Por Cecília Fazzini (especial para do DIÁRIO) – fotos: Cristina Brochiéri
A saudade já bate forte no coração de todos que viram de perto o São João de Campina Grande, no agreste paraibano, que abriga aquele que é tido como o Maior São João do Mundo. O DIÁRIO DO TURISMO esteve lá e conferiu o entusiasmo em torno da festa máxima assinalada no calendário do povo local, que atrai receita de R$ 161 milhões a cada ano, segundo a Coordenadoria de Turismo daquele município.
Cidade Cenográfica
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Quem pensa que os festejos juninos em Campina Grande se restringem ao Parque do Povo – verdadeira cidade cenográfica com 42 mil metros quadrados localizada na região central da cidade – se engana. O município que já ultrapassa a marca de 400 mil habitantes e atrai 2,5 milhões de pessoas para as festas do mês de junho – respira tradição. Este ano foi escolhido junto com outras quatro cidades do Nordeste para compor o Projeto (Festejos Juninos) a ser comercializado e divulgado – no Brasil e no exterior – pelo Ministério do Turismo e Embratur, como um produto nacional ofertado ao viajante.
O amontoado de milho que ocupa as calçadas e o cheiro do grão, assado a céu aberto, anuncia tal cerimônia de confraternização, que tem o seu ponto alto já na véspera do São João, invadindo os primeiros minutos da madrugada e todo o dia 24 de junho. A cena se completa com a lenha comprada para acender a fogueira e o corre e corre para receber, em torno do fogo – hoje mais raro na zona urbana – familiares que vêm de longe, amigos, vizinhos e os novatos que desembarcam em Campina Grande, em busca da magia dos festejos do mês de junho.
Tristeza em desmontar os arranjos
Casas com terraços e fachadas enfeitadas com bandeirolas e balões entram no clima do São João, seguidas pelos pontos de comércio e tantos e tantos outros que comprovam a sobrevivência da tradição. Gilvanete Barbosa segue à risca esse ritual. Nascida no sertão pernambucano, na cidade de Surubim, ela chegou à Campina Grande há três décadas, quando ainda tinha 18 anos. Nunca deixa de adornar a fachada da modesta residência, que fica a poucos metros do Parque do Povo. “A tristeza é agora, na hora de desmontar os arranjos”, confessa ela, ao relatar que desde criança se encarregava de preparar a casa da família de 12 irmãos para o São João. “Os homens cuidavam de matar os animais e às mulheres cabia a missão do muito o que fazer com o milho”, conta com emoção ao conferir a posição dos arranjos à entrada de sua casa. Gilvanete é uma típica nordestina, que espera com brilho no olhar os fogos da noite de São João, ao mesmo tempo em que sonha não ter mais que guardar água em baldes devido às interrupções no abastecimento três dias da semana, enquanto a prometida transposição do Rio São Francisco não produz o esperado benefício para a região.
Nostalgia e muita comemoração
Entre as pessoas que trabalham no comércio, motoristas de táxi e de Uber, numa conversa informal, a dose de lembrança e importância é sempre a mesma, recheada de nostalgia ao recordarem da euforia e do brilho das festas na infância. O fato é que junho é um mês dedicado a uma espécie de “trindade” – que junta São João a outros dois ícones da Igreja Católica: Santo Antônio e São Pedro – e tem simbolismo desmedido para o povo nordestino. Considerada data que suplanta em relevância até mesmo o período natalino, o São João representa o momento de celebrar a colheita, em especial a do milho, a fartura e festejar a chegada da chuva, tão esperada pelo agricultor do sertão. É quando as famílias, via de regra sempre muito numerosas e com seus integrantes espalhados por todos os cantos, se encontram para compartilhar a bonança. E não falta a roupa e o calçado novos, muita comida regional à mesa e a alegria constante.
Data emblemática em Campina Grande
Ângelo Rafael, artista plástico, designer e atualmente diretor do Museu de Arte Popular da Paraíba (MAPP) complementa “as lembranças estão muito vivas porque me recordo na infância quando meu pai chegava com o porta-malas do carro repleto de espigas de milho, que iriam ser manuseadas para preparar pratos variados e distribuídos aos conhecidos”. Além de demarcar o solstício de inverno no Hemisfério Sul, o São João é genuíno e momento de agradecer, atesta Rafael.
Cerca de 500 apresentações durante os 31 dias (de 2 de junho a 2 de julho) de festa transformaram o Parque do Povo o centro das atenções de Campina Grande, point oficial da festa desde 1983. No último Dia dos Namorados, outra tradição se cumpriu nesse templo do forró: o casamento coletivo que, este ano, reuniu 120 casais. A maior quadrilha do mundo não poderia faltar no São João igualmente recorde, na qual mais de 800 casais se apresentaram ao som da sanfona, zabumba e triângulo, instrumentos essenciais para embalar o clima junino. Data tão emblemática que é assinalada até em algumas calçadas de Campina Grande, que trazem a bandeirinha da festa junina cunhada em seus ladrilhos.
E a boneca barbie se vestiu de Maria Bonita...
Enquanto a cantora Elba Ramalho, paraibana da gema, foi à mídia numa demonstração de repúdio à presença marcante e crescente de representantes da música sertaneja ao reduto do forró de Campina Grande, em especial ao palco principal, o ritmo representativo do Nordeste resiste. Seja nas palhoças, espaços caracterizados espalhados em diversos pontos do Parque do Povo, seja pelo entusiasmo no som emitido pelos vendedores de CDs piratas por toda a cidade, nas rádios e nos bares e restaurantes locais.
Mas, se a certeza de que o nordestino defende a alma de sua música, através do seu jeito peculiar de ouvir e dançar a mesma, não tranquiliza Elba, o jeito é reproduzir a opinião de outro igualmente arretado paraibano que já deixou este mundo. Ariano Suassuna disse algum dia em alto e bom tom: “Não troco o meu oxente pelo ok de ninguém”!
Ariano Suassuna disse algum dia em alto e bom tom: “Não troco o meu oxente pelo ok de ninguém”!
E o que dizer então que, ao percorrer a Vila do Artesão de Campina Grande, não é raro se deparar com a boneca barbie vestida em trajes de uma autêntica Maria Bonita – a companheira e fiel escudeira de Lampião – o herói do cangaço e do Sertão? No imaginário infantil, assim, fica plantada a imagem de um Nordeste que meninas e meninos, que estão nascendo agora, jamais poderiam supor que tenha existido. E a literatura de cordel é outra forma de difusão da cultura típica da região que, mesmo com toda a tecnologia da informação, ainda não desapareceu por lá.