Renato Atanazio, da Fundação Boticário, fala sobre medidas para minimizar grandes enchentes como a de São Paulo

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Autoridades municipais afirmam que dois fatos são responsáveis pelo caos do último dia 11 de fevereiro:  chuva excessiva em um período muito curto, (em 3 horas choveu o equivalente a 50% do mês), e a conhecida impermeabilização da cidade onde o asfalto e o cimento tomou o espaço da terra. Evidentemente existem outros fatores e fomos ouvir um especialista sobre o assunto: Renato Atanazio, coordenador de Soluções baseadas na Natureza da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, atendeu a reportagem do DIÁRIO, Acompanhe:


 

DIÁRIO: O que afinal de contas aconteceu em São Paulo? Existe uma explicação ambiental para aquele caos? 

RENATO ATANAZIO: Importante ressaltar sobre as estratégias implementadas para desenvolvimento urbano. Ao longo dos anos, priorizamos o que chamamos de infraestrutura cinza. Me refiro à engenharia convencional, como retificação, tamponamento e canalização dos rios urbanos. Retificar é refazer o curso natural do rio para facilitar o processo de ocupação. O que era naturalmente um caminho cheio de curvas e meandros torna-se um caminho reto / linear. De uma hora para outra, altera-se totalmente a dinâmica que o rio tinha, resultado de anos (ou até milhares de anos) de adaptação ao ambiente. O rio precisa destes meandros para se manter equilibrado. Precisa também da preservação das áreas laterais que servem para serem alagadas em eventos de chuvas intensas. Com a ocupação destas áreas adjacentes (são tampadas  com ruas, estradas, construções), as águas das chuvas não são absorvidas pelo solo, escorrendo 100% para a calha do rio, e com o curso linear do rio, toda essa água pega mais velocidade, gerando problemas sérios de alagamento, especialmente nas áreas mais baixas da cidade, sem infraestrutura e ocupadas pela parte da população mais pobre. Acrescento ainda nessa situação, os eventos climáticos extremos que, em resumo, chove muito mais em espaços de tempo menores e em regiões localizadas. Isso não se limita a um problema ambiental, gera problemas sociais devido ao desalojamento de pessoas e a vidas colocadas em risco, problemas de saúde, pois rios carregam substancias contaminantes de toda a cidade, entre outros. Isso tudo é custo. Para o poder público, principalmente, na remediação dos problemas, e para empresas já que pessoas são seus funcionários. Temos que investir na prevenção e para isso existem muitas soluções que, baseadas na natureza, garantem a resiliência das cidades.

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Educação ambiental nossas atitudes podem impactar a vida de outras pessoas (Crédito: Huffpost Brasil)

DIÁRIO: Até que ponto a educação ambiental pode impactar nas atitudes da população?

RENATO ATANAZIO: Educação ambiental é muito importante para o entendimento de que as nossas atitudes podem impactar a vida de outras pessoas. Isso envolve não só educação ambiental, mas também cidadania. Por exemplo, o lixo jogado na rua vai parar na rede de águas pluviais. Quando não entope as tubulações, o lixo vai direto para os rios da cidade e se acumula nas partes mais baixas e mais vulneráveis, onde costuma haver ocupação irregular. Veja que o problema é generalizado (pessoas jogam lixo, ocupam áreas de forma irregular que não tem rede de esgoto, que também vai direto para o rio). Embora haja falta de cidadania e respeito, não podemos somente responsabilizar as pessoas…

DIÁRIO: Os piscinões são suficientes?

RENATO ATANAZIO: Os piscinões são implantados nessas regiões mais baixas da cidade como uma forma paliativa de armazenar esse grande volume de água. É uma tentativa de, por meio da engenharia convencional (infraestrutura cinza) simular a função das áreas de alagamento que naturalmente os rios possuem. Resolvem pontualmente, mas certamente não podem ser vistos como única solução. Temos que investir nas Soluções baseadas na Natureza, que contemplam principalmente respeitar a estrutura natural de um rio. Conservar as áreas de alagamentos, ou seja, as margens. Essas áreas, além da sua função de contenção de cheias, também têm a utilidade com áreas de lazer para a população. A estratégia pode ser a construção de parques lineares, como os Parques Barigui, Tingui, Bacacheri, entre outros, em Curitiba (PR). Quando chove muito, o parque alaga todo, mas com a função de segurar aquela água toda e soltar lentamente rio abaixo após a chuva.

“Ainda adotamos as mesmas estratégias de tampar e canalizar rios urbanos” (Crédito: arquivo DT)

DIÁRIO: O que pode ser feito a curto  prazo pelas autoridades. Existem exemplos internacionais que podem servir de inspiração?

RENATO ATANAZIO: Além destes exemplos em Curitiba, há vários outros aqui mesmo no Brasil, mas estamos muto aquém do que necessitamos. Haja vista os eventos calamitosos nas grandes cidades em períodos das chuvas intensas. China, Coreia do Sul e Estados Unidos podem ser considerados uma referência neste quesito. Enquanto ainda adotamos as mesmas estratégias de tampar e canalizar rios urbanos, eles já se deram conta da importância de desenterrar os rios urbanos para cumprir com a sua real função de conter as cheias e garantir a drenagem das águas. Além da função ambiental, gera inúmeros outros benefícios sociais e econômicos, evitando custos de remediação e garantindo o bem-estar da população das cidades.

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