Finalmente o Vale dos Vinhedos despertou!

Há praticamente 30 anos deitado em berço esplêndido, envolto pelo canto da sereia do progresso, finalmente o Vale dos Vinhedos, em Bento Gonçalves, se deu por conta que vinha, pouco a pouco, matando a galinha dos ovos de ouro: a paisagem!

Por Werner Schumacher*

É compreensível, afinal de contas a paisagem é um bem imaterial, pouco entendido quando o que se conta são moedas!

Os nossos vinhos são como os nossos vinhedos

Este é o título de campanha publicitária da VDP*, cujo foco é mostrar a origem de seus vinhos, a partir dos famosos vinhedos de seus viticultores, por eles designados VDP.Grosse Lage^{® (AS MELHORES LOCALIZAÇÕES)}. A campanha é uma antecipação à futura proibição de publicidades que, tudo indica, afetará o setor de bebidas.

Portanto, mais um atributo para destacar a importância da paisagem para qualquer destino enoturístico, principalmente, pelo fato de poder a vir a ser a única imagem a ser utilizada na comunicação de uma região, vinícola, vinho, enfim, tudo ao entorno dessa bebida que tanto apreciamos.

Assim, não seria nada racional deixar que as paisagens vitivinícolas existam sem normas ou regras que as protejam. Seja o Vale dos Vinhedos, como qualquer outra região, é imprescindível lutar contra qualquer ação que possa descaracterizar a paisagem e a natureza do local.

A urbanização do meio rural se dava à medida que as cidades cresciam e por ser o valor da terra muito baixo, mas hoje presenciamos um caminho contrário. No caso do Vale dos Vinhedos a terra valorizou enormemente, tipo de 3 a 300 mil reais o hectare, inviabilizando a implantação de vinhedos por viticultores e isso faz com que o espaço seja ocupado por negócios que conseguem o retorno do capital investido a curto e médio prazo, descaracterizando a região.

O italiano Diego Tomasi é um grande estudioso do tema Paisagem e Vinho, em suas pesquisas e artigos publicados sempre chama a atenção de alguns tópicos importantes, que veremos com mais detalhadamente quando oportuno.

• O VINHO TEM ALMA – Um vinho anônimo, sem associações, torna-se difícil de ser compreendido do que um vinho, ainda que de igual qualidade, cuja origem e os elementos que o compõem sejam conhecidos, um vinho com identidade agrega. O belga Claude Lévi-Strauss adorava dizer: “pense bem, coma bem” e com isso destacava o valor que atribuía a um vinho quando a sua origem se devia a uma bela paisagem.
• A PAISAGEM É UM RECURSO – Vivemos em um mundo onde tudo é mais rápido, tudo é incisivo e quase irreversível, torna-se importante proteger e salvaguardar um recurso não recriável, caso contrário perderá a originalidade e o prestígio.
• A PERCEPÇÃO DA PAISAGEM – Levantamentos fotográficos, avaliações da fauna e flora, conjuntos arquitetônicos, etc. podem quantificar ou representar um território, mas nenhuma dessas técnicas pode detectar a percepção que determinado ambiente produz na complexa psique humana.
• PESSOAS E PAISAGEM – De acordo com E. Sereni, em seu livro História da Paisagem Italiana-1961, diz que a paisagem rural é fruto da intervenção humana em razão da atividade de produção agrícola que modifica aquela natural, portanto, INCLUI o trabalho do humano que compreende CONHECIMENTO e CULTURA.
• O VISÍVEL E O INVISÍVEL – É o título do livro de M. Merlau-Ponty de 1969, que diz: “O visível está entrelaçado com o não visível, este o sustenta e o alimenta”, ela quer dizer com isto que não só o perceptível é claro, mas também os VALORES CULTURAIS ENRIQUECEM A PAISAGEM.
• HÁ PAISAGENS OCULTAS – Cada vinhedo tem um cenário diferente, há cores, detalhes e paisagens ocultas. As estações se apresentam como principal exemplo. Agora, outono, as folhas perdem o verde e assumem inúmeras colorações, que inclusive indicam a falta de algum nutriente na videira. As estações não só dão uma vitalidade única as vinhas, mas nos rementem para uma paisagem silenciosa que poucos sabem descobrir.
• A ATUAL PAISAGEM VITÍCOLA – A nossa fisionomia é de vinhedos individuais e associados a outros cultivos ou criações, com taipas (muros de pedra seca) que delimitam as propriedades em pequenas unidades de negócio. Essa paisagem muitas vezes se parece com um jardim, especialmente em determinadas épocas do ano.

