A arte vem do espírito, ensina os livros e a vivência. E quando ela se manifesta com toda sua autoridade toca em cheio o coração das pessoas.
por Paulo Atzingen*
Os milhares de litros de vento e as toneladas de raios de sol que absorvi em minha recente viagem ao Rio Grande do Norte são intransferíveis, não posso doá-los a ninguém, mas são uma prova de que o amor permeia o espaço entre a arte e o espírito. Conhecer novos lugares, fatos e pessoas é a pepita de ouro do meu trabalho.
Vejam as irmãzinhas de Timbó. Sem bancos, linhas de crédito ou sugar daddy, mas cheias de compaixão, levaram esperança, comida, poço com água e força de vontade aos pobres e esquecidos da vilazinha potiguar. As atitudes voluntárias das irmãzinhas levantaram um povo emocionalmente destruído, amorosamente pauperizado e arrastaram consigo a paróquia, o padre, o bispo e o Vaticano. Todos se ajoelharam diante da atitude simples – mas tão difícil em tempos hodiernos – das irmãzinhas voluntárias. Nascia ali, em 1964, em meio ao sertão nordestino, a Campanha da Fraternidade. Uma flor brotou no asfalto escreveu Carlos Drummond. Um baobá brotou em Nísia Floresta, escrevo eu.
Dois novos amigos
A arte vem do espírito, ensina os livros e a vivência. Em meio aos raios de sol e sopros de vento incontáveis e incalculáveis conheço dois novos amigos: Caius Marcellus e Socorro Evangelista, filho e mãe, vento e sol.
São desses acasos do tamanho de um grão de areia que nascem a admiração e o respeito por pessoas aparentemente comuns mas que trazem em sua caixa de ressonância uma frequência modulada que é captada por nosso wifi de sangue e veias, por nossa parabólica de verbo e lógica.
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Sal da terra ao sal do mar
Caius é turismólogo formado pela UNP (Universidade Potiguar), pós graduado em Sustentabilidade Ambiental pela UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) e especialista em turismo pedagógico. Como guia de turismo potiguar ensina sobre as cores de sua terra, de seus rios e suas praias para a honra e glória de um mercado cada vez mais consumidor, que necessita cada vez mais de emprego, cada vez mais de trabalho e, paradoxalmente, cada vez mais de dinheiro. Caius mostra o Rio Potengi como a artéria que bomba o sangue do Rio Grande do Norte e leva o sal da terra para o coração do sal do mar.
Caius mostra o Rio Potengi como a artéria que bomba o sangue do Rio Grande do Norte e leva o sal da terra para o coração do sal do mar.
Mãe
Caius apresenta sua mãe, primeiramente com aquelas reverências que toda criatura tem ao apresentar sua argila original. A maneira gentil que esse filho de nordestinos fala de sua mãe me levava a crer novamente que o amor e a arte são indissolúveis: Socorro Evangelista, pintora, cantora, poeta, uma artista completa nos era apresentada ali, em meio ao sol e ao vento, sem cerimônias. Socorro Evangelista, fui pesquisar depois, é professora de arte da UFRN, aposentada, com vários premiações nacionais com suas pinturas, esculturas e com dois livros publicados.
Na visita ao museu de São Gonçalo do Amarante, a artista potiguar revela a linhagem da qual faz parte. Com a delicadeza de um beija-flor sobre a roseira canta a Rosa, de Pixinguinha.
Tu és divina e graciosa
Estátua majestosa
Do amor, por Deus esculturada
E formada com ardor
Da alma da mais linda flor
De mais ativo olor
Que na vida é preferida
Pelo beija-flor…
Nessa plantação e colheita de destinos brasileiros, entre descoberta de mártires santificados, mulheres abolicionistas e poetisas, rios que levam o sal da terra ao coração do sal do mar, reafirmo que a arte vem do espírito, como ensina os livros e a vivência. E quando ela se manifesta com toda sua autoridade, toca em cheio o coração das pessoas.
*Paulo Atzingen é jornalista e fundador do DT
Texto com muito primor.
Pessoas que enaltecem o nosso Rio Grande do Norte.
Parabéns pela descrição e lembranças da cidade e de pessoas que fazem a diferença