Decimius Magnus Ausonius salta da barca montado em seu cavalo branco

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Por Werner Schumacher*


O cônsul romano – e grande poeta – Decimius Magnus Ausonius, na verdade um franco, em campanha na Alemanha perto de 371 d.C., descreve em verso entusiasticamente o Rio Mosella, seus vinhos e as vinhas íngremes em 483 hexâmetros (diz-se de verso, grego ou latino, de seis pés).

Retornando da campanha, através do rio Mosel, que começa ou termina na França, vendo que já estava perto de dar pé para o seu cavalo de cor branca, montou e saltou com animal em águas não tão profundas, tal era a vontade dele em pisar novamente em terras francesas.

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Há quem diga que este ato ficou marcado na história francesa do Império Romano e, para prestar homenagem a Ausonius, Napoleão deu o nome de seu cavalo de Branco, pois não encontrara um animal tão corajoso como o branco do cônsul e poeta.

Seguindo por terra, Ausonius chegou a Saint Emillion em Bordeaux, onde adquiriu terras, plantou vinhas e passou a elaborar seus próprios vinhos em sua vinícola, terminou sua vida compondo suas poesias e saboreando seu delicioso vinho, que dizem ser a atual Chateaux Ausone.

A classificação de vinhos St-Emilion não é dessa época, mas a cada 10 anos ela é revisada para ser aplicada a partir de 2022. Descontentes, os chateaux Ausone e Cheval Blanc, mesmo que reconfirmadas a cetegoria de Premier Grand Cru Classé ‘A’, separadamente, pularam da barca.

Cada um a seu momento, mas argumentando de forma muito semelhante e afirmam ter sito mera sincronicidade, não Freud, mas Jung explica, junto reunido.

Critérios de julgamento

Alegam os famosos produtores que não concordam com os critérios de julgamento para a classificação St-Emilion, afirmando que na última reavaliação em 2012 houve uma profunda mudança na filosofia dos critérios, passando a ter mais peso o Marketing, a frequência nas redes sociais juntamente com a infraestrutura do Enoturismo.

Vejam bem, apenas 15% é o peso na nota final dada ao ‘Terroir’, muito pouca importância não é mesmo?

Com o novo sistema a noção de identidade e a de tipicidade, tudo indica, deixam de ser necessárias, como se a cultura do vinho e a sua capacidade de envelhecer e evoluir por décadas tivessem papel secundário.

Por sua vez, Franck Binard, diretor do Conselho do Vinho de St-Emilion, defende o processo de avaliação por ser orientado pelo INAO, o instituto francês que controla as indicações geográficas.

Alega ainda, que St-Emilion é um ‘mosaico de terroirs’ e que ‘seria muito difícil hierarquizar os diferentes tipos de terroirs, muitos dos quais podem dar ótimos vinhos‘.

Até a última reavaliação em 2012, que foi a 6ª desde 1955, além de Ausone e Cheval Blanc com a classificação Premier Grand Cru Classé ‘A’, passaram então a fazer parte outros dois chateaux, o Angélus e o Pavie. Naquele ano os châteaux Croque-Michotte, Corbin-Michotte e La Tour du Pin Figeac, foram rebaixados.

Desde então há muito desentendimento, ações judiciais, no Conselho de St-Milion.

Por trás disso, de acordo com Michael Grimm, da alemã Bacchus-Vinoteck, Ausone e Cheval Blanc, querem se diferenciar de Pavie e Angélus, mesmo sem a classificação nada perderão, para a imprensa e ao consumidor interessa a forte marca histórica das propriedades.

Com base ainda em 2012 há 64 propriedades classificadas em St-Emilion como Grand Cru Classé, 14 como Premier Grand Cru Classé e 4 como Premier Grand Cru Classé ‘A’, no entanto, dizem haver uma solicitação muito grande de novas inscrições.

Ilustração inspirada no esboço do Frost Report ‘Social Class’, uma comédia de um seriado inglês de 1966-67

 

A notícia caiu como uma bomba no mundo do vinho, principalmente, para aqueles que se dedicam mais a região de Bordeaux

Para o jornal Sud-Ouest, poderia ser “uma notícia muito ruim para toda a denominação St-Emilion”. Isso poderia ameaçar a “própria ideia da classificação” que foi “fragilizada” durante anos.

Para os franceses, muitas coisas se resumem a hierarquias, principalmente aos tradicionalistas, parece que tudo por lá precisa ter qualificações. Isso criou uma bela história para essa cultura típica de franceses.

Vivemos num mundo sem ou com poucas classificações

Havia um tempo que todo mundo conhecia o seu lugar, ou seja, se você fosse humilde, não tivesse estudo, entre outras, acabaria aceitando essa situação de inferioridade. Vejam o caso do Languedoc no sul da França, sempre tratado por produzir vinhos de qualidade inferior. Hoje é o maior exportador de vinhos franceses para os Estados Unidos e passou a elaborar belos vinhos.

É a globalização, é o marketing e o entendimento que o mundo do vinho é um negócio de ganhar dinheiro, por maior que seja a paixão pelo produto.

Robert Joseph da Wine-Business International tem boas reflexões sobre o tema. Em 1855, as classificações eram baseadas exclusivamente no preço. Hoje os responsáveis por estabelecer essas hierarquias levam em consideração não só a percepção da qualidade, mas o marketing e o enoturismo.

Joseph QUESTIONA: se uma vinícola consegue tudo isso por direito, por qual razão se candidatará a uma vaga em um quadro de líderes burocráticos?

Os supertoscanos, como Sassicaia, o Clos du Temple Rosé de Gerard Bertrand, um dos grandes responsáveis pela explosão do Languedoc, bem demonstramque se pode transcender a essas classificações oficiais. Outro exemplo que corrobora com essa ideia, é o que vem acontecendo com o CAVA espanhol e o Prosecco italiano, empresas deixando de usar tanto um como outro em seus rótulos.

Não é de hoje que as indicações geográficas vêm sendo questionadas, não sendo um garantia de qualidade, pois nelas há vinhos e vinhos, bons e não tão bons. Creio que o seu maior valor seria a vinculação com o território, pessoas comprometidas com a qualidade de vida, com a sua cultura, com o seu saber fazer, com a paisagem e a natureza que esta envolve.

Válido na ideia do “Small is Beautiful”, mas do ponto de vista negócio, quem sabe, com os dias contados.

*Artigo inspirado nos links:

https://www.wine-business-international.com/wine/analysis/chateaux-ausone-and-cheval-blanc-are-no-longer-be-part-st-emilion-cru-classe-system

Cheval Blanc and Ausone to leave St-Emilion classification

 


*Werner Schumacher, é o alemão brasileiro que na década de 80 e 90 do século passado trouxe os insumos da Europa para o início da vinicultura no Rio Grande do Sul, e portanto, no Brasil.

Sem meias palavras, Werner durante o último ano escreveu sobre inúmeros assuntos do universo do vinho. Defendeu a viticultura heroica de montanha, ficou do lado dos pequenos produtores de uva e vinho do Rio Grande do Sul, enalteceu a importância do enólogo em uma propriedade que produz vinho. Além de tudo isso, e com muita classe, critica os marqueteiros que tentam desmistificar o mundo do vinho com seus produtos padronizados e sem caráter.

 

 

 

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