O que é um vinhateiro? – por Werner Schumacher*

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O que é um vinhateiro? É a tradução portuguesa do termo Vigneron.
É aquele que cultiva a sua uva e produz o próprio vinho, além de comercializar a sua produção diretamente ao consumidor. Há ainda algumas obrigações como respeitar o seu “terroir”, engarrafar na sua propriedade, entre outras peculiaridades.
Os Vigneron foram importantes personagens da história do vinho no mundo já que geraram no inicio das comunidades o desenvolvimento regional. Aos poucos foram sendo sufocados em prol de um desenvolvimento industrial.
Os Vinhateiros deste país tiveram suas atividades restringidas desde o início do Século passado. Aquela velha história: “melhor matar quando pequeno, antes que cresça”. Um desses vinhateiros contou que ele produzia quatro pipas de vinho por ano no porão da sua casa e vendia para uma grande empresa da época.
As amostras dos vinhos eram coletadas e levadas para análise no laboratório de tal empresa que, invariavelmente, voltavam com o resultado de que a metade dos vinhos estavam bons e a outra metade ruins, então a empresa pagava o preço correspondente ao que ia para vinho e a outra pra vinagre.
Esta é a verdadeira razão de terem adicionado vinho na argamassa para concluir a capela das neves
Estes Vinhateiros foram deixando de produzir seus vinhos e passaram apenas a entregar a uva para as empresas. Isto fez surgir o movimento cooperativista nesta região, mas as pequenas vinícolas estavam fadadas a desaparecer. Como dizia um grande mestre, “meia dúzia de dois ou três sobreviveram”.
O renascimento dessas pequenas vinícolas sempre esbarravam na BURROCRACIA nacional
Renascimento
Nessas últimas duas ou três décadas, surgiu um movimento de renascimento dessas pequenas vinícolas, mas sempre esbarravam na BURROCRACIA nacional.
Dá para se afirmar que 99,9% das vinícolas existentes hoje, nasceram no porão de uma casa, normalmente de pedra já que a lei exige que uma vinícola não pode estar embaixo de um piso de madeira; creio que isto se atribui ao fato de que o vinho requer silêncio, então pessoas caminhando no piso de madeira perturbaria o repouso do vinho.
A casa onde morei aqui na Santa Lucia foi adaptada para ser uma vinícola, o proprietário teve que subir o piso para o pé direito necessário e o fez de concreto armado e lajotas de barro, mas se ele fosse engarrafar o vinho no porão teria que revestir a parede de pedra com azulejos,. Então destinou uma sala, com 25 m² (exigência da lei) para o engarrafamento e assim conseguiu manter o centenário porão de pedras protegido.
Ainda temos a questão dos resíduos, das adequações às boas práticas de fabricação e um cabedal de coisas, exigências e protocolos e  equiparam uma produção de 10 mil litros por ano às exigências de uma de 1 milhão de litros, enfim, continuaram sufocando o pequeno.
Certa feita, em visita à  villa de Barolo, na Itália, vi que praticamente cada casa produzia o seu vinho. Muitos desses produtores com vinhedos pequenos podiam produzir seus vinhos e comercializá-los no local.
O engraçado é que em todo mundo isto é possível, na Áustria é lei desde 1700, antes mesmo dos italianos imigrarem para o Brasil e também vinícolas são erguidas com toda a espécie de materiais, madeira, zinco e, inclusive, com pedras dentro de gaiolas de ferro, para evitar deslizamentos nas estradas.
Vale do Rio das Antas, na região de Bento Gonçalves (RS)
Cantina Colonial
Felizmente, após muito tempo, conseguiram aprovar a tal da CANTINA COLONIAL, não sei quantas há no Brasil, inúmeras com certeza. Só na região de Francisco Beltrão-PR, mais de 1 milhão de litros eram produzidos desta forma em 2010-12. Mas tinha uma particularidade, o produtor até 8 mil litros em média conseguia vender tudo no porão da sua propriedade, caso quisesse crescer um pouco e construísse uma pequena vinícola ao lado da casa para produzir 20 mil litros, por exemplo, se ferrava, pois o consumidor entendia que ele havia virado indústria.
Como vocês podem ver, o consumidor manda no mercado, de vinhos ditos coloniais pelo menos, mas a nossa lei contemplou o volume de 20 mil litros. Seria bom saber quantas dessas vinícolas familiares estão registradas hoje e dentro das exigências da lei, alguém tem este número?
Um vinhateiro contou que ele levou mais de dois anos numa construção nova, no porão da casa que ergueu, com piso de concreto, paredes azulejadas no engarrafamento, etc e etc., para conseguir ter o registro, querendo fazer o certo, neste período viveu de suas economias. Levou mais meio ano para poder tirar a nota fiscal.
Conseguiu por ser uma construção nova, pequena, mas com todas as exigências de uma vinícola grande.
Infelizmente este é o nosso Brasil, um país que penaliza o empreendedorismo, pessoas que trabalham exaustivamente, que lutam para ter um melhor espaço dentro da economia.
Para finalizar, devemos olhar um pouco para o futuro e considerar que dependemos de uma viticultura heróica  de montanha, que está fadada a viver deste tipo de empreendimento, ligado ao ENOTURISMO, não pode ser tratada desta forma, MERECE MAIS RESPEITO, pois REPRESENTARÃO AMANHÃ IMPORTANTE FONTE DE RENDA REGIONAL, ALIADA A FIXAÇÃO DA POPULAÇÃO NO MEIO RURAL E VALOR AGREGADO AOS PRODUTO LOCAL.
Santa Lúcia – Vale dos Vinhedos 14.07.2020
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Werner Schumacher estudou Economia na PUC/RS e é um dos responsáveis pela profissionalização da vitivinicultura no Brasil.


 

 

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