Manuel Gama, presidente FOHB: “Linhas de crédito emprestam dinheiro para quem não precisa”

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por Paulo Atzingen*

O encontro com Manuel Gama aconteceu em um de seus hotéis, o Travel Inn Ibirapuera, em São Paulo. Cheguei alguns minutos antes para me refrescar no lobby do hotel (em pleno outono o verão paulistano ainda mostra sua força), e, antes de ser anunciado, Manuel já me esperava no mezanino. Vinha de uma reunião e, com a entrevista pelo meio, já emendaria outro encontro de negócios. Não tínhamos tempo à perder. Apresentar Gama e dizer de sua experiência no ramo hoteleiro é ser redundante. Sua maneira sóbria de analisar os acontecimentos  políticos sem as paixões do momento presente e sua capacidade de sintetizar períodos inteiros da economia hoteleira (a fase áurea dos flats, a chegada dos condo-hotéis, o empatia aos hotéis econômicos em um mercado recessivo) fez o tempo parecer brinquedo de criança. Entre um prato e outro a conversa fluiu. Destaco aqui, os pontos mais importantes:

DIÁRIO – Como o senhor analisa o mercado hoteleiro nos próximos dois anos?

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MANUEL GAMANão tenho uma bola de cristal, mas vou tentar entender este mercado. Estamos passando por uma fase difícil do ponto de vista político e econômico e levaremos de dois a três anos para sair dela. O mercado está contraído. Porém, quando se planeja o desenvolvimento da hotelaria ou a construção de um hotel, vemos a longo prazo, pensamos no desenvolvimento da hotelaria para os próximos 20 ou 30 anos, e a fase que estamos passando é temporária. Dois anos é muito curto prazo para nós. Vejo que o desenvolvimento hoteleiro tem um campo muito amplo ainda para se desenvolver. Temos hoje ainda um total de 68% a 70% de hotéis independentes pelo Brasil e muitos desses hotéis serão convertidos em bandeiras, até pela facilidade de as bandeiras colocarem esses produtos na prateleira do mercado mundial. Poucos produtos independentes são fortes o suficiente para se manterem. Fora isso existem ainda campo nos mercados do Rio de Janeiro e São Paulo, pequeno, mas existe ainda para desenvolvimento da hotelaria, seja econômico ou hotelaria de luxo.

Existem também outros segmentos na hotelaria a se desenvolver na parte urbana, que são os residenciais com serviços. No interior do estado de São Paulo e outros estados, existe um campo muito grande para se desenvolver a hotelaria econômica. Só o FOHB tem por volta de 350 novos produtos de condo-hotel a serem desenvolvidos nos próximos cinco anos. Alguns destes sofreram um pequeno atraso por causa dessa instabilidade econômica, mas futuramente se desenvolverão e serão consumidos.

Temos muito ainda a desenvolver em termos de oferta hoteleira pelo país, seja nas capitais ou interior, mas a tendência é que o interior se desenvolva mais porque tem mais campo para isso.

DIÁRIO – Analisando a economia mundial recessiva, há uma tendência de abertura de hotéis econômicos?

MANUEL GAMAEssa pergunta é fácil de responder, porque desde que a hotelaria começou a imprimir um ritmo diferente de crescimento utilizando a segmentação de mercado. Antigamente tínhamos os hotéis de luxo e os hotéis de uma ou duas estrelas. Atualmente as marcas já têm o seu próprio padrão e essas marcas começaram a se identificar com a segmentação. Você menciona uma marca e já imagina qual é o segmento em que ela está inserida. Os usuários já se habituaram a isso, desde o período pós-guerra, em que as coisas começaram a se desenvolver e as novas marcas começaram a aparecer, marcas ligadas ao padrão de serviços que tinham. O segredo do negócio é a segmentação, que foi absorvida com sucesso pelo usuário.

DIÁRIO – Onde existe mais demanda e onde existe mais oferta?

