Dentro de uma capela brasileira feita de vinho

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por DANIELLE BAUTER*

Com sua paisagem de colinas verdes ondulantes pontilhadas de fazendas familiares, a vista pode facilmente ser confundida com a Toscana. O estado produz 90% do vinho do país, com mais de 30 vinícolas somente no Vale dos Vinhedos. No coração desta comunidade está uma capela chamada Capela Nossa Senhora das Neves, ou capela de Nossa Senhora da Neve.

Embora pequena e despretensiosa, esta construção distingue-se de uma forma particularmente apropriada: Foi construído a partir do vinho.

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A origem vinífera da igreja é detalhada na sua decoração. A pequena capela apresenta um altar feito com barris de vinho, e o exterior é delineado com tinta vermelha-vinho. Mas a própria argamassa que segura os tijolos das paredes da igreja é feita de vinho: uma prova da criatividade dos imigrantes italianos locais quando confrontados com uma seca debilitante. O vinho criou uma base sólida para a sua construção, e para a sua nova casa no Vale dos Vinhedos.

A pequena capela apresenta um altar feito com barris de vinho (Crédito: CBBG)

Governo imperial

Muito antes da construção da capela do vinho, há um século, a terra era originalmente ocupada pelos Tupí-Guaraní e outros povos indígenas. Os missionários jesuítas da Europa
chegaram no século XVII, com a intenção de evangelizar e levá-los para missões. No século XIX, imigrantes italianos se estabeleceram no vale, a maioria das regiões norte do Vêneto e Trentino. Estes imigrantes eram em sua maioria camponeses, atraídos ao sul do Brasil pela promessa de suas próprias fazendas. O governo imperial do Brasil desempenhou um papel na atração de muitos para a região. De acordo com Walter Comassetto, descendente de imigrantes italianos que chegaram ao Rio Grande do Sul em 1878, “o governo tomou a decisão de ocupar as terras sem propriedade legal”.

Na época, ainda havia escravidão no Brasil, que duraria até 1888. Mas o governo sabia que a abolição da escravatura era certa. Para resolver a iminente falta de mão-de-obra, sua
solução racial era “convidar, ou trazer, ou contratar; europeus; Europeus brancos, de preferência”;, diz Comassetto. Os imigrantes da Itália, Portugal e Espanha eram especialmente ideais, porque eram católicos. Com essa decisão, o governo imperial decidiu que tais colonos cultivassem terras em todo o país.

O governo criou agências autorizadas a convidar o povo a se estabelecer no Brasil. Começando na Alemanha, eles logo se mudaram para outros países europeus. Com panfletos, os agentes começaram imediatamente a espalhar mentiras, gabando-se de que novos imigrantes poderiam possuir castelos no Brasil, e de que havia terra em
abundância para todos. (O que eles não mencionaram foi que a maior parte das terras oferecidas estava desocupada porque era tudo floresta). Mas os agentes persistiram, jurando aos potenciais imigrantes que o futuro da Europa estava no Brasil. Muitas
vezes, a terra prometida era chamada de América. “Andiamo a fare America,
vamos para a América, vamos ter sucesso. Foi isso que eles disseram”, diz Comassetto. Os agentes foram à igreja de seu bisavô na Itália. Com poucas terras locais para cultivar, sua família decidiu arriscar e mudar-se.

O governo criou agências autorizadas a convidar pessoas para se instalarem no Brasil (Crédito: arquivo digital DT)

Futuro no passado

Ao desembarcarem na cidade portuária de Porto Alegre, os italianos receberam parcelas de terra para se estabelecerem na região desordenada da Serra Gaúcha, uma área com morros íngremes e terreno rochoso no Rio Grande do Sul. A vida no futuro Vale dos Vinhedos logo foi terrível. A doença corria desenfreada e, em vez dos castelos prometidos, as famílias viviam da terra nas condições mais severas, muitas vezes sem nada para
comer. Mas muitas sobreviveram e, após uma espera de quatro anos, os imigrantes receberam os documentos da sua terra designada.

Querendo recriar o conforto da sua terra natal, os colonos criaram gado para se abastecerem de carne e queijo, e cultivaram frutas e verduras. Importante, eles começaram a plantar videiras, a partir de mudas trazidas pelos alemães. Logo, eles se lançaram na produção de vinho, exatamente como fizeram na Itália. No solo fértil e
quente do sol da Serra Gaúcha, as suas vinhas prosperaram.

