Sem uísque e sem cerveja, venezuelanos aderem ao Cocuy

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Por Werner Schumacher*

Lá se vão quase 6 anos quando passei praticamente o ano inteiro de 2015 numa Venezuela já bastante combalida: supermercados com prateleiras vazias, falta de papel higiênico, remédios e filas enormes para se comprar qualquer coisa. Treze mil médicos já haviam deixado o país, pois uma consulta custava R$ 15,00, aproveitei para fazer todas as consultas e exames que poderia fazer. Encher um tanque de 60 litros custava mais barato que fazer uma fotocópia (xerox).

Uma lástima tudo isto, pois é um povo alegre e divertido. Um país com paisagens e histórias maravilhosas que, por causa do petróleo, foi afundando no poço à medida que o ouro negro era extraído.

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Foi um dos melhores anos da minha vida, conheci muito esse país e curti as suas delícias, entre as quais o Cocuy.

O Cocuy é uma bebida típica venezuelana similar mais ao Mezcal que a Tequila, pois ambas são extraídas de um agave, respectivamente, cocui, espadin e azul

La Guitarritta

O Cocuy é uma bebida típica venezuelana similar mais ao Mezcal que a Tequila, pois ambas são extraídas de um agave, respectivamente, cocui, espadin e azul. Também pré-colombianos, ou seja, uma cultura indígena, a qual os espanhóis adicionaram a destilação.

Minha grande experiência se deu em La Guitarrita, uma localidade numa zona totalmente agreste no Estado de Lara, onde o agave Cocuy nasce espontaneamente, muito embora na época já houvesse algumas plantações, diante da ameaça de extinção da planta.

Meu anfitrião foi Cristóbal Sanches produtor da bebida, de quem fiquei muito amigo e também me dediquei a distribuir os seus produtos em Caracas, junto a uma empresa de minha filha Waleska Schumacher. Foi uma experiência incrível, se no Brasil há burocracia, na Venezuela é ao cubo. Também estava o amigo Oliver Pimentel.

Em La Guitarrita fui descobrir o sentido de alguns termos gauchescos presentes em uma das canções mais ouvidas da nossa tradição. Pelas quebradas do rio… nada mais são, no caso de lá, que caminhos forjados pela força das águas que descem das montanhas, cada vez formando um caminho diferente e esses são as estradas, cabendo ao motorista ter um senso de direção enorme. A outra foi: mel campeiro de flor de tuna… o mel da flor dessa espécie de cactos.

Depois de dar um giro por essas quebradas e conversar com alguns moradores da região, todos dedicados a essa atividade, chegamos ao sítio La Guitarrita, onde o pessoal que havia saído às 4 horas da madrugada para colher as cabeças ou pencas, como lá se chama, a fim de prepararem uma fornada, a 1ª fase do processo de produção da bebida.

Colheita de Cocuy (Wikipédia)

Para tanto é preciso fazer uma cova no chão e colocar lenha e pedras, atear fogo e quando a brasa estiver formada se jogas as cabeças sobre elas que são cobertas por um bagaço seco das fibras de cocuy, sacos e sobre isso tudo terra. Essas fibras podem ser usadas para fazer cordas

As cabeças ficam nessa espécie de forno por oito dias a fim de serem assadas e passarem por um processo de defumação, depois dos 8 dias soterradas a cova é aberta e após 1 ou 2 dias, esfriando naturalmente, elas são retiradas e levadas para a indústria.

Após esse processo inicial, o amigo Cristóbal nos recepcionou com um farto almoço, que foi regado com diversos tipos de Cocuy Balsamal, o seu produto. Uma verdadeira iguaria, um cabrito assado na mesma forma como as cabeças na fornada. Uma perfeita harmonização. Depois do almoço uma cantoria com convidados músicos de Barquisimeto, a capital do Estado de Lara e da música na Venezuela.

Cabe ressaltar que é necessário esperar 8 anos para se poder retirar a cabeça da planta, tempo parecido com a casca da cortiça do sobreiro. Não é pra amadores.

