A trajetória profissional do hoteleiro Wellington Melo começou, pode-se dizer, ainda no berço. Nascido em uma família de hoteleiros que traz a hospitalidade no DNA, o profissional coleciona feitos. Aos 23 anos de idade assumiu a gerencia de A&B do Hotel Unique, no Jardim Paulista, em São Paulo.
Por Zaqueu Rodrigues – especial para o DIÁRIO*
Em 2021, após exercer diferentes funções em duas décadas de trabalho no icônico hotel de luxo, Wellington ocupou a posição de Diretor Geral do Unique, sendo o profissional mais jovem a desempenhar a função, e o fez justamente durante uma pandemia que ressignificou a hospitalidade.
Jovem, negro, tatuado, despojado e com brilho nos olhos e largo sorriso, Wellington é a mente da nova hotelaria que vem se reinventando para enfrentar grandes temas como sustentabilidade, diversidade, crise de mão de obra e novas formas de gestão para atender às novas demandas dos clientes e dos funcionários.
Nesta entrevista exclusiva ao DIÁRIO DO TURISMO, o Diretor Geral do Hotel Unique fala sobre sua trajetória impecável, defende o modelo de gestão horizontal, analisa o papel da hotelaria e as diretrizes que estão redefinindo os rumos da hospitalidade.
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Como iniciou a sua jornada na hotelaria?
Wellington Melo: Eu, praticamente, nasci dentro da hotelaria. Meu pai, minha mãe, meus tios e tias eram hoteleiros – arrumadeiras, faxineiros, caixas, garçons, cozinheiros. Eles trabalharam nos principais hotéis do centro de São Paulo. Na década de 1980, a minha mãe trabalhou no hotel Caesar Park, da Augusta, e o meu pai trabalhou nos hotéis Hilton e Maksoud Plaza, em São Paulo. Os assuntos em festas de família eram sempre os hotéis. Quando criança, eu participava das celebrações de final de ano nesses hotéis. Cresci nos hotéis.
A hotelaria é uma relação que a pessoa ama ou odeia, pois você trabalha em uma escala 6×1, trabalha final de semana, trabalha feriados, trabalha no natal… Para quem não ama, é bastante sacrificante em termos de doação e, principalmente, em termos de tempo. Hoje, tempo é a grande moeda. Luxo, atualmente, é tempo.
Quando eu decidi fazer hotelaria, meus pais sempre me incentivaram e me deram a clareza de todo o trabalho e dedicação que estão por detrás da operação hoteleira.
O que o inspirou a entrar na hotelaria pela área A&B?
Wellington Melo: Eu gosto muito de alimentos e bebidas. É uma área que sempre chamou a minha atenção. Os restaurantes e toda a arte envolvida na execução dos drinks sempre me inspiraram.
Primeiro eu me formei em nutrição na escola E.T.E Getúlio Vargas. Na época não tinha curso de hotelaria e turismo nas etecs. Em 2000 eu me formei Técnico em Nutrição e logo comecei a trabalhar no hotel Transamérica, onde fiquei um ano e meio.
Em 2002, quando eu entrei na faculdade Anhembi Morumbi para cursar hotelaria, eu iniciei a minha trajetória no hotel Unique. Desde cedo eu já tinha a certeza de querer ser gerente de alimentos e bebidas antes de completar 30 anos. Concretizei mais cedo do que imaginava. Assumi a gerencia de A&B do hotel Unique aos 23 anos de idade.
Após concluir a faculdade, me formei Sommelier profissional pela Associação Brasileira de Sommelier. A especialização em vinhos me deu muitas oportunidades de viajar a vários países para conhecer vinícolas, como Chile, Portugal, Argentina, França, Itália, Espanha… essas experiências me abriram o horizonte para uma perspectiva global da hospitalidade.
Como foi assumir a Direção Geral do Hotel Unique durante a pandemia?
Wellington Melo: A pandemia foi um período muito desafiador, principalmente quando falamos de São Paulo, que é uma metrópole movimentada pelos negócios. Eu assumi a diretoria geral do hotel Unique durante a pandemia. Antes eu exercia a função de diretor operacional do hotel.