A religião sempre foi um aspecto importante em suas vidas. Como imigrantes italianos em todo o Brasil se estabeleceram em seu novo país, muitos logo se voltaram para a
construção de uma igreja ou capela local. “A igreja tornou-se o ponto de entrada, o ponto de encontro entre eles”; diz Comassetto. “As pessoas se reuniam lá para tudo – para negócios, para o culto, para brincar, para se divertir durante o fim de semana”.

Na nova vila Serra Gaúcha de Bento Gonçalves, a construção de Nossa Senhora das Neves foi liderada por Marco Valduga, membro de uma das primeiras famílias italianas da região
do Vale dos Vinhedos. Sua inspiração veio de volta à Itália. Segundo a lenda, numa manhã fria no seu país natal, Valduga viu que alguma neve tinha caído na imagem da Virgem Maria, ou Nossa Senhora da Neve.

A visão inspirou-o. “Seu vizinho, que era escultor, pegou um pedaço de madeira e esculpiu a imagem”; diz Assunta de Paris, historiadora de Bento Gonçalves. Antes de Valduga partir
para o Brasil, “o vizinho entregou a imagem do santo a Marco e pediu que ele construísse uma igreja em honra de Nossa Senhora das Neves”; Como poderia ele recusar? Em 1904, logo após a mudança para a área, os Valdugas e outras 20 famílias começaram a construir.

Usariam o seu vinho, em vez da água, para fazer a argamassa para a igreja inacabada (Crédito: arquivo digital DT).

De geração à geração

Eles cortaram pedras e fizeram argamassa com argila e água. Mas então, o desastre aconteceu. Um período de seca intensa invadiu a terra durante dois anos e não havia água
suficiente para continuar o trabalho. A seca era castigadora, e as colheitas murchavam à medida que se espalhava por toda a região. Segundo De Paris, as famílias locais decidiram apelar a Nossa Senhora das Neves para um caminho a seguir. “Manchas vermelhas
nas pedras da igreja foram notadas durante a oração”, diz De Paris, lembrando manchas de vinho. “Foi então que o padre disse a todos na igreja para pararem de rezar, que ele
tinha a solução”. Eles usariam o seu vinho, em vez da água, para fazer a argamassa para a igreja inacabada.

A construção começou uma segunda vez. Cada família local doou 300 litros do seu próprio fornecimento de vinho. Depois de amassar o barro com o vinho e adicionar palha de trigo para estabilidade, havia argamassa suficiente para cimentar seus tijolos.

Todos na comunidade tinham uma mão na construção, e a capela foi concluída em 1907.
Após mais de 100 anos de uso e desgaste, a capela está sendo restaurada profissionalmente. Segundo Rui Stefani, restaurador do prédio da região, “o trigo ou a palha misturada com o vinho nunca foi suficientemente seca ou cozida, porque não eram
técnicos”;. Algumas das paredes interiores têm grandes fendas, e o tijolo espreita através do gesso. Stefani está remendando essas rachaduras e trabalhando em outros planos de
restauração.

A história da Capela Nossa Senhora das Neves tem sido transmitida a cada geração, e Stefani, juntamente com outros pintores locais, está acrescentando um mural
representando a história da capela em uma das paredes interiores. Mas a capela já não acolhe serviços. Segundo Daniele Pistoia Araujo, secretária executiva do Bureau da Convenção de Bento, “a igreja é usada apenas como local turístico e de visitação”. (Ela
também observa que no último ano, a cidade de Bento Gonçalves recebeu mais de 150.000 visitantes, muitos atraídos pelo status da cidade como a capital do vinho brasileiro).

Atualmente a igreja é usada apenas como local turístico e de visitação (Crédito: Vale dos Vinhedos)

A capela ainda é pensada com carinho pelos locais, não apenas como um símbolo de sua fé, mas como um reflexo dos ideais da época em que foi construída e do trabalho das pessoas que ali se estabeleceram. Para muitos, diz De Paris, a igreja reflete a determinação de construir comunidade com trabalho árduo e fé – para não mencionar o vinho.


*Do original: Inside a Brazilian Chapel Made Out of Wine

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