O meu nariz não segue guias ou heróis – por Werner Schumacher*

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ARTIGO EXCLUSIVO PARA O DIÁRIO DO ENOTURISMO


O meu nariz não vale um milhão de dólares, como um dos heróis da degustação de vinhos no mundo, mas nem preciso. Também, não segue nenhum guia, principalmente, quando é uma só pessoa que emite suas opiniões, apenas revela o gosto dele, não o meu, o teu ou de quem quer que seja.

O nariz é pessoal e, portanto, tudo o que ele percebe é subjetivo.

O último Guia Descorchados 2021, de Patrício Tapias, elogia os espumantes brasileiros, mas detona os vinhos tranquilos. Não há muitas informações, mas pelo que li no relatório e o que encontrei no site do guia, mais ou menos entendi o seguinte:

Ele visita as vinícolas, entrevista os enólogos e faz uma degustação conjuntamente com cada representante das vinícolas, depois degusta às cegas cada amostra que recebeu. Se cobra pelas amostras enviadas, não sei. Viajar em tempos de pandemia, sei lá.

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Pra esse guia ele diz ter degustado quase 400 amostras, das quais selecionou 46 amostras, creio que representam 90 ou mais pontos. Se a degustação é feita por ele ou por um grupo, também não sei.

É mais rigoroso que a OIV, pois esta permite uma escolha de 30% das amostras COMO REPRESENTATIVAS DO TODO, para Tapias não passa de 10%, bota exigência nisso.

Menos mal que ele mesmo alerta no site: “Lo que van a encontrar aquí es la opinión de una persona, con todo lo subjetivo que eso implica. No es la verdad, solo una visión.

O Rio Grande do Sul ainda representa em torno de 90% da produção brasileira, portanto, o guia não representa a vitivinicultura brasileira. Pelo que constatei, poucas foram as vinícolas que participaram, entre essas 46 amostras selecionadas, não há mais que 20 empresas.

Ele fala que o clima é o grande inimigo do vinho brasileiro, que chove 1.600 mm por ano e que o mês mais seco, agosto, chove 110 mm e que isso comparado à Mendoza, na Argentina, provocaria um dilúvio lá. Esquece que estamos passando por uma mudança climática e que estamos tendo melhores condições.

Por outro lado, diz que a temperatura no verão aqui não supera a 26ºC. Recomendo que ele venha participar de uma colheita manual aqui na época da vindima.

É impossível comparar regiões, no Chile, Argentina e Uruguai, não há viticultura de montanha, há sim viticultura de altitude, em planaltos. Dito, aliás, pelo chileno Alejandro Hernandez, quando presidente da OIV.

No Chile e na Argentina, pratica-se a colheita mecânica, com máquinas dotadas de cabines com ar condicionado e à noite, quando as uvas estão mais frescas.

Entre os vinhos tintos, ele escolheu o Clarete Era dos Ventos, do meu querido amigo Luis Zanini. De verdade um belo vinho, no entanto, está mais para um rosé que para tinto, o que não significa desprestigiar o produto.

Aliás, parece que ele não degusta rosé, pois só fala em brancos e tintos.

Diz ainda que os vinhos tranquilos carecem de aromas e tipicidade varietal.

A graça, creio, está nisso, pois aromas são percepções que não podem ser verbalizadas, mesmo entre especialistas, como diz um estudo Holandês recente. Cada região tem a sua tipicidade e não pode ser comparada a de outros.

Particularmente, não gosto de vinhos da uva sauvignon blanc chilenos, verdadeiras bombas de maracujá.

Opina que enólogos brasileiros buscam obter tipicidade varietal através de produtos enológicos, aliás, essa era a minha área de atuação e sei muito bem que no Brasil não se pode adicionar essências nos vinhos. Aqui também não há a necessidade de se adicionar ácido tartárico para se obter uma acidez equilibrada, como se faz no Chile e Argentina, caso contrário os vinhos ficariam muito planos e sem expressividade. No Brasil não é permitido adicionar água ao mosto de uva para se obter vinhos menos alcoólicos

Reclama do teor alcoólico dos tintos, mas eu não bebo álcool, bebo vinho equilibrado. Por outro lado, o mercado vem pedindo vinhos menos alcoólicos e até mesmo os vinhos sem álcool estão em grande alta.

Que eu saiba, só a Ventisquero no Chile está colhendo a uva mais cedo para elaborar vinhos menos alcoólicos, como o seu vinho Obliqua, lançado esse ano, as demais, o que fazem?

Uma vinícola chilena lançou vinho com uvas colhidas 30 dias antes da total maturação, justo para produzir um vinho mais equilibrado e menos alcoólicos, o mercado está cansando das bombas alcoólicas.

Por fim, um especialista que dá mais de 90 pontos para um vinho de uva no país, extremamente produtiva, sem grandes aptidões enológicas, faz crer que as suas opiniões não devem ser valorizadas.

A esse respeito cabe dizer que na Europa estão investindo fortemente em uvas autóctones de menor produtividade e que dão vinhos menos alcoólicos. A uva  Tannat poderá ser reconvertida com o tempo por produzir nas atuais condições climáticas, vinhos muito alcoólicos.

O curioso é que o Brasil até definiu vinhos mais alcoólicos como vinhos NOBRES aqueles com mais de 14º graus alcoólicos, sem chaptalização (adição de açúcar ao suco da uva para aumentar o teor alcoólico).

Há um mês tive a oportunidade de prover um vinho Alvarinho com 14,9% de álcool, elaborado com uvas aqui da serra.

Tintos de guarda

Creio que o Brasil deveria investir mais em tintos de guarda, mas aqui ergue-se uma questão financeira: tudo no Brasil, como barrica, por exemplo, custa o dobro que na Chile e Argentina, o que realmente limita muito essa possibilidade. O nosso potencial de guarda é muito maior que argentinos e chilenos, pois há acidez e taninos que precisam de tempo para amadurecer.

A vitivinicultura brasileira é a mais recente do Cone Sul, portanto, está evoluindo dentro das possibilidades, o que me leva a sugerir ao autor do Guia que revise os seus conceitos e entenda que a loja virtual Vino está fazendo uma promoção com 70% de desconto, justo a carga tributária que está embutida no preço de cada vinho vendido aqui.

Quanto seria essa na Argentina e no Chile?

Particularmente prefiro a prova de vinhos do Brasil organizada por Marcelo Copello, bem mais representativa, cujo grupo participante, não apenas um, é muito mais abrangente e representativa.

Fosse eu produtor de vinhos, trataria de dar uns bons Tapias nesse tal de Patricio e o tornaria persona não grata. Um belo discípulo de Robert Parker, o cara do nariz de 1 milhão de dólares, que influenciou o mundo a produzir bombas de álcool e fruta, até alguns de Bordeaux caíram nessa tentação.


*Werner Schumacher, é o alemão brasileiro que na década de 80 e 90 do século passado trouxe os insumos da Europa para o início da vinicultura no Rio Grande do Sul, e portanto, no Brasil.

Sem meias palavras, Werner durante o último ano escreveu sobre inúmeros assuntos do universo do vinho. Defendeu a viticultura heroica de montanha, ficou do lado dos pequenos produtores de uva e vinho do Rio Grande do Sul, enalteceu a importância do enólogo em uma propriedade que produz vinho. Além de tudo isso, e com muita classe, critica os marqueteiros que tentam desmistificar o mundo do vinho com seus produtos padronizados e sem caráter.

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