: afeições, antipatias, compromissos e mexericos. As pessoas importam-se umas com as outras. Chegamos trazendo a minha sogra, Dona Iaiá, que esteve fora por mais de mês em casa de uma filha. Logo à chegada, fomos recebidos, ainda na rua, por uma vizinha, Dona Geralda Amador. Despachada, sabedora das horas, o comércio fechado no ocaso de domingo, supondo a nossa fome e cansaço pela longa viagem de carro, correu em casa para buscar a rosca da rainha que fez, como faz sempre, quitanda típica da terra, para o nosso lanche. Ninguém pediu. Ninguém falou nada. Atenta à necessidade da vizinha, adiantou-se e trouxe o quitute. Notícia que corre rápido, cedo na manhã seguinte, Dona Jacira veio ver a amiga. Trajadas de máscaras, são idosas e conhecem os riscos, as duas abraçaram-se num encontro emocionado. Ao longo dos dias, vou reparando, por causa da peste, há mais encontros nas varandas, guardada a distância de segurança e, menos frequente agora do que antes, o entra e sai, o ir e vir entre as casas, o chegar pro almoço, pro cafezinho, pra cachaça; nessa intimidade mineira, cheia de polidez e reserva. É um não dizer e ser compreendido, é um sempre ter alento e o que comer para os que chegam. É a vida em comunhão.
Grande quero a cozinha, a que falei lá acima. Junto dela, a sala de jantar, espaço de confraternização, aberta para o jardim. Uma biblioteca, e, também, hoje é importante, uma área para o trabalho em casa
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Há variações. Vejo por aí umas tantas iniciativas, projetos de incorporadoras, que valem-se do conceito para oferecer pouco além de condomínios com pretensas facilidades para idosos. Projetos equivocados, acho eu. Faltam-lhes o vínculo entre os residentes e o propósito expresso entre eles de viver em comunidade. Oferecem a mesmice de sempre. E há o coliving, outro modelo de vida em comunidade, com cooperação e sustentabilidade, porém, mais radical, dividindo a mesma morada – casa, apartamento ou edifício projetado para tal –, com relativa privacidade, mas menos, com muito mais áreas de uso comum; quase uma república. Não é o que eu busco.
Sonho com uma casa nalguma vila comunitária, com espaço para horta e um tanto de fruta. A minha casa não precisa ser grande; cada um que construa a sua, no espaço reservado que tem, como bem quiser. Grande quero a cozinha, a que falei lá acima. Junto dela, a sala de jantar, espaço de confraternização, aberta para o jardim. Uma biblioteca, e, também, hoje é importante, uma área para o trabalho em casa. Sem esquecer a lavanderia, que, se couber, pode ficar atrás ou acima da cozinha; a critério dos arquitetos. Penso numa comunidade diversa. Diversa nas idades, sexos, orientações, cores, pátrias e saberes. Quero viver perto da água, do mar ou de rio; próximo de algum grande centro, com teatros, cinemas, casas de shows, bares, restaurantes e, não demora, com a idade que há de chegar cada vez mais rápido, hospitais. São muitos os requisitos. Não é fácil encontrar gente o suficiente que pense parecido, que queira o mesmo e que esteja pronta a dar esse passo agora.
Passados quatro anos desde que cheguei em Portugal, sem ter conseguido encontrar o sítio certo e juntar as pessoas interessadas, não perdi a esperança de ir viver numa comunidade assim. Muitos amigos manifestam o mesmo desejo. O derretimento do Real e a pandemia atrapalharam bastante. O mercado imobiliário tem resistido à crise. Não por muito mais tempo, dizem os especialistas portugueses – gente com imóveis para vender: 2021 deverá ser um ano de oportunidades. Sou otimista. Acredito na imunização pelas vacinas e que vou encontrar esse tal lugar para juntar essa tal gente.