Estou muito feliz! Hoje abro minha primeira contribuição ao DIÁRIO DO TURISMO. Para mim, uma oportunidade de poder levar as reflexões que tenho realizado sobre o turismo a mais pessoas.
Sou Helio Hintze, Psicanalista e Doutor em Ciências e autor do livro “Turismo Legitimado: espetáculos e invisibilidades” (Edições SESC, 2020). Tenho me dedicado a procurar outras leituras sobre a forma como o turismo tem sido pensado, planejado, produzido e consumido.
Entendo que existe uma massiva produção, comunicação e consumo de conhecimento sobre o turismo forjadas sobre uma aparência de neutralidade, de conhecimento puro e simples sobre aquilo que ‘é o turismo’… Mas, que é produzida a partir de interesses, via de em regra, econômicos de grandes potências de mercado.
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Então, enuncio aqui minha regra número um: desconfiar do que é comunicado e não ‘comprar’ o discurso de ninguém – sem antes submetê-lo a uma análise crítica.
Esse ‘ninguém’, de saída, pode até mesmo ser nomeado: o WTTC – Fórum Mundial de Viagens e Turismo e a OMT (Organização Mundial do Turismo), o Ministério do Turismo do Brasil, a mídia e a própria academia que se dedica a estudar o turismo. Muitos outros enunciadores, aliás, qualquer um que se proponha a falar sobre o turismo deve ser incluído nesta lista (eu, inclusive).
Então, nesta primeira contribuição, a questão que eu gostaria de propor é sobre um ponto que considero central para desenvolver todo o resto do meu trabalho: considero o turismo contemporâneo como um produtor de clichês, de formas esvaziadas (estereótipos) de fruição do tal ‘tempo livre’ das pessoas – tempo livre que é convertido – com uma assustadora quase-obrigatoriedade – em tempo de consumo. No caso do turismo é isso mesmo: “Como assim, não viajou nas férias?!?!?” – Sei que a pandemia refreou tudo isso, mas é assim que as coisas têm sido produzidas, comunicadas e consumidas – ‘fazer turismo’ é uma das obrigatoriedades do Capital na contemporaneidade, sob pena de exclusão simbólica daquele que desobedece tal ordem.
Os defensores do turismo alardeiam várias fábulas sobre os benefícios do turismo. Esses discursos nascem, como dissemos, com o WTTC e a OMT. Quero elencar os principais pontos que vou procurar analisar ao longo do tempo de minhas contribuições com este Diário.
Em primeiro lugar, a ideia de que o turismo traz/gera empregos e divisas. Esse é o discurso neoliberal por excelência a respeito do turismo. Qualquer argumento que seja usado em prol do turismo começa por aí. Esse argumento tem sido usado para justificar a necessidade de os países – no eufemismo em ‘desenvolvimento’ – abram suas portas para as rotas do turismo internacional. Lembrando que há certa coincidência entre ‘países em desenvolvimento’ e ‘paraísos turísticos’ – os quais, via de regra, usualmente, são lugares que ‘precisam’ (economicamente) do turismo.
O segundo grande discurso é que o turismo é um direito das pessoas. Nada mais equivocado ou, para ser franco, nada mais maldoso… A menor reflexão nos mostra que se trata de um engodo. Se é direito, tem que ser direito para todas as pessoas, de maneira irrestrita. Vale lembrar que, sendo o turismo uma atividade essencialmente econômica – os demais atributos (social, ambiental, psíquico, etc.) são todos contaminados pela questão econômica – dizer que todos devem ter direito a fazer turismo é querer transformar a todos em consumidores das maravilhas turísticas – um grande nicho de mercado, profundamente segmentado.
Mas, a realidade nos mostra que nem todos podem fazer turismo: não faz porque não pode; não pode porque não tem oportunidade; não tem oportunidade porque não tem tempo livre ou, por que não tem – em uma palavra – dinheiro. As condições econômicas ao longo do globo marcam os lugares no tabuleiro do turismo; mostram-nos quem tem direito de fazer turismo e quem deve agradecer as benesses que a exploração de seu lugar, sua cultura, suas gentes realizada pelo turismo global poderá trazer.
Mas, a realidade nos mostra que nem todos podem fazer turismo: não faz porque não pode; não pode porque não tem oportunidade; não tem oportunidade porque não tem tempo livre ou, por que não tem – em uma palavra – dinheiro.
Um terceiro grande discurso diz que ‘se bem planejado, o turismo é inerentemente positivo para as localidades às quais são, por ele, encampadas. Outra falácia neoliberal, pois o turismo e seu movimento global trazem questões ecológicas intrínsecas à própria prática. A academia que estuda o turismo, o poder público e o mercado vivem alardeando os ‘impactos positivos’ do turismo e dizendo que, se bem planejado, os impactos negativos podem ser mitigados. Mas, de fato, cada impacto positivo traz consigo o gérmen de um impacto negativo, a começar pelo grande argumento de que o turismo traz dinheiro – pode trazer dinheiro, mas traz ao mesmo tempo, a dependência do dinheiro externo. Crise no polo emissor? Necessariamente crise no polo receptor, pois há uma relação de grande complexidade no cenário econômico global. E aí fica a pergunta, o que fazer se os turistas não vêm?
A proposta desta coluna é despertar o senso crítico e convidar todas as pessoas que queiram trocar ideias de forma respeitosa sobre as mais diversas formas de interpretação dos temas que eu coloquei aqui. Vamos conversar? Eu fico à sua disposição!