Joseph Stalin e o “Champagne” do proletariado

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por Werner Schumacher* 


Quando se pensa em caviar nos vem a mente aquele do esturjão russo, que nos liga automaticamente ao champagne e acabamos por lembrar o Juca Chaves.

A história da produção de espumante na Rússia inicia com o Príncipe Golistsyn, considerado o pai da vinificação russa, que deixou a esposa e filhos, junto com Nadezhda Zasetskaya, que deixou o marido e foram viver na Crimeia, numa propriedade que ela herdara do pai.

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O Principe Golistsyn estudou em Paris e com isso teve contato com os famosos vinhos franceses. Na propriedade Novy Svet, plantou 600 castas, para ver as que mais se adaptariam aquele terroir.

Sabia que não bastava imitar a França para ter sucesso, mas teria que contar com a consultoria de profissionais franceses. O resultado veio em 1900 na Exposição Mundial de Paris, quando seu espumante “Paradise” recebeu a principal medalha, sendo considerado o Melhor do Mundo. Lá pode, desde 1900*.

Enfim, chegaram os soviéticos e o champagne foi condenado como produto da burguesia e se deu a derrocada da indústria vinícola russa.

Atrás da Cortina de Ferro, em 1936, Stalin ordenou a produção em massa de borbulhantes, as prateleiras podiam estar vazias, mas o “champagne” não faltava e era acessível.

Quando um ditador é obcecado por determinada comida ou bebida, isso faz mudar a forma de comer e beber por gerações, neste caso, devido ao poder que o “champagne” confere.

Anteriormente: como Mao deixou a China louca por mangas, pois era chique comer mangas na Inglaterra.

Trabalhadores da URSS colhem uvas de champanhe destinadas à garrafa. (SERGE PLANTUREUX/CORBIS VIA GETTY IMAGES)

Bebida burguesa

O que aconteceu ao champanhe russo durante os anos soviéticos?

Nos primeiros anos soviéticos, o destino foi cruel: em 1918-1920, roubaram toda a coleção de vinhos acumulada ao longo dos anos de vida de Golitsyn.

O champanhe passou a ser considerada uma bebida exclusivamente burguesa e a introdução da Lei Seca acabou com o desenvolvimento da vinificação. A situação mudou em 1924 com a abolição das campanhas soviéticas anti-álcool.

Na década de 1930, uma fome catastrófica atingiu a União Soviética, o caos gerado pela coletivização, políticas socioeconômicas brutais, devastou as regiões produtoras de grãos do país. Alguns, no entanto, atribuíram já naquela época a mudanças climáticas.

Milhões morreram de fome, e cadáveres acumulados ao longo de trilhos ferroviários e estradas, enchendo o ar com o mau cheiro da decomposição.

Sovetskoye Shampanskoye em 2010 em uma linha de engarrafamento

Champagne comunista

O Kremlin voltou sua atenção para outra carência: a falta de champagne. Em 1936, o governo soviético aprovou uma resolução para aumentar drasticamente a produção de espumantes, estabelecendo uma meta ambiciosa de produzir milhões de garrafas ao longo dos anos seguintes.

A idéia de criar uma indústria de champanhe comunista – um empreendimento hercúleo, dado o contexto – partiu diretamente de Joseph Stalin, que veio da República da Geórgia, lar da mais antiga cultura vitivinícola do mundo.

Ele proclamou que o champanhe era “um importante sinal de bem-estar, da boa vida” que o socialismo colocaria à disposição de todos – longe da simples promessa de Lenin de “pão e paz”.

Para obter um produto mais barato e de maturação precoce na saída, Anton Frolov-Bagreev, um enólogo encarregado de resolver esse problema, propôs uma nova tecnologia de produção – o método do reservatório.

Agora o champanhe fermentava no tanque, o que tornava a produção mais massiva, e todo o processo de fermentação demorava cerca de um mês. O inventor de um novo método de fabricação de champanhe recebeu o Prêmio Stalin em 1942.

Desesperado para mostrar que a União Soviética tinha mais a oferecer do que privações e perseguições, o governo lançou um esforço concentrado para produzir e democratizar o champanhe e outros produtos de ponta.

