Vinho Natural, somente um problema de linguagem?

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Se um vinho é natural, necessariamente o outro será artificial?

Por Werner Schumacher*


Até existe vinho artificial, no Vale do Silício, Estados Unidos. Lá inventaram um equipamento que produz um vinho de acordo com o DNA. A empresa americana chamada Replica Wines analisa o DNA de um vinho qualquer e o faz ficar igual a um grande chateau, mas não é esse o nosso caso.

Mais de 2 mil anos foram necessários para alguém conseguir o feito de Jesus Cristo: transformar água em vinho!

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Se é natural tudo o que se refere ou pertence à natureza e por esta é produzido sem intervenção humana e de forma espontânea, logo o vinho natural é um produto ‘fake’, ou seja, não existe.

Outro ponto a ser observado é que os vinhedos são conduzidos sob a forma de latada, espaldeira, etc. e cabe aqui ressaltar que se as vinhas crescessem selvagemente, por ser uma trepadeira, como assim era na antiguidade não teríamos vinhos como temos hoje. Observa-se aqui mais uma intervenção humana, e das grandes.

Há de se considerar que a grande maioria das propriedades vitícolas são muito pequenas, de menos de um (-1) a cinco (5) hectares. Vinhedos gigantes, maiores do que mil (1.000) hectares é coisa do novo mundo e isto é possível, única e exclusivamente, pela mecanização e o uso de tecnologias modernas. A existência de grupos vitivinícolas europeus importantes é fruto da soma de várias propriedades.

O cultivo orgânico, biodinâmico, etc. são importantes para a humanidade e a vitivinicultura vem fazendo a sua parte, mas esta atividade é infinitamente menor que o agronegócio de soja, pecuária, etc. e como a grande maioria dos empreendimentos, vide acima, é de pequeno porte, portanto, longe de ser um risco ambiental.

Talvez seja otimismo, mas assim como séculos atrás a previsão de que a humanidade iria morrer de fome, pois a produção de alimentos não seria suficiente para atender a demanda de forte crescimento populacional, o mundo está caminhando para solucionar o problema da emissão de carbono, diga-se de passagem, a USP está prestes a confirmar a transformação dessa emissão em energia.

Há outra questão importante, antes de tudo, o vinho é um NEGÓCIO e como tal está aí para se ganhar dinheiro, ser lucrativo, logo ninguém se pode dar o luxo de jogar dinheiro pela janela.

Todos sabem que o lucro advém principalmente da redução de custos, portanto, ninguém será idiota a usar qualquer produto vitícola ou enológico à toa, as intervenções serão sempre mínimas e suficientes, mas, apenas se necessário.

Nas grandes áreas se pratica a agricultura de precisão, vinhos mais padronizados serão produzidos? Claro que sim, mas serão vinhos mais baratos e acessíveis à população, pro dia-a-dia.

Infelizmente, na linguagem, a definição de um termo varia de pessoa para pessoa, ambos os vinhos sofrem intervenções humanas, consequentemente, não são naturais na acepção da palavra.

Creio que o uso de uma palavra de certo modo vaga, formou um conflito jamais visto na história do mundo do vinho. O vinho é uma bebida para proporcionar prazer, felicidade, acompanhar boa comida e conversas, só precisa ser bom e saudável como já dizia Pasteur, o resto é conversa pra boi dormir.

A expressão vinho natural começou a ser usada há uns 60 anos atrás e tudo indica ser a França o único país a ter uma legislação a respeito, portanto, na maioria dos países produtores o vinho natural é ilegal, carece de regulamentação.

O autoproclamado movimento do vinho natural demonstra ser muitas vezes certa evangelização de algo ideológico, talvez uma filosofia que provoca grande polarização, aliás, como está à vida hoje, ou é, ou não é sempre afastado de um consenso. Uma questão de marketing grupal, algo que os produtores ‘convencionais’ não conseguem fazer.

O famoso Robert Parker disse ser o vinho natural “uma fantasia de produtores marginais” e Emile Peynaud, considerado o pai da moderna enologia, dizia: “no passado, fazíamos grandes vinhos por acaso”. A enologia, de fato provocou certa padronização na elaboração de vinhos, mas pouco a pouco a criatividade dos enólogos tomou conta e uma grande diversidade de vinhos surgiu.

Jamie Goodie afirmou: “o vinho natural é retrógado – anacrônico – nostalgia de uma idade de ouro desaparecida que nunca existiu”.

No entanto, os produtores de vinhos convencionais, assim chamados pelo movimento natural, cometeram ao longo de décadas coisas que auto difamou o setor, inclusive crimes: Adição de corantes, de açúcares, água, tentando imitar o milagre de Cristo, dietilenoglicol e metanol, que provocaram a morte de pessoas na Áustria, Itália, Argentina, etc.

Também temos afirmações infelizes como a de Bruno Prats, enólogo de um famoso chateau francês e sócio de uma vinícola chilena de vinhos finos: “não há mais safras”, querendo dizer que há formas de corrigir problemas de uma safra não tão boa.

Ainda há vinhos mal elaborados e com práticas enológicas não recomendáveis. Vinhos que provocam ressaca e mal estar, que deveriam ser proibidos de serem elaborados. Vinhos fortemente adocicados deveriam ser obrigatoriamente pasteurizados e coquetéis a base de vinho deveriam ter uma apresentação diferente daquela do vinho para evitar a confusão por parte do consumidor.

Seja uma questão emocional ou de marketing (mercado), de um lado o partido que os fins justificam os meios e de outro lado aquele em que a ideologia é tudo, onde os meios são os fins, uma guerra alimentada mais por blogueiros, influencers, etc, que por produtores.
Seja qual for o vinho, o importante é que seja bom.


*Werner Schumacher, é o alemão brasileiro que na década de 80 e 90 do século passado trouxe os insumos da Europa para o início da vinicultura no Rio Grande do Sul, e portanto, no Brasil.

Sem meias palavras, Werner durante os últimos anos escreveu sobre inúmeros assuntos do universo do vinho. Defendeu a viticultura heroica de montanha, ficou do lado dos pequenos produtores de uva e vinho do Rio Grande do Sul, enalteceu a importância do enólogo em uma propriedade que produz vinho. Além de tudo isso, e com muita classe, critica os marqueteiros que tentam desmistificar o mundo do vinho com seus produtos padronizados.

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