Na mercearia de meu pai, onde passei os decisivos e marcantes anos de minha infância, sempre fui um observador das coisas e das pessoas, às vezes atento até demais (menino esperto! Diziam), n’outras vezes eivado da candura daqueles anos, inocência genuína de uma educação simples, de pés no chão, de poucos recursos financeiros, mas de uma riqueza cultural capaz de transcender a estreita geografia então vivida. Assim, sempre me deixei levar pelas histórias das pessoas e, sobretudo, da cidade, a minha cidade, Campina Grande-PB.
Assim, sempre me deixei levar pelas histórias das pessoas e, sobretudo, da cidade, a minha cidade, Campina Grande-PB.
Ainda muito criança, muitas eram as imagens que se formavam em minha retina. O bairro, a vizinhança e no meu observatório particular, a mercearia, onde Papai tinha uma lista telefônica de capa amarela que na contracapa exibia um belo retrato do Açude Novo. Eu era capaz de deixar o tempo passar vendo aquela imagem do “lapizão” (como eu denominava o obelisco) e imaginava mais uma visita àquele parque. Os escorregos que ali existiam, não se comparavam a nenhum. Crianças lendo gibi no gramado, outras jogando bola, brincando de ciranda… Numa certa vez, após um exame de vista e a visão turva do dia inteiro após dilatar as pupilas, lembro-me de passar no ônibus no início da noite, indo para casa, e ter me encantado com as famosas fontes luminosas do Açude Novo. A vista se esforçou, viu o que talvez quis ver e aquele momento multicor nunca saiu de minha mente.
Essas ideias eram mantras que Papai repetia, que os vizinhos confirmavam e completavam, conversas que enchiam os olhos da criançada e o cotidiano pobre suburbano que parece enxergar mais beleza na cidade do que os mais abastados
Nas idas ao centro, a comprar mercadoria para abastecer a mercearia, uma aventura me aguardara. A passada na feira de estivas, no antigo supermercado O Barateiro de Wamberto (que já foi feirante e hoje é dono de uma rede de supermercados) e uma certa vez fui ao Calçadão. Para mim estava em um senado romano que via nos livros da escola, muitos homens conversavam, a tinta branca dos anos (como diz o poeta Dedé Monteiro) na cabeça de muitos deles. Tomei um chocolate quente, hoje sei que foi em Henrique Lanches, um dos únicos da infância, ouvindo falar em Treze e Campinense, acho que era uma manhã de sábado, o embate seria no dia seguinte…
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Tudo aquilo me seduzia, eram as edificações que via da calçada da mercearia sendo construídas no alto da Bela Vista, o trem que passava cortando o horizonte do Pedregal às onze da manhã apitando e sempre a molecada parava para contar quantos vagões iam daquela vez. Eram inúmeras histórias contadas ali no balcão da mercearia ‘A Bodeguita’. Eu com os braços escorados no canto do balcão, com o pé direito apoiado no joelho esquerdo, ávido por aquelas histórias mágicas, o que me fez na oitava série querer escrever sobre a história de minha cidade. Daí até tomar os bancos da universidade, o tempo se encarregou de impregnar de criticidade a lente que me possibilitava enxergar a urbe com todo aquele ufanismo, entendendo que todo lugar tem sua beleza e suas contradições. Campina é, também, assim. E como diria minha amiga economista Zélia Almeida: todos os lugares podem ser eternos.
Publicado originalmente na coluna ‘Crônica em destaque’ no Jornal A União de 04 de dezembro de 2021.
*Thomas Bruno Oliveira é Historiador, Jornalista e escritor. Mestre em História, Cronista do Jornal A União, Colunista da Revista de Turismo; integra vários Institutos Históricos, a Academia de Letras de Campina Grande e a Abrajet.