Durante um período da pandemia, depois de algumas flexibilizações, a gente também vivenciou um cenário muito positivo para os hotéis de lazer. Eles nunca fizeram cifras tão altas quanto naquele período. Como as fronteiras estavam fechadas, as pessoas que tinham poder aquisitivo começaram a descobrir o Brasil.
É muito gratificante observar o quanto a família tem orgulho da minha trajetória, pois eu fui o primeiro a assumir uma diretoria geral de um hotel. Eu fui a segunda pessoa da minha família a se formar em um curso superior.
Como nossos padrões de limpeza e segurança sanitária já eram muito altos mesmo antes da pandemia, tivemos que fazer apenas algumas adaptações no hotel para alinhar aos novos protocolos.
A gente sempre trabalhava bastante a parte da gestão, mas na pandemia tivemos um olhar minucioso. Foi um período em que não vimos receita entrando. Tivemos que olhar para os nossos números com muito mais atenção e separar o que realmente era e o que não era necessário.
Foi preciso ser muito detalhista no controle de custos, despesas, otimização de receitas, captação de receitas… A gente vibrava a cada apartamento vendido, a cada drink servido no Sky, a cada pedido via delivery. Esse período trouxe uma união maior e o desafio de nos reinventarmos.
A pandemia, tirando o lado triste, trouxe uma inteligência de mercado muito mais interessante e assertiva. Quem passou pela pandemia adquiriu um aprendizado que, talvez, não seria alcançado em 15 anos de gestão.
A hotelaria sai mais flexível da pandemia?
Wellington Melo: A hotelaria brasileira estava trabalhando no modelo home-office, depois foi para o híbrido, e, agora, posso dizer que 80 % voltou ao formato presencial, mesmo quem trabalha na área administrativa.
Há quem aproveitou para ampliar a flexibilidade. Eu acredito no modelo de gestão mais horizontal. No hotel Unique, a gente tinha mais níveis hierárquicos. As decisões, muitas vezes, ficavam mais para as altas direções.
A gente mudou e começamos a trabalhar a gestão horizontal. Para saber o que o cliente está buscando, não é ao gerente do restaurante que você vai perguntar, mas sim ao garçom, que atende, que olha no olho do cliente e sabe como o cliente olhou o cardápio, sabe a reação do cliente quando o prato chegou à mesa.
Em nosso processo de tomada de decisão, a gente envolve os profissionais estratégicos que estão na base, na linha de frente, na liderança e na alta liderança para que, juntos, sejamos mais assertivos em nossas decisões.
No hotel Unique, todos os profissionais da área administrativa trabalham no modelo híbrido – três dias no escritório e dois no home-office.
Quais os caminhos para hotelaria ampliar a diversidade na prática?
Wellington Melo: A hotelaria tem novas demandas. Precisamos trabalhar a sustentabilidade, a governança corporativa, a diversidade e toda parte ambiental.
O hotel Unique sempre teve um DNA muito diverso, mas era uma diversidade intuitiva. Quando eu entrei no hotel já tinham muitos profissionais negros na linha de frente. Em outros hotéis, os profissionais negros ficavam escondidos na cozinha, limpando…
Começamos a fazer um trabalho para fundamentar essa diversidade. O intuitivo se tornou mais propositivo. Em 2019 criamos um comitê de diversidade para tornar o ambiente confortável e o melhor possível para todos.
O trabalho para ampliar a diversidade no hotel requer organização. Se não tiver direcionamento e dedicação para que ele realmente aconteça, ele sempre será deixado em segundo plano, pois a operação dentro da hotelaria vai consumindo.
A criação do comitê nos possibilitou esse direcionamento. Implementamos um calendário de treinamentos sobre diversidade que compreende o tema como um todo, o respeito, questões raciais, de gênero, de comunicação… é um trabalho de conscientização e educação.
A preparação do hotel é essencial para ampliar a diversidade. Na hotelaria, por exemplo, a gente se troca no hotel, toma banho no hotel… a gente precisa entender e preparar o ambiente para acolher os novos profissionais, como as pessoas trans.
