por Marcos Sokabe*
“Esta volta pelas comunidades não se trata de mero turismo, mas uma experiência de transformação. Espero que depois de hoje voltem para casa, transformados.” – disse Dayro Kabala, cria da comunidade periférica de Medellín que assumira o papel de interlocutor nas subidas pela Independencia 13.
Desta forma nada convencional – frente às comuns tratativas turísticas que os centros das megalópoles estabelecem para os estrangeiros – o guia anunciou como seria o tour morro acima em mais um destino turístico de Medellín, na Colômbia. Entretanto, não se tratava de um guia; entretanto, a palavra tour, de origem francesa, que na raiz semântica significa “volta, circuito, volta ao redor” e deriva do latim vulgar “tourner”, “fazer a volta, girar em torno”, como um fragmento de verbo, portanto mecânico, que faz rodar a engrenagem do intercâmbio comercial entre culturas, não é o termo apropriado para descrever a experiência sensorial que é subir as ladeiras de La comuna Independencia 13; entretanto, da mesma forma, destino turístico talvez seja a locução nominal mais reducionista possível para definir o trajeto que nenhum adjetivo hermético é capaz de transcrever.
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Cultura hip hop – Kabala, rapper, pixador, alimento e produto descapitalizado da cultura hip hop colombiana e seus vários braços de Ganesh, escolhera a palavra certa para intermediar o olhar dos jornalistas brasileiros presentes em relação à periferia de Medellín: “transformação”. Um dos idealizadores da crew Casa Kolacho – projeto social que busca resgatar jovens do narcotráfico através da cultura hip hop colombiana – Dayro Kabala guiou o grupo numa manhã fresca pelo lado oriental da Colômbia, e, distintamente da postura alegre e extrovertida que os guias comerciais são treinados para emanar, não preocupara-se em projetar qualquer espécie de simpatia forçada, mantendo sua verdade ideológica como radiação pura para que fosse possível entendermos os sentimentos de resistência e manifestação artística grafados em cada esquina, beco e viela estreita da comunidade. Certo, pois como na química, as junções dão-se prioritariamente pela afinidade das substâncias; a alma em soma da história de violência e superação que as comunidades pobres de Medellín passam e passaram, resulta na empatia e olhar humanizado.
Rica região – Cada grafite discorrido nos muros longos e baixos feitos serpentes de concreto, conserva a luta de décadas que a população empobrecida enfrentara devido aos constantes ataques militarizados promovidos pelo governo no fim dos anos de 1990 até o começo dos 2000. Genocídio negro, opressão estereotipada, violência contra a mulher e o trancafiamento dos populares, impedidos de transitar pelas ruas em que nasceram.
“Acontece que a região da Comuna 13 comporta uma das únicas e mais valiosas regiões de Medellín, e, devido ao acesso necessariamente passar pela Independência, logo, funcionou como uma rota do tráfico de drogas e armas. O governo, percebendo a quantidade de dinheiro que circulava aqui, passou a fazer intervenções militares com muita violência e ódio, claro, para administrar essa economia informal. Não podíamos sair de casa porque havia helicópteros prontos para atirar em qualquer um, independentemente se fazia parte do tráfico ou não.” – explica Kabala.
Periferia colombiana – “Num dia, durante uma operação que matou um garoto daqui, sua mãe saiu pelas ruas com uma bandeira branca, pedindo desesperadamente por paz. Imediatamente os moradores repetiram o ato. Aprendemos a ter senso de comunidade, ouvir e entender os vizinhos. E dessa forma, passamos a lutar pelo lugar onde vivemos e pelas nossas pessoas”. – conta Kabala.
Por toda a parte, o que mais se vê são mensagens sobre a união da periferia colombiana através dos termos “amor” e “desarmamento”, facilmente entendida por quem tem noção de que as desigualdades sociais violentam toda a América Latina.
Os grafites multicoloridos, um a um, tem seu significado particular:
Atualmente, após muitos anos de resistência popular, crianças conseguem brincar livremente sem a preocupação dos pais de que não mais retornem para casa. Pequenos comércios foram abertos, movimentando a economia de La Comuna 13 de uma forma completamente nova; fachadas e placas que conservam a simplicidade e a boa recepção para com os estrangeiros.
Jovens locais
“Hoje, temos possibilidades. Grafiteiros, musicistas, artistas plásticos. Pessoas bem sucedidas que saíram daqui. Garotos e garotas que descobriam que podem sonhar.” – continua o rapper e ativista colombiano.
Enquanto Kabala subia as íngremes ladeiras da comuna 13, moradores locais cumprimentavam-no. As mais diferentes pessoas e jovens que agora podem mitigar suas existências através de manifestações artísticas. Artistas plásticos, músicos, dançarinos, escritores. Também podem finalmente ocupar o espaço público, já que um centro de desporto fora construído para que as crianças joguem futebol e afins com a garantia plena de que não serão perturbados pela assassínio policial.
Só o amor
Sem dúvida, não se trata de um mero passeio em que selfies traduzem-no. É a oferta de uma mudança de olhar, de uma quebra de preconceitos sobre a comunidade, de uma transformação genuína causada pelo amor e permanência dos moradores. Um privilégio que eles ainda aceitem e aguardem a nossa participação na luta conjunta, sempre abertos e dispostos a receberem estrangeiros, motivados pelo sangue rubro desta latino-américa tão rica em cultura marginal. Certamente, Las Comunas compõem a verdadeira Medellín.
Kabala encerra já nos finalmentes da experiência guiada através do coração da Comuna 13, todavia, sabendo que é apenas o começo de vida para o povo periférico colombiano:
“Pratiquem o amor, apenas ele salva.”
*Marcos Sokabe, repórter freelancer do DIÁRIO viajou a convite do Conventions Bureau de Medellin, com seguro GTA