Ser pet friendly de verdade é ser friendly com todos os pets

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Como vivemos no país da desigualdade, mesmo tendo um dos maiores mercados pet do mundo, também temos um dos maiores índices de animais abandonados

Por Sharlene Irente*

Em todo país, infelizmente, é comum vermos um grande número de animais nas ruas. Dados da Organização Mundial da Saúde apontam que, no Brasil, existem cerca de 30 milhões de animais abandonados, sendo 10 milhões de gatos, e 20 milhões de cachorros.

Agora você deve estar me perguntando: “mas o que isso tem a ver com turismo?”. A resposta é simples: tudo!

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Vamos refletir juntos. Um ambiente seguro, limpo e sem elementos que nos entristecem é fundamental para uma viagem agradável, certo?

Animais em situação de rua afetam o turismo porque oferecem riscos a segurança e a saúde pública, à fauna local e ao meio ambiente. Além do mal estar que causa na população local e nos turistas, que se sensibilizam com o sofrimento destes animais.

Animais em situação de rua afetam o turismo porque oferecem riscos a segurança e a saúde pública, à fauna local e ao meio ambiente.

Eu fico sempre muito triste de ver animais nas ruas e certamente isso impacta na minha percepção sobre os destinos. E já ouvi relatos como este de outros turistas pelo menos uma dezena de vezes.

O termo pet friendly está cada vez mais em alta. A expressão em inglês significa amigo dos animais, ou amigos dos pets, como são conhecidos os animais domésticos. Utilizado principalmente no segmento de turismo, a expressão é utilizada para identificar estabelecimentos que aceitam a presença de animais.

Parou para pensar?

Com o crescimento da demanda, é crescente também a oferta de estabelecimentos que se denominam pet friendly, e cidades inteiras criam projetos para receber os viajantes de quatro patas. Mas já parou para pensar que para ser pet friendly mesmo é preciso ser “friendly” não só com pets turistas, mas também (e principalmente) com os pets locais?

Uma cidade com animais nas ruas pode ser uma barreira para o turismo pet friendly, pois esta realidade impacta os turistas, e mais ainda os turistas que viajam com animais.

Ao mesmo tempo em que os hotéis pedem comprovantes de saúde e vacinação dos pets viajantes, não é possível controlar a saúde, vacinação e comportamento dos animais que circulam pela região?

Doenças endêmicas nas regiões pode ser um fator decisivo para um viajante decidir um destino, e isso inclui também os seus pets. Regiões com grande número de casos de leishmaniose, dirofilariose ou raiva, certamente me fariam escolher outro destino.

Eu já passei por diversas situações em que tive que afastar meus cachorros de cães de rua que estavam demonstrando agressividade. Mesmo morrendo de dó e com vontade de fazer um carinho, precisei me afastar para que meus cães não fossem atacados. Infelizmente este cenário é bem comum, e sempre me deixa muito mal.

Mesmo morrendo de dó e com vontade de fazer um carinho, precisei me afastar para que meus cães não fossem atacados (Crédito: Sharlene Irente)

Nas ruas

Os animais que vemos pelas ruas na maioria das vezes são animais que possuem tutores, mas que têm livre acesso às ruas – são os chamados semidomiciliados. Também existem os animais comunitários, que vivem livres e são de alguma forma cuidados pela comunidade. Porém, apesar de receber alimento, eles normalmente não recebem todos os cuidados necessários à sua saúde e bem-estar.

Infelizmente é muito comum os animais serem criados desta forma, especialmente em cidades pequenas e áreas rurais. Ainda que a cultura de algumas regiões considere “normal” criar animais desta forma, isso não é adequado. Também vemos pelas ruas animais que foram abandonados, que se perderam ou que nasceram já nas ruas. Todos eles estão sujeitos a sofrimentos, causam impactos e oferecem riscos a comunidade

Animais domésticos que vivem nas ruas causam impactos ambientais como a predação de espécies nativas e contaminação ambiental, além de fatores sociais, como acidentes de trânsito, mordeduras, brigas com outros animais e um grande desconforto da população e dos turistas. Soma-se ainda o risco de transmissão de zoonoses, como a leishmaniose, a febre amarela e a raiva.

Por todos estes fatores fica claro que a incidência de animais nas ruas afeta o turismo, certo? E afeta ainda mais o turismo pet friendly.

O turista que vai viajar com seu animal de estimação costuma ter uma sensibilidade ainda maior ao sofrimento de outros animais. Ao andar com seu cachorro na rua ele sempre fareja outros pets, o que te faz ter uma maior percepção do problema.

Abrigos e canis não são a solução. Apesar de necessários e importantes, pois existem para proteger os animais em situação de vulnerabilidade, eles são apenas uma medida paliativa. Além de não agir na causa do problema, estudos mostram que mais abrigos, a longo prazo, geram mais abandonos.

A solução é complexa e são necessários esforços do poder público, de empresas privadas e do terceiro setor para que algo tão enraizado se transforme. Leis, programas de manejo populacional, e principalmente ações educativas, são necessárias.

Cachorros e gatos não são animais silvestres e não devem viver livres. Eles precisam de um lar, de cuidados e de muito amor.

Domesticação

O processo de domesticação dos cães começou há pelo menos 14 mil anos, e acompanha a própria evolução da espécie humana. Talvez seus ancestrais lobos vivessem melhor em vida livre, mas para o cachorro moderno isso definitivamente não é uma realidade.

A maioria das famílias brasileiras possuem pets. Eles já ultrapassam o número de crianças e são cada vez mais amados e considerados como parte da família.

A maioria das famílias brasileiras possuem pets. Eles já ultrapassam o número de crianças e são cada vez mais amados e considerados como parte da família. Este cenário, que cresce a cada dia, justifica o crescimento do mercado de turismo pet friendly, cada dia mais forte no Brasil. Mas como vivemos no país da desigualdade, mesmo tendo um dos maiores mercados pet do mundo, também temos um dos maiores índices de animais abandonados.

Pesquisas globais demonstram que os consumidores e turistas estão cada vez mais conscientes e optando por empresas socialmente e ambientalmente responsáveis, o que pode ser uma grande oportunidade para empresas fazerem o bem e ainda e ficarem bem na foto. Ações que apoiem a causa animal e projetos que promovam o bem-estar dos animais locais, certamente enfatizam o selo de pet friendly.

Para se tornar pet friendly de verdade é preciso ter uma preocupação real com os pets, e não apenas receber o turista acompanhado do seu doguinho cheiroso, saudável e vacinado. Concordam?

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