A ideia era disponibilizar coisas como champanhe, chocolate e caviar a um preço bastante barato, para que pudessem dizer que o novo trabalhador soviético vivia como os aristocratas do velho mundo“, explica Jukka Gronow, autor de Caviar com Champanhe: O luxo comum e os ideais da boa vida na Rússia de Stalin.

ilustração: GERRY SELIAN

Resoluções burocratas

Para transformar a retórica cintilante de Stalin em realidade, o governo soviético desencadeou uma enxurrada de resoluções. Burocratas ordenaram a construção de novos vinhedos, fábricas e armazéns, bem como o recrutamento e treinamento de milhares de novos trabalhadores. Os recursos foram desviados, e o banco estatal abriu uma conta especial dedicada ao financiamento da iniciativa multimilionária de rubis.

A ambição da visão de Stalin foi espelhada nas metas oficiais de produção, que projetavam a indústria nascente produzindo 12 milhões de garrafas por ano até 1942.

“O camarada Stalin disse que os “stakhanovitas” agora ganham muito dinheiro, engenheiros e outros trabalhadores ganham muito. E se quiserem comprar champanhe, podem conseguir? Champagne é um sinal de bem-estar material, um sinal de prosperidade”.

O champagne era como a Coca-Cola dos soviéticos, simbolizava a boa vida
soviética, diz Gronow (pintura de época)

Champagne no filme soviético

Posteriormente, a cultura do consumo de vinhos espumantes foi promovida com a ajuda da cinematografia: nenhum filme de Ano Novo ficava completo sem uma garrafa de “Champagne Soviético” no enquadramento.

“As projeções nunca foram realistas, mas se as fábricas não as cumprissem, as pessoas que as trabalhavam ou dirigiam poderiam ser rotuladas como inimigas do povo e purgadas”, explica Darra Goldstein, estudiosa da alimentação e autora do livro de receitas Beyond the North Wind, A Rússia em Receitas e Lore.

Quando a vinícola Abrau-Durso, na costa russa do Mar Negro, ficou aquém das expectativas em 1938, o jornal soviético Izobilie questionou a lealdade do diretor e sugeriu que a vinícola “fosse limpa de inimigos de classe”.

A produção de champanhe soviético priorizou a quantidade em detrimento da qualidade. O resultado foi o “Sovetskoye Shampanskoye” (Champagne Russo), um vinho espumante barato, doce em xarope, para o trabalhador soviético comum. “A qualidade não era tão alta, porque se tratava de produção em massa“, diz Goldstein. “As questões de sabor ou refinamento eram secundárias a isso“.

Era como a Coca-Cola da União Soviética. Simbolizava a boa vida soviética“. Mas atrás da Cortina de Ferro, era o único borbulhante disponível, e para aqueles que cresceram no Bloco Leste, seu sabor é indelevelmente entrelaçado com camadas de memória e nostalgia.

Foi um período muito contraditório. Havia toda essa indústria da felicidade que produzia comédias e filmes musicais edificantes. O champanhe e o chocolate faziam parte disso“. “Havia muita alegria, mas ao mesmo tempo as pessoas eram presas à noite e ficavam aterrorizadas“. O champanhe foi até colorido nas laterais da Maria Negra, que transportava prisioneiros das cidades soviéticas para os Gulags.

O paradoxo de Sovetskoye Shampanskoye destaca as contradições da vida por trás da Cortina de Ferro, onde as prateleiras estavam vazias, mas o champanhe era acessível. “Mostra que a vida em um estado totalitário era complicada. Não era tudo cinza e terrível, uma época que era cheia de terror“.

Monumento a L.S. Golitsyn (Príncipe Golistsyn, considerado o pai da vinificação russa) no território da fábrica Novy Svet (Crédito: divulgação)

Memórias dessa leviandade estão alimentando a nostalgia soviética na Rússia moderna e impulsionando a demanda pelo “Sovetskoye Shampanskoye”, hoje produzido por empresas privadas, e outros gostos da época, que podem até ser apreciados em restaurantes que evocam as cantinas comunistas.


Por Werner Schumacher, na Santa Lúcia do Vale dos Vinhedos, aos 20 dias do mês de outubro de 2020


*Werner Schumacher estudou Economia na PUC/RS e é um dos responsáveis pela profissionalização da vitivinicultura no Brasil.


 

 

 


Fontes:

https://www.atlasobscura.com/articles/champagne-in-soviet-union

https://histrf.ru/biblioteka/b/kratkii-kurs-istorii-otiets-russkogho-vinodieliia

https://www.russiawayin.com/blog/brief-history-champagne-and-its-traditions-russia

https://vinepair.com/articles/stalin-soviet-champagne/

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