Recebi a visita de Adriana Zanardi e sua Elaine, que me trouxe de presente o livro Crátilo, um diálogo de Platão, um tratado sobre a linguagem mais antigo da cultura ocidental. Este livro me fez mudar o título deste post.
Nesse diálogo, Hermógenes e Crátilo debatem se a linguagem não passa de uma convenção, onde qualquer nome funciona desde que haja um acordo sobre seu uso, em contraste a uma posição naturalista, na qual cada coisa tem um nome correto, que revela a essência do nomeado.
Sócrates, refutando aspectos do naturalismo e do convencionalismo, busca uma visão mais bem determinante de como funciona a linguagem. A resposta não é conclusiva, mas é importante considerar o percurso dos fatos, que criaram tais nomeações.
Por sincronicidade, o texto de Cellina Muniz chamado ‘Dando nome aos bois’, relata que os pais de um casal de gêmeos recém-nascidos teriam nomeados os filhos de Corona e Covid. Ela cita uma cidade serrana do Espírito Santo, onde um casal queria por o nome de Alquingel (Álcool em Gel) em seu filho.
Dando nome aos bois
Enóforos – Afróforos – Chasseupied – Martinotti – Charmat – tous les mêmes choses!
Antes da criação dos métodos de produção de espumantes como hoje conhecemos e que levam os nomes acima, o único método possível era o da 2ª fermentação na garrafa, conhecido como método ‘champenoise’ ou tradicional.
Há relatos de vinhos que espumavam na antiguidade, mas o nosso caso começa na França em 1851, quando um tal de Rousseau e Brillè fermentaram um vinho em barrica reforçada com anéis de ferro, que não foram suficientes para suportar a pressão criada em seu interior. Surge daí o 1º boi ‘enóforos’.
Sete anos depois, em Reims, na região de Champagne, Edme Jules Maumené utilizou tanques de cobre prateado de 3.200 litros, surgindo, portanto, o 2º boi o ‘afróforos’, do grego ‘portador de espuma’. Com a colaboração do técnico Jaunay da Casa Mumm, pela primeira vez se utilizou um afrômetro (aerômetro) para controle da pressão.
Era um passo importante para o método moderno, mas que não colou, pois os franceses criticaram o sistema por acreditarem que o método pudesse tornar o ‘champagne’ um produto de ‘baixo custo’.
Em seguida, melhoramentos foram feitos por Chaussepied, eis o 3º boi, mas devido ao alto investimento necessário, não encontraram utilidade prática, no entanto, foi um grande avanço para a mecanização e inovação deste domínio da ciência enológica. Apenas se sabe que ele limitou o volume de produção em 3 mil litros.
Por outro lado, na Itália, Federico Martinotti, o 4º boi, foi diretor da Real Estação Enológica de Asti, onde desenvolveu um sistema completo para a produção de vinhos espumantes com a segunda fermentação em autoclave.
Martinotti denominou o seu equipamento de ‘Aparelho de Processamento Contínuo’, hoje seria APC, outra mania moderna. O sistema foi patenteado em 1895 na Itália, França e Suiça.
Somente em 1907 surge o 5º boi, o francês Eugene Charmat, desenvolveu e patenteou um sistema semelhante ao de Martinotti, no entanto, com mais sucesso, mais conhecido hoje o método pelo seu sobrenome Charmat.
Além de vivermos em um mundo em que tudo precisa ser “nomificado” (invenção minha, tipo imexível), também vivemos no mundo ‘politicamente correto’, pra não dizer corretíssimo ou chatíssimo, passou-se a se chamar no meio enológico como método Charmat-Martinotti.
Não encontrei o 6º boi que obrigatoriamente deveria ter um nome, aquele que teve a ideia de construir uma autoclave horizontal em contrapartida a grande maioria, que é vertical.
Acredito que a autoclave horizontal é melhor para a elaboração de espumantes com tempo de contato com as borras maior, conhecido como Charmat-Longo, que produz espumantes de qualidade superior, alguns enólogos chegam a afirmar que a qualidade é muito próxima ou igual aquele produzido pelo método tradicional ou ‘champenoise’
O tempo de contato do espumante com as borras é mais vantajoso nos tanques horizontais (Imagem ilustrativa) – https://diariodoturismo.com.br/em-1982-fiz-a-minha-primeira-viagem-para-a-italia/
Enfim, tous les mêmes choses
Mas tem que ter um nome e não esqueça – sempre dê nome aos bois – , mas atenção, menos pra delatar, nesse caso pode render processo, por mais besta que seja a acusação. Ops! Tô correndo risco escrevi besta.
Referências
Platão – Crátilo, ou sobre a correção dos nomes, em texto bilíngue grego-português, de Celso de Oliveira Vieira, da editora Paulus – 2020.
Cellina Muniz – https://www.saibamais.jor.br/dando-nome-aos-bois/
*Werner Schumacher, é o alemão brasileiro que na década de 80 e 90 do século passado trouxe os insumos da Europa para o início da vinicultura no Rio Grande do Sul, e portanto, no Brasil.
Sem meias palavras, Werner durante o último ano escreveu sobre inúmeros assuntos do universo do vinho. Defendeu a viticultura heroica de montanha, ficou do lado dos pequenos produtores de uva e vinho do Rio Grande do Sul, enalteceu a importância do enólogo em uma propriedade que produz vinho. Além de tudo isso, e com muita classe, critica os marqueteiros que tentam desmistificar o mundo do vinho com seus produtos padronizados e sem caráter.