Vivemos tempos sombrios. A incerteza e a perplexidade têm causado mais vítimas que o Covid-19, pois minam a esperança e destroem os sonhos. O fato é que, com base nos dados de que dispomos podemos dizer que dias piores virão. Isto pode parecer pessimista, mas a crise que devemos temer não é a do Coronavírus, mas a que virá depois.
A crise na saúde pública, embora gravíssima, acabará em algumas semanas se soubermos tomar as medidas de proteção recomendadas pelas autoridades. Milhares morrerão, mas muitos mais, mesmo os infectados, irão sobreviver e superar. O que realmente devia assustar-nos são os efeitos do Coronavírus na economia dos países mundo afora. Estima-se que 25 milhões de empregos serão perdidos. Milhares de empresas desaparecerão do mercado, muitas outras terão de rever sua permanência nele e fazer ajustes dolorosos.
O mundo corporativo não está preparado para algo destas proporções. Milhões de vidas serão afetadas pela crise que virá após a cura do Covid-19 e, isso, sim, será a verdadeira calamidade que precisamos enfrentar. As medidas que precisaram ser tomadas até o momento já estão causando um desarranjo enorme no mercado. Muita gente não terá salário, porque o fluxo de caixa de milhares de empresas está comprometido. Os governos não poderão ajudar a todos, pois há limites e dificuldades de todo tipo. Por mais otimistas que queiramos ser, é preciso reconhecer que demorará muito tempo para que os mercados recuperem a normalidade, e isso é muito mais assustador do que a pandemia em si.
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Os governos não poderão ajudar a todos, pois há limites e dificuldades de todo tipo
É claro que nem tudo é negativo. Podemos sair da crise mais fortes do que entramos, mas isso exigirá disciplina, criatividade, espírito coletivo, muito trabalho e esforço e uma grande dose de sorte. Percebo que ainda há pessoas que não compreenderam a gravidade do problema em escala mundial. É pena. Não podemos continuar a fingir que nada aconteceu, que tudo não passa de um enorme surto de pneumonia que afeta os outros, pois nós somos imunes. Nada mais falso. Comportamentos assim em nada ajudam a encontrar soluções. Num momento em que o mundo precisa de união, solidariedade e esperança não podemos olhar para o lado e fingir que não é conosco. Há pessoas, por exemplo, que acreditam que esta é uma pandemia que mata idosos vulneráveis, e que, sendo jovens, pouco ou nada têm a temer. Nada mais falso. Ainda que sobrevivam ao vírus, e por certo a maioria de nós o fará, a crise econômica que virá afetará a todos, mesmo aos mais jovens, pois são os que viverão mais tempo e os que dependerão de condições favoráveis para iniciar uma carreira, suas vidas, constituir famílias.
A hora é de reflexão, mas, ao mesmo tempo de luta. Não podemos baixar os braços nem deixar que a desesperança nos impeça de usar nossas melhores energias para tentar evitar que as previsões mais sombrias se concretizem. Precisamos ser altruístas. Pensar nos outros, ajudar a quem pudermos. Empresários terão que pensar mais nas pessoas e menos nos lucros, mas isso não bastará. É preciso que todos nós, um por um, sejamos capazes de dar o melhor para mitigar o sofrimento do próximo. Não tenho medo de morrer com o vírus, o que me assusta mesmo é o medo de vir a perceber que a nossa sociedade não estava preparada para lidar com as consequências dele.
Protejam-se, isolem-se, colaborem com as autoridades e tudo não passará de um grande susto, mas estejam preparados para dar o melhor de si para o que vem depois. Só assim teremos o direito de olhar nossos filhos e netos e dizer: foi difícil, mas fiz o melhor que pude e ajudei a preservar um mundo onde ainda há espaço para a esperança. Pode parecer pouco, mas será o suficiente para que as próximas gerações nos olhem com respeito e consideração, e isso é tudo que nós, os mais velhos e vulneráveis (do ponto de vista da saúde e da economia) podemos esperar do tempo que nos resta. Vamos, então, aproveitá-lo da melhor forma: mostrar do que somos capazes e ao que viemos.
Que o Deus de cada um nos ajude a ser melhores para todos.
*Rui Jorge Carvalho é gestor de Novos Negócios na MVU Portugal (Grupo M21). Jornalista/Escritor