MANUEL GAMACada um desses segmentos tem que ser comparado com essa lógica oferta e demanda e se houver espaço para a hotelaria de luxo numa determinada cidade, este nicho de mercado será desenvolvido. É claro que quando se lida com hotéis de luxo, se está lidando com uma oferta de menor porte, por causa do preço, que restringe o tipo de clientela. Quando se lida com a outra ponta, abre-se um leque, uma demanda muito maior. O que sentimos hoje no Brasil é que esta demanda é maior e a oferta é menor, então há espaço maior de crescimento na hotelaria econômica. O midscale é uma hotelaria que já tem sido desenvolvida no Brasil, então está mais ou menos adequada, evidentemente que cada praça tem sua realidade, mas o fator de desenvolvimento maior, um gap entre demanda e oferta como um todo é a hotelaria econômica, uma vez que a econômica é uma hotelaria em que cada executivo encontra hoje quase todos os recursos que precisa, desde o wi-fi, gratuito, uma boa cama, café da manhã, silêncio e a parte de controle de luminosidade no apartamento. Essas são as necessidades do cliente e a hotelaria econômica está atendendo.

A carga tributária hoteleira é alta, a conta de luz é alta, de água é alta, os salários e seus encargos são altos, de maneira que você não se torna competitivo em comparação com o turismo mundial.

DIÁRIO – Vocês comemoraram a Medida Provisória de diminuir a alíquota do Imposto de Renda. Além disso, o que é preciso fazer para diminuir os encargos?.

MANUEL GAMAEstamos muito satisfeitos com esta MP que reduziu as exportações de divisas para 6% porque nós ainda não temos linhas de crédito para o desenvolvimento da hotelaria no país, as que existem são super caras e com garantias que para se oferecer você constrói seu próprio hotel. Querem emprestar dinheiro para quem não precisa. Aos que necessitam das linhas de crédito, elas existem mas são de difícil acesso. Precisamos ter também o capital estrangeiro no desenvolvimento do país, não só na hotelaria, mas do turismo como um todo. Todas as transações entre o Brasil e o exterior, precisamos que as linhas de crédito do exterior possam entrar no país. Um dia isso tem que sair também, isso tem que ser remunerado e essa remuneração não pode ser altamente tributada, poderia ser tributada igual a que já temos no país. Comemoramos sim esta ação, mas temos muitas ações para ver se reduzimos as taxas que temos hoje, sejam municipais, estaduais ou federais. A carga tributária hoteleira é alta, a conta de luz é alta, de água é alta, os salários e seus encargos são altos, de maneira que você não se torna competitivo em comparação com o turismo mundial. No momento em que se diz que a hotelaria é cara no Brasil, compare a nossa carga tributária com o que se está comparando. É um país com um grande potencial no turismo, a hotelaria está inserida nisso e não conseguimos desenvolver o turismo no país. Seis anos atrás tínhamos 6 milhões de turistas no país e hoje continuamos com os mesmos 6 milhões. Alguma coisa está errada com um país do tamanho de um continente e 20 mil km de praia, montanhas, pantanal e um potencial fabuloso, mas não existe força política que entenda que o turismo é uma grande saída para o país. Este é o trabalho que temos que fazer, como associações, federações, tentar persuadir o governo e chamar sua atenção do glamour da hotetaria e do turismo como uma saída para a economia, uma entrada de divisas fantástica. Só no FOHB são cerca de 180 mil funcionários direta e indiretamente. Trabalhamos em conjunto com todas as entidades.

DIÁRIO – Quem ganhou com aquela linha de financiamento pró-Copa?

MANUEL GAMAAo contrário do que eu disse sobre linhas de financiamento, a pró-Copa foi super favorável para o desenvolvimento da hotelaria. Deveria haver uma pró-Copa contínua, mas com um controle para que não haja super-oferta. Se produziu e se emprestou dinheiro para cidades que não precisavam destes hotéis, Belo Horizonte é um grande exemplo. De um lado essas linhas de crédito são louváveis e, por outro lado, tinha que se dosar também. Não só pró-Copa, mas pelos Jogos Olímpicos, mas isso só fez bem para a hotelaria, com exceções da super-oferta.

* Paulo Atzingen é jornalista e fundador do DIÁRIO DO TURISMO

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