Marcelo Soares Vianna: “diante do risco de quebra, é melhor a recuperação judicial”

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Com a crise econômica extinguindo empregos, fechando empresas e colocando em risco o não cumprimento de contratos junto aos clientes e funcionários, o DIÁRIO foi ouvir especialistas em direito societário, recuperação judicial e extra-judicial e resolução de conflitos. Marcelo Soares Vianna, que encabeça a equipe do escritório de advogados Viana & Oliveira Franco, é especializado no atendimento a empresas de pequeno e médio porte no ramo de turismo, em especial agências e operadoras de viagens, concedeu esta entrevista do DT.

Marcelo é advogado formado pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), pós-graduado em Direito da Economia e da Empresa pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), mestre em direito civil e processual civil pela Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS), e Mestre (LL.M) em Law & Business pela Vanderbilt University Law School, Nashville, TN, USA. A entrevista foi concedida ao editor do DT, jornalista Paulo Atzingen, via e-mail. Acompanhe:

DIÁRIO – Como o senhor analisa a presente situação de empresas do turismo que passam por dificuldades para honrar seus contratos e compromissos com seus clientes?

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MARCELO SOARES VIANNA – O setor do turismo, assim como todos os demais setores, sente os efeitos da atual crise econômica no Brasil, sendo que, para aqueles que trabalham com turismo internacional, o cenário torna-se ainda mais problemático diante da alta do dólar, pois além de os clientes estarem com menor poder aquisitivo, os serviços no exterior ficaram mais caros. E a variação cambial também atrapalha sobremaneira as vendas parceladas, quando há garantia de um preço fixo em reais ao cliente com o risco de alta da moeda americana no futuro, isto somado à redução de capital de giro é uma das grandes dificuldades enfrentadas por operadoras e agências de turismo atualmente.

Contudo, temos percebido que aquelas empresas que modernizaram sua operação, rompendo antigos paradigmas de gestão do setor do turismo, estão enfrentando a crise com maior desenvoltura e criatividade e, portanto, devem sobreviver aos desafios da atual conjuntura econômica sem grandes sequelas. Talvez inclusive façam de tudo isso um grande aprendizado e saiam ainda mais fortalecidas e eficientes ao final deste período turbulento.    

DIÁRIO – Em matéria recente do jornal Brasil Econômico, uma pesquisa aponta que apenas 7% de empresas que entram em Recuperação Judicial, conseguem realmente se recuperar. Dentre as empresas de turismo (agências, operadoras, companhias aéreas etc) isso também acontece? Qual é o índice?

MARCELO SOARES VIANNA – Não temos conosco este índice, até porque a maioria das empresas do ramo do turismo estão despertando para a possibilidade de pedir recuperação judicial mais recentemente, o que não permite ao nosso ver informar um percentual consistente a respeito do tema.

Contudo, com relação ao baixo índice de êxito alcançado envolvendo empresas em geral, o que ocorre muitas vezes é que se busca a recuperação judicial quando a situação está completamente inviável, o que por óbvio reduz drasticamente as chances de sucesso. É importante ter em mente que a recuperação judicial se destina a empresas com dificuldades financeiras, na maioria das vezes por má gestão, mas cujo negócio em si seja viável, com potencial de lucratividade futura. Salvar um “paciente” com uma “doença” grave é bem diferente de salvá-lo de uma “enfermidade” incurável, ou quando já alcançou um “estágio terminal”.

Há três semanas, encerramos a recuperação judicial de um de nossos clientes, uma operadora de turismo, com pleno sucesso, respeitando em todos os seus termos o plano homologado judicialmente, e posso afirmar que, grande parte deste êxito, deveu-se ao fato de o pedido ter sido apresentado oportunamente, quando a empresa, embora com seríssimas dificuldades econômico-financeiras, tinha ainda uma operação viável passível de ser recuperada. Portanto, a agilidade na tomada de decisão por parte dos sócios pode fazer toda a diferença na efetiva recuperação da empresa.

