O MSC Preziosa e seu lá maior, ao se despedir de Santos – por Paulo Atzingen*

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O MSC Preziosa faz de cada saída de Santos uma nova emoção. Gente acena do navio, gente acena da terra, um momento belo, glorioso, como deveriam ser todas as despedidas, mesmo que elas não fossem para sempre.

Láááááááááááááááááááááááá…


Pontualmente,  às 17 horas daquela tarde de 30 de janeiro saímos pelo estuário de Santos em direção à baia e a Bahia. Só me dei conta de que o navio cortou o cordão umbilical do porto quando ele solta seu ronco supersônico.

Estávamos incorporados a essa obra arquitetônica de ferro fundido em movimento, que flutua, que navega e que rasga o canal em duas partes. De um lado, ficam os barcos pequenos, cascos frágeis em madeira que diminuem a marcha e desligam seus motores para o grande transatlântico passar. Do outro, os barcos que atravessam acelerados e que não querem ser despedaçados pela quilha de 10 metros de altura com sua violência de quebra-mar ou pelas hélices descomunais que sugam tudo para o fundo.

 

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MSC Preziosa
Só me dei conta de que o navio cortou o cordão umbilical do porto quando ele solta seu ronco supersônico (Crédito: Daniel Lledó – DT)

A muralha de prédios da ponta da praia faz o primeiro plano da outra muralha, a serra do mar, que se ergue mais atrás, na tarde acinzentada.

Láááááááááááááááááááááááá…

Ele apita pela segunda vez e o sinal agora é como se fosse para as pessoas que estão em terra e, sim, essas acenam. É um símbolo de despedida, de adeus. Há uma sensação de vitória, de alegria, tanto de quem acena como de quem recebe a mensagem de adeus. A resposta é um ato de sintonia, um acordo universal entre as pessoas, os humanos. Uns vão, outros ficam, mas elas se conectam com esse ato de solidariedade.  Adeus!

O navio apita pela terceira vez. É um manifesto de despedida…É o ritual que todos os grandes transatlânticos fazem quando entram ou saem dos portos, mas esse é diferente (Crédito: Daniel Lledó – DT)

Láááááááááááááááááááááááá…

O MSC Preziosa apita pela terceira vez. É um manifesto de despedida…É o ritual que todos os grandes transatlânticos fazem quando entram ou saem dos portos, mas esse é diferente. Estou dentro dele e seu som reverbera entre as placas de ferro que moldam o colosso dos marés e ricocheteia pelos 16 decks. A onda de som quica na varanda de um prédio do Embaré, se espraia no Gonzaga, bate na Ilha Porchat e volta para o navio em três segundos e meio.

É uma sequência de longos apitos que faz jus a força, o tamanho e o poder da nave que não pede passagem. Ordena a si mesma o caminho, impõe seu trajeto e aponta para o horizonte.

Sim, é lá que o navio MSC Preziosa irá: Salvador, Bahia. Esse lá (maior ou menor?) atinge sua força máxima na entrada da estrada de sal que vai ser percorrida nas próximas horas e dias. Esse lá empresta a quem está a bordo essa projeção para o que está além, para o que virá.

Láááááááááááááááááááááááááááááááááááááááááááááááá….

OUÇA:

Os apitos, mais longos – talvez 15, 20, 30 segundos – são de uma gravidade sonora e musical que parecem saídos de um dos tubos de alguma composição de Sebastian Bach.

O navio embica para o norte e segue sua avenida de sal. Santos e toda sua muralha de prédios e de serras se dissolvem no horizonte e também se transformam em lá, um lá menor.


*Paulo Atzingen é cronista e jornalista

*O jornalista consultou dois especialistas em música para ‘cravar’ o ‘lá maior’: A professora de música, Gláucia Machado e o músico, Daniel Mitraud.


Artigo publicado originalmente dia 22 de fevereiro de 2023

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