Nesta entrevista concedida ao DIÁRIO, Tarcisio Gargioni faz uma sinopse do mundo das companhias aéreas e conta boa parte de sua trajetória no setor.
Tarcísio Gargioni formou-se em Administração de Empresas, com especializações em Engenharia de Transportes (COOPE/UFRJ) e Marketing e Serviços (FGV/SP).
Possui 28 anos de experiência em Aviação Comercial (VASP/GOL/AVIANCA) e outros 27 em transporte Terrestre, Marítimo e Ferroviário. Recebeu vários prêmios relevantes no setor, como Caboré 2004 e três Marketing Best, entre outros. Atua como palestrante, professor e conselheiro certificado pelo IBGC, desde 2010.
Na entrevista que segue, concedida à repórter Carolina Figueiredo e ao Publisher do DIÁRIO DO TURISMO, Paulo Atzingen, Tarcisio faz uma sinopse da sua carreira, especialmente na fase em que passou a se dedicar, integralmente, ao mundo das companhias aéreas. Claro e objetivo, oferece aos leitores o testemunho da sua vivência privilegiada no setor de transportes e a paixão pelo aéreo.
Publicado dia 22 de fevereiro (RETRO 2023)
DIÁRIO DO TURISMO: Tarcisio, me fale quando e como iniciou seu relacionamento e sua paixão pela aviação propriamente dita.
Tarcisio Gargioni: Para ser objetivo, eu entrei na aviação em 1º de outubro de 1990, com a privatização da Vasp. Quando o Canhedo assumiu, ele me convidou para assumir uma diretoria de cargas. A minha vida toda sempre foi ligada à área de transporte. Nos meus 20 anos anteriores à aviação, militei no transporte rodoviário – caminhão e ônibus. Lidei com transporte marítimo, em operações de navio lá em Itajaí, na área de importação e exportação. E, também, tive uma boa experiência ferroviária. Mas faltava o aéreo. E quando entrei nesse setor, nunca mais saí. O aéreo é assim: se entra, não sai mais.
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DIÁRIO DO TURISMO: Eu o conheci quando você estava na Avianca. Na sua trajetória, você tem passagem pela Vasp. Quer contar algum aspecto dessa época?
Tarcisio Gargioni: Fiquei na Vasp 10 anos. Foi a minha primeira escola no mundo da aviação. Comecei a aprender um pouco nesse período e, obviamente, foi muito rico em termos de conhecimento. Eu já entrei como diretor de cargas da Vasp. A área de cargas da empresa era uma superintendência ligada à diretoria comercial de passageiros. Então, fui o primeiro diretor independente, dedicado exclusivamente à atividade de cargas.
Nesse período, a Vasp já tinha cargueiros, atendia à rede postal noturna dos Correios. Mas essa operação representava perto de 6% da receita da empresa. Com a minha entrada, conseguimos expandir, a gente trouxe mais aviões, começamos operação internacional e conseguimos chegar a uma participação na receita total da companhia de 23%, só em cargas.
Foi uma expansão forte, um período de muitas mudanças no mercado brasileiro. Tivemos a posse do Collor e o impeachment. Depois, assumiu o vice do Collor, Itamar Franco. A gente teve, no final da década, uma desvalorização cambial muito forte, em 1999. Houve uma liberação do câmbio que desequilibrou todas as operações internacionais das companhias aéreas. Foi um tsunami.
Isso teve consequências fortíssimas, inclusive com a paralisação das atividades das linhas internacionais. Na verdade, acho que em maio de 2000 a Vasp paralisou todas as operações internacionais e começou a entrar em crise financeira alta. Foi uma década de muitas variáveis.
DIÁRIO DO TURISMO: Em 2000, lembro que a Gol começou a operar nesse ano, certo?
Tarcisio Gargioni: Exatamente. Em maio do ano 2000, com a paralisação das atividades internacionais da Vasp, fui convidado para participar do projeto da construção da Gol.
DIÁRIO DO TURISMO: Ou seja, você foi cofundador da Gol?
Tarcisio Gargioni: Fui cofundador da Gol. No dia 17 de julho de 2000, pedi demissão da Vasp para poder participar do projeto da Gol. Fiz o pedido de manhã, ao Canhedo e, à tarde, eu já tive uma primeira reunião para discutir o projeto da Gol, que ainda não tinha nem CNPJ.
DIÁRIO DO TURISMO: Foi meio no escuro, não é?
Tarcisio Gargioni: Não foi bem na escura, eu já os conhecia. Tínhamos trabalhado em Brasília, por uns seis anos, na empresa de ônibus. Não eram pessoas desconhecidas. Naquele período, eu tinha lido o livro da Southwest, ‘Nuts!’, que foi, inclusive, traduzido para o português. Eu li e fiquei entusiasmado com o modelo “low cost” da Southwest. Quando recebi o convite da Gol, eu tinha acabado de ler o livro. Com a Vasp em crise, era oportunidade para fazer um projeto novo.
Quando li o livro, eu disse: ‘esse é um modelo bom para o Brasil’. Então não foi, exatamente, no escuro. Muito pelo contrário, o convite veio ao encontro daquilo em que eu acreditava e imaginava que era bom. Foi a oportunidade de um novo projeto, mas com a certeza de que iria dar certo.
DIÁRIO DO TURISMO: Então a Gol não nasceu “low cost, low fare” e esse modelo foi criado a partir da sua chegada?
