A escada vermelha do hotel

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Por Paulo Atzingen*

Vez ou outra em reunião familiar ou de amigos imploram que eu narre aquele episódio da escada do hotel. Provavelmente fico mais humano, amigo e “família” quando relato perrengues históricos, saias justas e infortúnios.  Até a geração mais nova sai de seu transe tecnológico e escuta. As pessoas estão cansadas de príncipes, gente que se dá bem em tudo e posa nas redes sociais com bens e coisas adquiridas, como poetou Fernando Pessoa há um século em seu Linha Reta: “Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo”…

A humilhação, a perda e o infortúnio geram uma dose de compaixão ou no mínimo uma boa sequência de risadas.

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Mas vamos ao case:

Estava eu metido no melhor terno entrando em um hotel refinado da capital econômica. Fora convidado para um workshop no 23° ou 24º andar- num restaurante com nome complicadíssimo mas com vista panorâmica pra tudo o que é Paulista.

Um grupo de grisalhos engravatados e bem vestidas senhoras pegaram o elevador da esquerda, fui atrás…falavam linguagem corporativa em inglês e enquanto tentava decifrar o que conversavam o elevador subia. E subiu bem como um foguete.

Quando chegamos ao 23° a trupe de engravatados saiu toda e eu, pensando como zebu, fui atrás. Ô ô, eram hóspedes iam para seus eventos a dois, ou a seis, não sei. Todas as fantasias me passaram pela cabeça quando aqueles três casais rindo e falando inglês britânico entraram em uma suíte com uma placa: private. Errara de andar. Voltei-me para o elevador mas este já descia longe.

Ideia estelar

Brilhou então a ideia estelar. Subir pela escada, faltava só um andar. Encontro uma porta de aço que dava para um cubículo de dois metros quadrados com uma outra porta de aço que provavelmente daria para a escada.

Dava. Deu. Contudo, todavia, no entanto, estranhamente, essa escada era a externa – exposta a chuvas e tempestades. Uma escada de incêndio, um apêndice necessário em tempos incendiários, imprevisíveis.

Subi para o último andar, o 24°, e diante da porta de aço o infortúnio, aquele sentimento infame de alcançar o cume da montanha no momento que chega uma tempestade: a maldita da porta não abria por fora!

Dei uns murros naquele ferro fundido para ver se uma alma pairando por ali pudesse abrir a muralha de aço. Nada. Desço um andar retornando ao 23°. Parecia a escotilha da Apolo 11. Também só abria por dentro! No 22° o drama espacial continuou, no 21° e no 20° idênticos: portas corta-fogo!. Me senti um ramster fora da gaiolinha…

Desço os 19 andares restantes suando como um cuscuz dentro do terno. Pra completar minha descida triunfal, tive que chamar o chefe do almoxarifado do hotel pra que autorizasse seu capataz a arrastar uns palets com uma caixas de repolho e mais alguns caixotes de verdura para eu chegar ao chão das docas sem quebrar a perna. A horrível escada vermelha não chegava até a terra. Questões de segurança.

Publicado originalmente no DIÁRIO DO TURISMO dia 27 de janeiro de 2020


*Paulo Atzingen é jornalista

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