Resignado, espero #2 – Crônica de Osvaldo Alvarenga*

Continua depois da publicidade

“Eis o homem: jogando nos sapatos a culpa dos pés.”

Samuel Beckett 

Fadiga Pandémica é um tipo de cansaço que, segundo especialistas, ajuda a compreender a mudança generalizada de atitude em relação às medidas definidas pelos governos para conter o contágio do Novo Coronavírus. “É o esgotamento emocional produzido pelas tensões e preocupações acumuladas nos últimos meses como resultado da frustração com as restrições e medidas impostas pelos governos, o medo de adoecer ou infectar outras pessoas, a ameaça de uma situação econômica instável ou o medo de perder o emprego”, explicou Katrine Habersaat, especialista da OMS para a Europa. A expressão entrou na ordem do dia depois que a organização divulgou pesquisa segundo a qual o apoio social para medidas como lockdown, quarentena e isolamento social caiu substancialmente na Ásia, na Europa e na América do Norte.

Eu estou fatigado. Cansado desse assunto e ainda assim pouco mais resta-me a dizer. Escrevo sobre o que vejo e sinto. O que vejo e sinto hoje é a reprise do que vi e senti ao longo da primavera, nos dias fechado em casa, absorvendo todo tipo de informação sobre a nova virose. Mais do mesmo. Volto aos dias em casa, por “dever cívico”. E também porque não há tanto o que fazer fora. Com o outono, as chuvas, as caminhadas são menos frequentes, suspensas as esplanadas, os espaços fechados não me atraem. O uso obrigatório de máscara, agora também nas ruas, o que aprovo, diminui o prazer de sair. Não sei como é para você, sou um daqueles que adaptam-se mal à máscara. Incomoda-me imenso o bafo quente, o ar com pouco oxigênio e a boca sempre seca. Podendo, fico em casa.

Sinto-me menos rijo agora. Passou, ou diminuiu muito, aquela resiliência dos primeiros meses. Tem mesmo a ver com essa tal fadiga pandêmica. Toda a primavera preso, depois, o verão, ainda com cuidado, com alguma segurança para sair e, até, viajar pelo país, a frustração de voltar ao confinamento é grande. Acho que eu, e metade do mundo, mesmo sabendo que seriam muitos meses, mais de ano, em confinamentos vários, alternando liberdades e restrições, conforme calhasse ao vírus, agora, novamente enclausurado, sinto-me desanimado. Meço pelas fases da lua o tempo. Há mais de uma que voltei para casa. Longos dias de tédio. Hoje, a noite é de lua cheia.

Como os personagens de Beckett, abatido e ansioso, espero a salvação. Entre cético e confiante aguardo a cura que não sei quando ou se vem

Veja também as mais lidas do DT

Ontem foi dia de compras. Razão para sair. Escola e comércio abertos. Ruas cheias. Ônibus lotados. O corre-corre de sempre; quase normal. Todos mascarados. Imagem destes tempos. Há pessoas que seguem suas vidas, têm que seguir. Já eu, à toa, espero Godot. Tão clichê pensar nessa peça agora… Como os personagens de Beckett, abatido e ansioso, espero a salvação. Entre cético e confiante aguardo a cura que não sei quando ou se vem. Faço drama. Por terapia: falar abertamente sobre os sentimentos, angústias, medos e receios, reais ou imaginários, é excelente recurso para diminuir o estresse. Exercito, hoje, com você.

Há outro fator, secundário na peça, que, segundo os psiquiatras, pode ajudar ou piorar muito a saúde mental de quem tem a vida em suspenso: companhia. Cumplicidade ou aversão àqueles com quem passamos os dias. Aos que passam sós, vai depender do quanto são mais ou menos indulgentes com eles mesmos. Não tenho problemas assim. Gozo de privilégios: os dias são meus e tenho, de todas, a melhor companhia.

Mais um dia que vai
Mais um qu’eu fico à espera
Sem dever e sem rua.


 

Publicidade

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Recentes

Publicidade

Mais do DT

Publicidade