Por meio do comitê fizemos um senso interno para entender a nossa população profissional – quantos profissionais temos mulheres, profissionais negros, profissionais gays… e as posições que ocupam no hotel. Esse senso é fundamental para direcionarmos as ações.
O trabalho de diversidade precisa começar já na contratação, com o direcionamento da vaga pela área de recursos humanos. A contratação direcionada torna o processo mais assertivo.
Além das iniciativas realizadas dentro do hotel, também apoiamos muitos eventos sobre diversidade, como o evento de empreendedorismo trans, da Raquel Virgínia, mulher trans vinda da periferia; o evento da revista Raça; o evento de jovens negros e mercado de trabalho; os eventos da Câmara LGBTQIAP+…
Os uniformes dos profissionais do hotel Unique eram separados. A mulher trabalhava de vestido e o homem de calça, camisa e colete. Hoje não temos mais uniformes masculino e feminino. O profissional escolhe qual deseja usar. Temos muitas mulheres que preferem trabalhar de calça, camisa e colete. É uma ação simples que muda a percepção do funcionário de forma impactante.
O direcionamento da vaga é primordial.
Wellington Melo: A gente entende a necessidade de ter um direcionamento já na divulgação da vaga. A partir do nosso senso, faremos contratações direcionadas. A hotelaria precisa entender as demandas e o potencial de profissionais jovens, idosos, trans, negros, gays…
Se você parte do princípio de que a pessoa precisa se enquadrar e atender aos antigos padrões de recursos humanos, nunca conseguirá trabalhar a diversidade. O recrutamento direcionado é fundamental.
Não adianta falarmos que somos diversos e isso não se concretizar na prática. A diversidade, assim como a sustentabilidade, deve ser um propósito. Não pode ser apenas para falar para fora que somos diversos. A hotelaria está evoluindo nesses últimos três anos.
Na hotelaria, os discursos de diversidade já eram muito rasos quando comparamos com outros mercados. Quantas pessoas negras, por exemplo, estão em posições de liderança nos hotéis?
A diversidade já era uma preocupação das grandes redes internacionais. Quando pensamos na hotelaria brasileira, formada principalmente por hotéis independentes e pequenos, falar sobre diversidade é algo novo.
O hotel que não trabalhar a diversidade está fadado ao fracasso. Essa é uma exigência vinda do próprio consumidor, que vai entrar no espaço e vai querer entender o quanto se respeita a diversidade ali, se é sustentável… Hoje, as pessoas não querem só consumir.
E a sustentabilidade?
Wellington Melo: Há uma preocupação muito maior do que nos anos anteriores. Os hotéis estão pensando sobre o que pode mudar na operação em termos de plástico e todos os materiais. Na hotelaria de luxo é mais evidente a preocupação com a sustentabilidade.
Hoje, muitas empresas internacionais enviam um questionário sobre sustentabilidade antes de fazer uma negociação. Elas querem saber se o hotel trabalha a sustentabilidade, se usa plástico… tudo isso para o hotel entrar na cotação para receber um evento.
Então, a gente percebe que é um movimento determinante. Quem não começar a se adequar vai ficar fora do mercado hoteleiro. Daqui a pouco, ser sustentável será uma obrigação.
Qual é o momento vivido pela hotelaria de luxo no Brasil?
Wellington Melo: A gente está voltando o olhar para um luxo que não é mais aquele luxo antigo, de ostentação, de fartura exacerbada. Hoje em dia o luxo se reveste da preocupação com o desperdício e com a inclusão. E ainda bem que estamos falando sobre isso. Não podemos achar que somente um público específico pode consumir o nosso produto. O luxo consciente é extremamente importante.
O luxo, no Brasil, é formado pela periferia. A grande maioria dos garçons, cozinheiros, caixas, vendedores, não vive o luxo no dia a dia. Eles saem do trabalho e vão para o ponto ônibus e levam duas horas para chegar em suas casas. Eu, como gestor, tenho que ter a responsabilidade de preparar, capacitar esses profissionais e dar oportunidades para assumirem posições de lideranças.
*Zaqueu Rodrigues é jornalista convidado do DIÁRIO DO TURISMO (Leia entrevista completa de Wellington Melo na revista Paysage Hoteleira de Julho/23)