Toponímia – por Osvaldo Alvarenga*

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Toponímia. Consulto o Aulete Digital. Entre outras definições, a primeira: “designação das localidades pelos seus nomes”; e a segunda: “subdivisão da onomástica que estuda os nomes próprios de lugares”. Para onomástica, o mesmo Aulete oferece quatro respostas; a primeira: “ramo da lexicologia que estuda os nomes próprios (de pessoas e lugares)”. Não vou mais longe. Busco noutro dicionário a resposta. Para o Dicio, toponímia é a “designação dos lugares pelos seus nomes” e, também, “o estudo linguístico e histórico da origem dos nomes de lugar”.

Presidente Vargas. Quantas avenidas, ruas e praças Presidente Vargas você conhece? Está claro, homenagem ao político Getúlio Dornelles Vargas, que em 1930 tomou o país num golpe de Estado e manteve-se no poder até 1945. Governou soberano por 15 anos, até que foi deposto. Chegou novamente à presidência em 1950. Desta vez, por eleições democráticas. Sem os poderes absolutos, com oposição e mais a inconveniência da imprensa, a coisa complicou. Deprimido, reclamou dos abutres, inimigos da nação, que não o deixavam governar; escreveu carta-testamento histórica e suicidou-se em agosto de 54. (Por mim, agora, bastava a renúncia). JK também, quantas praças, ruas e avenidas? Homenagem ao presidente bossa-nova Juscelino Kubitschek, sedutor e perdulário. Rio Branco tem à beça, até capital. Pois então, homenagem ao diplomata e historiador José Maria da Silva Paranhos, o Barão do Rio Branco, exímio negociador que, segundo a lenda, teria comprado o Acre à Bolívia ao preço de dois cavalos.

As toponímias são definidas pelos usos ou estabelecidas em assembleias. Com frequência homenageiam pessoas que não têm nenhuma relação com o lugar. É mais ou menos assim em toda parte. De homenagem em homenagem, os grandes da pátria tomam os nomes tradicionais dos lugares. Um dia, lá no futuro, obsoletos ou condenados seus feitos, terão os nomes trocados por outros novos grandes da pátria. A cada mudança, o valor intrínseco contido nos topônimos, a memória do que representam e o sentimento de pertença que causam a quem tem a vida ligada ao lugar, são perdidos.

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Por isso, talvez, a estranheza que sentimos quando a escolha se dá por critérios outros. Por exemplo, na Vila Madalena, em São Paulo, as ruas têm nomes sedutores como Simpatia, Harmonia, Girassol e Purpurina. Em Belo Horizonte, dentro da avenida do Contorno, que contornava toda a cidade projetada em 1897 e, agora, contorna pouco mais que o centro, as divisões políticas e etnias indígenas predominam, e, ao que eu saiba, lá estão inalteradas desde a inauguração.

Aqui em Lisboa, as datas e os heróis patrióticos prevalecem como escolhas para as vias principais. A praça do Marquês de Pombal, homenagem ao todo poderoso Secretário de Estado do Reino de D. José I, aquele que, entre tantos feitos, foi responsável pela reconstrução de Lisboa após o terremoto de 1755, é a principal rotunda da cidade, com estação de metrô e túnel de mesmo nome, ligando várias vias importantes: a Av. da Liberdade, alusão à restauração da independência; a Av Fontes Pereira de Melo, político, presidente do Conselho de Ministros; a Rua Braamcamp, dedicada a Anselmo Braamcamp Freire, político e historiador; e assim por diante. E heróis não faltam aos portugueses para dar nomes aos lugares: tantos reis, os navegadores todos, imensos poetas… Ainda assim, é Rua da Igreja a designação mais frequente para os logradouros de Portugal.

Moramos na Rua do Olival, numa zona conhecida como Janelas Verdes; o nome vem da cor das janelas do imponente palácio que fica na rua de mesmo nome, aqui ao lado. Abriga hoje o Museu Nacional de Arte Antiga. O palácio construído pelo Conde de Alvor, antigo Vice-Rei da Índia, num episódio de conspiração, confisco e corrupção, foi parar nas mãos do Marquês de Pombal. Dizem, acho improvável, foi lá pelos idos de 1770, com a morte do irmão, testa de ferro dele na aquisição do imóvel, que as janelas foram pintadas de verde. Entre tantas histórias do tal palácio, uma diz respeito à imperatriz do Brasil, D. Amélia de Leuchtenberg, a segunda esposa de D. Pedro. Depois que enviuvou, em 1834, não voltou a casar e foi viver no palácio, onde faleceu 61 anos depois.

De casa à Baixa, a zona central da cidade, numa caminhada de quarenta minutos, passamos pelas ruas Gaivotas, das Trinas e da Esperança; são nomes simpáticos. Mais curiosas são as toponímias dos becos. Há nomes como: das Mil Patacas, dos Contrabandistas, das Pirralhas… Às vezes, os nomes são literais. As Escadinhas da Praia, está claro, são as escadas que levavam à praia antes do aterro construído no final do século XIX. A praia foi soterrada, as escadas estão lá com o nome preservado. Também tem homenagens a falsos heróis. A Praça Martim Moniz é um exemplo. A crença geral é que Martim Moniz foi um nobre cavaleiro, herói e mártir na conquista cristã da cidade aos mouros, em 1147. Durante a invasão dos cruzados, teria se jogado à porta do castelo para impedir que a fechassem. Morreu, mas foi o seu corpo ali caído que teria permitido a passagem dos soldados cristãos. Pesquisando melhor, os historiadores descobriram que um homem teria morrido de causa desconhecida numa das portas da cidade cerca de um século depois da conquista. A lenda pegou, e a porta norte, local de seu infortúnio, recebeu seu nome. Séculos depois, destruída a porta para a abertura de uma rua, a toponímia foi preservada. Outros séculos vieram até que nova obra fez desaparecer a rua para dar lugar a um grande largo. O nome do falso herói foi conservado, e hoje o local abriga a praça mais multicultural da cidade. Ao final, pouco importa se o homem existiu e se foi herói. Importa sim a preservação do nome do lugar e as referências para quem vive ali.

Alguém menos atento pode pensar que toponímia é uma questão irrelevante, coisa de político sem proposta que gasta tempo e recurso para mudar nomes e placas de ruas. Não é. É com sensibilidade na escolha dos nomes dos espaços públicos que vamos dando, ou não, mais conforto à nossa alma e mais poesia à vida.

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