“As parreiras sustentadas por plátanos é uma paisagem única no mundo”!

– A PAISAGEM PEDE RESPEITO – É óbvio que ao longo dos anos a paisagem muda e são necessárias, no entanto, requer conservação e respeito pelo que já embeleza os vinhedos, vez ou outras árvores antigas devem ser mantidas, mesmo que se torne um obstáculo às operações de cultivo. Deve estar sempre ligada a história, com o contexto cultura, também, inserida de forma a satisfazer plenamente as expectativas de uma vida moderna, culta e cada vez mais educada para a beleza.

“O CURIOSO É QUE UM VITICULTOR NÃO PODE DESMATAR UMA ÁREA PARA IMPLANTAR UM VINHEDO, MAS QUALQUER OUTRO EMPREENDIMENTO PODE. O QUE DIZ O SEU IBAMA SOBRE ISSO”?

VITICULTURA HERÓICA – Em quase toda a sua extensão o Vale dos Vinhedos desenvolve uma viticultura de montanha, cujas características principais são a altitude, acima de 500 m.s.n.m., pouca mecanização e um trabalho árduo. No entanto, dependendo da sua localização, um vinhedo cultivado nessas condições, está mais exposto ao sol e cientificamente comprovado produz mais aromas, logo mais qualidade.

ALGUNS TÓPICOS

“EM 1995, ANO DA FUNDAÇÃO DA APROVALE, UMA GARRAFA DE VINHO FINO ERA VENDIDO A R$ 4,00 E HOJE ESTE MESMO VINHO É VENDIDO A R$ 60,00, FRUTO DO ESFORÇO DE SEUS PRODUTORES”.

“O VALE DEVE SER PRESERVADO PARA A ATIVIDADE VITIVINÍCOLA, SOB PENA DE VIR A FALTAR UVA PARA A ELABORAÇÃO DOS VINHOS QUE O REPRESENTAM E ASSIM DECRETAR A MORTE DO VALE DOS VINHEDOS”.

“A PAISAGEM É UM BEM ECONÔMICO E COMO TAL DEVE SER TRATADA, ALÉM DE INFLUECIAR NO SABOR DO VINHO. MUITOS DOS TURISTAS QUE NOS VISITAM VOLTAM, EXPERIMENTARAM E VIVERAM ESTA PAISAGEM QUE BONS VINHOS PRODUZ”!

Por fim, cabe-nos dizer que a grande falta da APROVALE foi à inexistência de integração e diálogo com os viticultores, estes ficaram a margem do progresso do vale e agora são indispensáveis para o nosso desenvolvimento qualitativo.

O que aqui se faz deve ser fruto de um trabalho coletivo, em que todos os habitantes devem competir com um propósito comum, o da proteção de pequenos detalhes que estão ao alcance diário de todos e que contribuem para aumentar o poder de atração dos lugares e do contexto em que estão inseridos.

Esse trabalho deve induzir a preservar, proteger e valorizar a paisagem na sua singularidade e tipicidade, mas sobretudo a dar a conhecer, encontrar e recordar também através da hospitalidade de quem aqui vive.

É preciso entender que ao longo dos anos a paisagem e as pessoas, cujas almas são fundidas em um cadinho, com grande respeito à história e a cultura local. Se desde o início da entidade houvéssemos compartido interesses não estaríamos presenciando esta troca de vinhedos por paredes de concreto.

Lembrem: “O Brasil é o único país do novo mundo do vinho a ter uma viticultura heroica, como as europeias, onde as vinhas se confundem com jardins”

“Small is Beautiful for ever”

* VDP é uma associação de aproximadamente 200 vinícolas alemãs de altíssimo padrão, suas vinhas crescem em áreas de excelentes “terroir”, classificadas nos moldes da Borgonha.

*Werner Schumacher, é o alemão brasileiro que na década de 80 e 90 do século passado trouxe os insumos da Europa para o início da vinicultura no Rio Grande do Sul, e portanto, no Brasil.

Sem meias palavras, Werner durante os últimos anos escreveu sobre inúmeros assuntos do universo do vinho. Defendeu a viticultura heroica de montanha, ficou do lado dos pequenos produtores de uva e vinho do Rio Grande do Sul, enalteceu a importância do enólogo em uma propriedade que produz vinho. Além de tudo isso, e com muita classe, critica os marqueteiros que tentam desmistificar o mundo do vinho com seus produtos padronizados.

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