Festival de besteira que assola o vinho – por Werner Schumacher*

Continua depois da publicidade

O título lembra os livros de Stanislaw Ponte Preta, pseudônimo de Sérgio Porto, que assim expressava o cotidiano das pessoas no tempo da “ditadura” militar.

Harry G. Frankfurt, professor emérito de filosofia da Universidade de Princeton, publicou recentemente um ensaio de enorme sucesso sobre o tema besteiras.

Na opinião do autor:

Veja também as mais lidas do DT

Uma das características mais salientes de nossa cultura é que há muita besteira. Todo mundo sabe disso. Cada um de nós contribui com sua parte. Mas tendemos a dar a situação como certa. A maioria das pessoas está bastante confiante em sua capacidade de reconhecer as besteiras e de evitar ser enganadas por elas. Portanto, o fenômeno não despertou muita preocupação deliberada. Não temos uma compreensão clara do que é besteira, por que existe tanto, ou a que funções servem”.

Uma bela visão filosófica da besteira é fornecida por Bernie Laplante, interpretado por Dustin Hoffman no filme “Hero”.

Mas o que é uma besteira?

O mesmo que asneira, uma vem de besta e a outra de asno, iguais na origem.

O mundo do vinho não é diferente e diariamente presenciamos um verdadeiro festival de besteiras. Repetindo de certo modo – Anatole France – Uma besteira repetida por milhares de bocas não deixa de ser uma besteira. As maiorias têm mostrado as mais das vezes uma aptidão superior à servidão.

Alguns exemplos

1000 Segredos dos Vinhos – O guia essencial para os amantes dos vinhos, de Carolyn Hammond Editora Novo Conceito 2007. Sugestão 18. Os melhores vinhos são geralmente encontrados em garrafas pesadas. Essa é uma dica de qualidade. Fechei o livro e não o li mais, apenas coloquei um marcador. Garrafas pesadas, no mínimo, são ambientalmente incorretas, motivo suficiente para condená-las.

Uma bela besteira, que uso quando me defronto com um enochato e a disparo:

– “cara, eu não entendo nada de vinho, a principal referência que eu tenho é que vinho branco serve pra tomar de dia e vinho tinto a noite, só acrescento um espumante ao por do sol”.

Aí o enochato pergunta: “quem te disse isso”?

– Foi o Coronel Aureliano em 100 anos de solidão.

O enochato de novo: “é um livro sobre vinhos”? “Quem é o escritor, é famoso”? Nunca ouvi falar.

– Não, é um romance, escrito pelo Garcia Marques, Nobel de literatura.

Quanto maior o teor de álcool de um vinho, melhor a sua qualidade. No caso dos tintos a grande maioria fica desequilibrado e difíceis de serem bebidos e no caso dos brancos perdem frescor, sem falar que mais álcool, menos saúde, mas isso por si só produziria um texto.

Mas o grande festival de besteiras que assola o vinho se dá nas degustações, exemplos:

– “rosa moderna, mas subestimada”;

– “Parece a abeto (pinheiro), coquetel de menta sem esperança e carvalho tostado”;

– “Beba agora até abril”.

– “O Brunello di Montalcino de 2005 é um modelo de sutileza leve, com cerejas silvestres escuras, minerais, mentol e especiarias”.

– “Uma textura aveludada de chocolate e sedutor em camadas, mas cremoso, no nariz, este vinho é abundante em cassis focado e um acabamento rubi sedoso. Exuberante, elegante e cheio de nuances. Combine com carne de porco e marisco”.

George Taber, o repórter que cobriu a degustação de Julgamento de Paris, na qual a Califórnia venceu a França pela primeira vez em um tête-à-tête de vinhos, está cético. “Os críticos de vinho querem ser Zeus no topo de uma montanha”.

O economista Richard Quandt declara que a indústria do vinho é “intrinsecamente propensa à besteira”, que “atrai artistas de besteira”.

É importante ressaltar que a besteira não é mentira; é algo parecido com blefar. Para isso a cultura do vinho tem um glossário extenso e muitas vezes ridículo

Em seu livro seminal, On Bullshit, Harry Frankfurt escreve que a essência da besteira é, “esta falta de conexão com uma preocupação com a verdade – esta indiferença com como as coisas realmente são“.

É importante ressaltar que a besteira não é mentira; é algo parecido com blefar. Para isso a cultura do vinho tem um glossário extenso e muitas vezes ridículo.

Ao se rotular a cultura do vinho como besteira significa que a estamos excluindo e não damos sentido a ela. Transformamos em mais um objeto simbólico. A besteira é uma categoria útil, mas devemos ter muito cuidado com o que estamos tentando obscurecer.

Em vez disso, como Brochet aponta, nossas expectativas em relação ao vinho são frequentemente mais importantes do que o que está realmente no copo.

O saudoso amigo Félix de Almeida, quando nos encontrávamos sempre falava: “Werner, não há coisa melhor que o glossário do Renato Ratti em seu livro Como Degustar os Vinhos, pois acabo de ler em um artigo espanhol, que foi um dos primeiros a ser publicado”.

Se há um vocabulário próprio para a degustação de vinhos, fica difícil entender o não uso dos termos, pois simplificaria e muitas besteiras não seriam publicadas.

Quais foram as maiores besteiras que vocês já leram ou ouviram sobre vinhos?


 

Publicidade

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Recentes

Publicidade

Mais do DT

Publicidade