Vianna: "A recuperação é um direito legítimo, previsto em lei, cujo objetivo genuíno é recuperar a empresa e, sobretudo, garantir sua função na sociedade" (Foto: divulgação)
Vianna: “A recuperação é um direito legítimo, previsto em lei, cujo objetivo genuíno é recuperar a empresa e, sobretudo, garantir sua função na sociedade” (Foto: divulgação)

DIÁRIO – Esse período de “Recuperação Judicial” não é uma manobra de empresas que tentam ganhar tempo, prejudicando assim os fornecedores e passageiros?                          

MARCELO SOARES VIANNA – A recuperação é um direito legítimo, previsto em lei, cujo objetivo genuíno é recuperar a empresa e, sobretudo, garantir sua função na sociedade, o que vem em benefício de todos os seus credores, sejam eles clientes, empregados, fornecedores, parceiros comerciais, etc.

Claro que seria mais benéfico para todos, principalmente para a própria empresa, se esta estivesse com boa saúde financeira e não precisasse pedir recuperação judicial. Contudo, diante do risco de quebra, muito melhor para o mercado que a empresa entre em recuperação judicial e efetivamente se recupere do que peça falência, ou simplesmente desapareça como muitas o fazem, deixando todos os seus credores (clientes, funcionários, fornecedores, etc.) sem nada a receber.

A recuperação judicial, quando requerida de forma legítima, adequada e, repita-se, no tempo certo, é sem dúvida o melhor caminho para todos, mesmo que isto acarrete sacrifícios e perdas parciais. Podemos atestar, por experiência própria, a grande satisfação de ver um cliente, ao final de 3 anos de sacrifícios e abdicações, recuperar seu negócio, com a manutenção de grande parte de seus funcionários, clientes e parceiros comerciais. E isto tudo em plena a crise da economia brasileira… Certamente este foi um melhor desfecho que simplesmente “atirar a toalha” e deixar a empresa quebrar.

Sabemos que a recuperação judicial, até por ser um instituto relativamente novo no Brasil (a Lei brasileira recém completou 10 anos), ainda requer inúmeros ajustes e aperfeiçoamentos, mas, ao nosso ver, é atualmente a opção mais benéfica (para todos) diante de empresas viáveis que enfrentam sérias dificuldades financeiras, desde que, repita-se, o instituto seja utilizado adequada e oportunamente para seus legítimos fins, o que nem sempre ocorre, infelizmente. 

DIÁRIO – Em que momento desse processo de Recuperação Judicial o Código de Defesa do Consumidor é utilizado em prol do cliente prejudicado, no caso o passageiro?

MARCELO SOARES VIANNA – Ao longo da recuperação judicial, a empresa deverá manter sua operação regular, respeitando os direitos dos consumidores. Contudo, eventuais créditos que os consumidores tenham constituídos contra a empresa serão recebidos nos termos do plano de recuperação homologado judicialmente, aplicável a todos os demais credores e que, geralmente, estabelece um desconto sobre o valor original e uma forma parcelada de pagamento. Além disso, pelo período de 6 meses a contar do deferimento judicial do pedido de recuperação, eventuais execuções promovidas contra a empresa (mesmo que por clientes) ficarão suspensas.

Com relação a tais aspectos, nem o Código de Defesa do Consumidor nem a Lei de Recuperação Judicial atribuem qualquer tratamento diferenciado em benefícios dos consumidores. Contudo, apesar dos descontos e da dilação de prazos para pagamento, melhor ter um crédito a receber junto a um negócio em recuperação do que frente a uma empresa quebrada.