Tarcisio Gargioni: Não. A família já tinha decidido que faria uma cia. aérea para vender passagem mais barata. Já haviam estudado a Southwest. O projeto já estava elaborado, feito por um escritório especializado. Uma pesquisa apontava que 25 milhões de pessoas queriam voar. E não voavam por conta de tarifas altas. O projeto já estava em andamento. Eu tinha lido o livro e gostei da ideia. Apenas entrei no jogo, mas não fui eu o decisor.
DIÁRIO DO TURISMO: Tarcisio, chegamos na metade da nossa entrevista e eu gostaria de perguntar a você o seguinte: Se a companhia fosse criada hoje, em 2023, você faria algo diferente?
Tarcisio Gargioni: Com certeza sim, porque o Brasil é outro. E o mercado também. Naquela época, nós tínhamos um mercado de 20 milhões de passageiros/ano e hoje nós temos mais de 100 milhões. Além disso, passamos por uma pandemia. Então, evidentemente, teria que ter feito alguma coisa diferente. Alguns conceitos básicos valem, mas os processuais seriam diferentes. Naquela época, a Internet era uma novidade. E hoje, não se vive sem ela.
DIÁRIO DO TURISMO: Tarcísio, no tempo da Avianca, você foi VP Comercial e MKT. Pode contar um pouco desse período?
Tarcísio Gargioni: Eu fiquei na Gol durante 10 anos. Aí eu já estava com 64 anos de idade, fiz os cursos do IBGC e disse: ‘Olha, eu vou virar conselheiro’. Fiquei alguns meses assim e veio o convite para assumir a vice-presidência da Avianca. O que me estimulou bastante, a assumir a Avianca, foi uma frustração que eu tive com o modelo de um serviço Premium na VARIG, na época em que a GOL comprou a cia aérea.
Àquela altura, nós já tínhamos uma visão de que existia um mercado mais Premium, com mais conforto, mais espaço. Tanto é que naquela época nós tínhamos dois slogans: ‘Eu posso voar’ e na Varig era ‘Eu mereço voar’. Nós tínhamos a intenção de diferenciar os serviços entre GOL e Varig. Quando veio o convite para entrar na Avianca e com o projeto com esse conceito em expansão, eu fiquei estimulado e acabei assumindo.
Em 2011, a empresa tinha 2% de participação no mercado. E quando eu saí de lá, em 2017, já alcançava mais de 13%. O conceito da Avianca era bom. Infelizmente, foi uma empresa que parou suas atividades por fatores externos da atividade da aviação. Foram outros fatores e outros negócios que influenciaram a parada ou a crise da Avianca Brasil. Mas foi um projeto bonito, também. Nós crescemos, havia um serviço diferenciado, com uma qualidade superior, todo conforto, espaço, aviões novos, entretenimento, sanduichinho, etc.
DIÁRIO DO TURISMO: Olhando, agora, um pouquinho para o futuro, qual a projeção que você faz para a aviação comercial? Na sua opinião, do que o Brasil precisa para continuar expandindo a sua operação aérea?
Tarcísio Gargioni: O comportamento da atividade econômica é fundamental. A aviação se desenvolve em função do crescimento econômico. No Brasil, o PIB tem que ser positivo ao longo do tempo. Nessas condições, a atividade da aviação e do turismo crescem juntos. Mas nós temos um grande desafio, que é desenvolver a aviação regional e criar uma infraestrutura de aeroportos para sustentar esse crescimento nos próximos anos.
Hoje, nós temos um público para mais de 100 milhões de viagens por ano. Infelizmente, esse crescimento foi interrompido pela pandemia. Mas se nós crescermos 2,3% de PIB, lá por 2035 poderemos chegar em 200 milhões. Ou seja: quase o dobro da aviação atual. Para isso, precisamos ter uma infraestrutura de aeroportos adequada, para sustentar esse crescimento.
Do ponto de vista das empresas, todas têm capacidade de crescer e expandir. Trazer mais aviões, contratar pilotos e mais pessoal não é problema. O problema é infraestrutura aeroportuária, navegação aérea e coisas do gênero. Evidentemente, o crescimento econômico e melhora da renda vão influenciar, positivamente, na quantidade de viagens.
DIÁRIO DO TURISMO: Como homem da área, qual a mensagem que deixaria para as pessoas que querem ingressar nesse mercado, nesse universo chamado aviação civil comercial?
Tarcisio Gargioni: Eu deixaria uma mensagem de otimismo, por conta daquilo que nós acabamos de falar. Se você projetar crescimento nos próximos 10 ou 15 anos, a aviação vai crescer e, automaticamente, vai precisa de mão de obra especializada em todos os aspectos. Falo de piloto, mecânico, controladores de voo, pessoal de gestão, comercial, turismo – entre outros.
Então, é uma mensagem de otimismo, mas sem ilusões. É um mercado que vai crescer aos poucos, mas serão gerados muitos empregos. É uma área apaixonante. Então, quem quiser entrar no setor, tem que investir em si próprio, treinar a mente, capacitar-se e acreditar que o setor vai crescer. Vai dar oportunidade parra que os profissionais tenham a chance de exercer suas atividades e serem felizes.
DIÁRIO DO TURISMO: E falando de Brasil?
Tarcisio Gargioni: Eu acredito que o país pode crescer, em termos internacionais, No futuro, o Brasil tende a ter uma importância econômica, no mundo, maior do que tem hoje, por conta da sua capacidade de produzir alimentos e ter fontes renováveis de energia. O território é enorme, sem terremotos, etc. Aumentando sua importância no cenário mundial, o Brasil, automaticamente, terá uma aviação internacional mais desenvolvida.