Processo de produção

No retorno a Barquisimeto o fizemos pela estrada velha, uma paisagem deslumbrante, embora o ar agreste e deserto, passando por pequenas vilas fantasmas, abandonadas em função da estrada nova, parte construída há uns 50 anos, toda em concreto e ainda sem reparos, parte por uma empreiteira brasileira, já um tanto quanto esburacada.

No dia seguinte fomos então acompanhar o processo de produção da bebida. As cabeças são fatiadas em pedaços menores e colocadas em um tanque com água onde forma um mosto, este então é fermentado e transformado em um “vinho” de Cocuy, derivando aqui um 1º produto derivado do agave.

No dia seguinte fomos então acompanhar o processo de produção da bebida (Arquivo pessoal)

A partir desse “vinho” é realizada a destilação, da qual deriva diversos tipos da bebida, entre os quais destacamos:

Clarito Portachuelo – É o Cocuy mais popular, é feito através da mistura, exclusivamente na fermentação de 30% de açúcares provenientes do agave e 70% de outros açúcares, normalmente de cana ou do seu melaço. A graduação alcoólica varia de 48 a 56ºGL.

CLÁSICO – Este licor de Cocuy é elaborado com 50% de açúcares provenientes do agave natural e os outros 50% restante pode ser de açúcares provenientes do melaço ou de açúcar refinado, também exclusivamente no processo de fermentação. Não é permitida a mistura de aguardentes de agave ou de cana. Para muitos é ainda um Cocuy Clarito padrão. Três são as graduações alcoólicas: 35, 46 e 56ºGL.

PREMIUM MACERADO – É Elaborado como A base do Cocuy Clásico com a adição de cabeças cozidas e defumadas, deixando-as macerar por três meses até se obter seu sabor característico Doce-Fefumado. É u licor ámbar, coloração obtida das cabeças, sem a adição de corante artificial. Esse Cocuy é excelente como digestivo após as refeições, também muito usado em coquetéis de suave graduação alcoólica. El Macerado BALSAMAL viene en dos versiones: DOBLE MACERADO que tiene pedazos de penca dentro de la botella. MACERADO SECO que se presenta filtrado y sin los trozos de pencas dentro.

PREMIUM REPOSADO – É um Cocuy com 75% de açúcares do agave e 25% de açúcar de cana. Permanece mais de 6 meses em barricas de Carvalho, destacando-se sabores defumados e a madeira.

PREMIUM AÑEJO – É um Cocuy misto envelhecido em barricas de Carvalho por mais de 2 anos. Bom sabor da madeira e a cabeça forneado. Graduação alcoólica 40ºGL.

PREMIUM 100% AGAVE – É um Cocuy clarito cuja materia prima é tão somente de açúcares de Agave. É o mais natural e orgânico. A graduação alcoólica é de 46 e 56ºGL. Destacam-se os sabores defumados da própria cabeça do agave que ressaltam o paladar sem o tornar picante.

Foi um dos melhores anos da minha vida, conheci muito esse país, fiz amizades e curti as suas delícias, entre as quais o Cocuy

Bebida clandestina

Por incrível que possa parecer, o Cocuy é ainda uma bebida clandestina na Venezuela, pois há muito poucos produtores industriais, alguns legalizados e outros não, mas o grande volume produzido é por artesões cujo volume máximo permitido é de 20 litros anuais. Para a indústria é de 20 mil litros.

As demais indústrias de destilados, principalmente a do Rum, conseguiu complicar a vida dos produtores. Até mesmo Hugo Chaves tentou mudar isso, queria exportar Cocuy para a Rússia, por ser essa bebida mais saudável que a vodka, mas não deu em nada. Até hoje segue clandestina, disse-me hoje Oliver Pimentel.

Quando se olha o volume vendido de Tequila no mundo, o crescente aumento na venda de Mezcal, conclui-se apenas que os bolivarianos querem manter o país quebrado.


Vale dos Vinhedos 02.02.2020

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