DIÁRIO – Acordos formulados entre agências de viagens e operadoras com órgãos internacionais (por exemplo IATA), em caso de descumprimento, em que instância são discutidas as demandas judiciais? (Sabe-se que o IATA – que normatiza as operações aéreas globais – legisla de uma forma inflexível prejudicando as empresas brasileiras em momentos de crise…

MARCELO SOARES VIANNA – De fato, tais órgãos seguem regras rígidas estabelecidas internacionalmente, mas que, quando necessário e cabível, podem sim ser questionadas judicialmente frente à legislação brasileira. Tivemos alguns litígios com a IATA onde obtivemos liminares para manutenção do sinal para emissão de passagens, sendo que todas as decisões foram mantidas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

Porém, sempre aconselhamos nossos clientes a evitar ao máximo o litígio, tentando previamente uma solução extrajudicial. Ocorre que, infelizmente, tais órgãos, na maioria das vezes, ficam engessados às normas por eles estabelecidas em nível internacional, o que exige a adoção de medidas judiciais em defesa dos interesses dos clientes, no que até então temos obtido 100% de êxito.     

A recuperação judicial, quando requerida de forma legítima, adequada e, repita-se, no tempo certo, é sem dúvida o melhor caminho para todos

DIÁRIO – Dos setores que compõem o mix da economia do turismo, qual é o que tem apresentado mais dificuldades judiciais? Por quê?

MARCELO SOARES VIANNA – Sem sombra de dúvida, as companhias aéreas é que enfrentam o maior número de demandas judiciais, até por questões de escala, já que o volume de operações é cada vez maior, o que acarreta mais intercorrências com os passageiros.

Contudo, as agências e operadoras de turismo, por trabalharem basicamente com intermediação de serviços de terceiros, acabam se envolvendo em vários litígios decorrentes da responsabilidade solidária prevista no Código de Defesa do Consumidor. Ou seja, o problema por exemplo ocorreu lá no exterior pontualmente com um receptivo local, mas todos da cadeia produtiva (agências e operadoras) respondem aqui no Brasil perante o consumidor prejudicado. A questão ainda se agrava porque, muitas vezes, o cliente é beneficiado com a “inversão do ônus da prova” pelo juiz da causa, cabendo ao fornecedor provar que o problema alegado pelo consumidor não ocorreu, ou que a culpa foi do próprio cliente, tarefa muitas vezes herculana que dificulta sobremaneira a defesa da empresa, mesmo quando tenha razão.

Assim, considerando as inúmeras variáveis existentes em um pacote de viagens, isto acaba gerando muitas discussões judiciais, seja porque a empresa não quer assumir a devida responsabilidade a ela atribuída pelo Código de Defesa do Consumidor, seja porque a reclamação do consumidor não é legítima, mas ele se vê incentivado a litigar a partir da proteção originada do Diploma Consumerista. E o mesmo se aplica ao novo cenário virtual de intermediação de serviços turísticos criado pelas online travel agencies (“OTAs”), que acabam integrando a cadeia produtiva do turismo e, por consequência, respondendo solidariamente perante o consumidor.

DIÁRIO – Em que setor o seu escritório de advocacia oferece mais possibilidade de amparo ao segmento?

MARCELO SOARES VIANNA – Apesar de perseguirmos o conceito de escritório boutique, com atendimento personalizado e acessível, disponibilizamos uma assessoria jurídica 360º aos nossos clientes, na sua maioria empresas de pequeno e médio porte.

Especificamente para o ramo do turismo, destacamos nossa atuação na área de revisão e elaboração de contratos com consumidores e parceiros comerciais, consultoria preventiva com relação às políticas internas da empresa frente aos clientes e fornecedores, em especial quando envolvidas novas tecnologias para vendas online (uma área ainda não totalmente dominada pelos players do mercado), consultoria para melhor estruturação societária de forma a tornar a operação mais segura para empresa e seus sócios, defesas em litígios judiciais e extrajudiciais (arbitragens, PROCON, etc.), inclusive com os órgão internacionais (IATA por exemplo), além do patrocínio de recuperação judicial para empresas do turismo que assim necessitem e, sobretudo, estejam aptas a tanto.

www.veof.com.br

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