por Paulo Atzingen*
(Quarta-feira, 8 de abril – Fiorde Garibaldi) Navegando no fiorde Garibaldi, neste terceiro dia de expedição, vejo fios de cachoeira despencando da montanha de pedra, árvores e musgos agarram-se no precipício e não se sabe o que os segura, se o gelo ou se a rocha. A paisagem continua colossal. Pequenos filetes de água até cachoeiras enormes caem sobre o canal avisando que o verão terminara, do outono havia ainda uma réstia de sol e que o inverno, com sua titânica brancura, se aproximava.
A subida para a cachoeira é a programação da tarde. É uma das atividades mais pesadas – ou melhor, a mais pesada, já que exige preparo físico e resistência. Dos 90 passageiros embarcados neste Cruzeiro 281, apenas nove querem participar da aventura.
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A pernada consiste em uma caminhada de uma hora, aproximadamente, montanha acima, em direção a uma cachoeira de cerca de 70 metros de altura, com dificuldades que variam de médias, pesadas e quase intransponíveis.
O guia de expedição, Haron Aillon, lembra: “Iremos em um passo rápido pois temos que retornar antes que escureça. É preciso ressaltar que no outono os dias aqui terminam cedo, por volta das 17 horas, dentro dos fiordes e dentro das florestas”, alertou.
Superação
Acrescidos ao preparo físico, a subida é um exercício mental para peso-pesados, determina os limites de cada um e exige superação. Mas é também uma chance de conhecer de forma definitiva a natureza sub-antarctica com todos os seus mistérios.
É uma floresta escura, úmida e sustentada por uma terra preta e rica em todo tipo de nutrientes. Ouvíamos o veio dágua se manifestando bem acima, e, a cada dez metros superados, equivalia a duzentos metros em linha reta. Cada passo deveria ser calculado, levando-se em conta o impacto, a distância, a altura, a forma como o pé vai se ajustar à superfície seja pedra, seja lama, seja árvore, seja cipó ou seja galho. Se a perna deve ser esticada para economimizar energia e dar uma passada mais larga ou, dar um passo mais curto, e não se arriscar a cair no precipício de árvores emaranhadas. O alongamento dos braços e das pernas e a resistência são colocados à prova.
Passamos por uma garganta de árvore esprimida por uma pedra gigante sustentada apenas, e espetacularmente, pela lei da gravidade. Descemos um barranquinho de ao menos três metros de altura e chegamos a um dos braços da cachoeira que escorria para baixo. A água parecia que fazia festa. Havia se libertado da geleira e corria para a piscina do fiorde, lá embaixo, dando gritos de alegria. Uma corda serviu de ponte e a travessia é feita com a ajuda dos guias de expedição.
O ataque ao platô da cachoeira se aproximava e já era possível ouvir seu eco por entre as árvores. Avistávamos mais um espetáculo da Patagônia: o fiorde Garibaldi em sua espetacular grandeza.
Troféu
Nos últimos 50 metros a equipe preparara o caminho com cordas amarrando-as ao estilo corrimão, o que facilitou bastante a chegada aos pés da cachoeira.
O cansaço momentâneo, o coração saindo pela boca e o suor a ensopar a roupa compunham o troféu, lá em cima.
A cascata despencava e trazia para baixo a neve transformada em movimento, força e temperatura. A água fria que se precipitara de uma geleira de 70 metros de altura respingava nas pedras e criava um halo azulado, indefinido.
Mais uma vez era possível, ali, do alto do fiorde Garibaldi, mensurar a grandeza da Patagônia chilena.
“Estes limites impostos pelo corpo, mas antes, autorizados pela mente, devem ser diariamente quebrados – como hoje – para não perdermos esses raios de sol que teimam em iluminar as cordilheiras de gelo”, pensei, com a adrenalina fazendo a festa em minhas veias, antes de encarar a descida.
* O jornalista Paulo Atzingen viajou à Patagônia convidado pela Cruceros Australis
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