Nesta entrevista da série “Entrevistas Presidenciais”, o DIÁRIO conversa com Jurema Monteiro, presidente da ABEAR, que fala sobre o mercado brasileiro da aviação, a presença das mulheres no setor e no turismo, reforma tributária e muito mais.
Uma vez, Amelia Earheart disse: “Coragem é o preço que a vida exige em troca de paz”. Como a primeira mulher a cruzar o Atlântico de avião, ela experimentou bem isso, deixando um legado inspirador para as mulheres que também desejam conquistar seu espaço.
Hoje, Jurema Monteiro também faz história. Como a primeira mulher na presidência da ABEAR (Associação Brasileira das Empresas Aéreas), a missão é grande e Jurema atende com profissionalismo, simpatia e coragem trazendo uma vasta bagagem.
Nesta entrevista exclusiva, Jurema Monteiro falou sobre sua carreira, os desafios e o potencial do setor da aviação, reforma tributária, Combustível Sustentável de Aviação (SAF) e sobre o legado que Eduardo Sanovicz deixou. Confira:
Publicado em 12 de setembro (RETRÔ 2023)
DIÁRIO – Jurema, você atuou em diversas agências de viagens, lecionou na Universidade de Brasília (UNB) trabalhou em importantes órgãos para o turismo brasileiro, Embratur e o Ministério do Turismo. Com essa experiência toda, foi fácil aceitar presidir a ABEAR?
Jurema: Fácil, não diria que á palavra, mas eu acho que foi orgânica. É parte da minha trajetória, que vem sendo construída nesses últimos 25 anos, desde que eu comecei a atuar no setor de turismo. Eu sou de uma família de classe média, pais trabalhadores e servidores públicos, e sempre gostei muito de viajar, embora minha família não tivesse muito acesso.
A primeira vez que eu andei de avião, acho que eu tinha uns 13 anos, eu achei aquilo incrível e falei: “ah, quero fazer isso da vida”, e acabei optando por cursar Turismo, e tive ótimas oportunidades e grandes professores nos trabalhos por onde eu passei…
Com isso, eu fui construindo uma bagagem que me faz chegar a essa posição aqui na ABEAR com algum conforto e conhecimento, experiência, para dizer que, não é que é fácil. Mas acho que é orgânico, é natural estar aqui. Claro que tem muitos desafios, o setor aéreo, o setor de turismo também, que enfrenta hoje um momento muito desafiador, nos seus custos, no diálogo com os consumidores, no diálogo com a sociedade, de forma como um todo. E um olhar para o futuro muito importante, assim: “Como nós queremos nos desenvolver e contribuir para o mundo daqui para frente?”
Então, essa experiência acumulada me faz ter segurança de que a gente tem as ferramentas para esses desafios, mas tem muito trabalho pela frente.
“Criar diagnósticos, construir relações e engajar pessoas”
DIÁRIO – Você também tem especialização em comunicação e mestrado sobre cocriação na Universidade de Brasília (UNB). Pode nos contar um pouco mais dessas experiências e em que elas são importantes em sua formação?
Jurema: Acho que ao longo desses anos, todas as minhas formações, desde a faculdade, à especialização, mestrado, tem contribuído para formar uma visão mais ampla dos ambientes onde eu navego, onde eu “vou voando”. Isso porque, com a formação em turismo, eu entendi a complexidade desse ecossistema do setor que a gente trabalha.
Mas a especialização em comunicação, e o mestrado, eu acredito que aprimoraram um pouco a minha capacidade de criar diagnósticos, de construir relações, eu acho que isso é fundamental para o desenvolvimento do meu trabalho, hoje em dia. Ele é baseado em informações, construir relações, mas também criando propósito em comum. Então, eu tenho que falar com pessoas e preciso engajá-las nessas nossas agendas, nos nossos temas, e a especialização em comunicação, o mestrado também, me ajudaram a criar essas pontes.
“Mulheres ascendendo a cargos de liderança”
DIÁRIO – Você foi diretora e atualmente, é presidente da ABEAR. Além disso, é a primeira mulher a liderar a Associação. Por conta da aviação ainda se tratar de ser um setor predominantemente masculino, você sentiu alguma resistência ao assumir o cargo?
Jurema: Eu acho que nós, mulheres, ainda temos bons desafios para vencer. Não acho que a gente tenha hoje um ambiente fechado, pelo contrário. Assim, a própria ABEAR, por exemplo, é signatária de um acordo, de um compromisso, na verdade, com a IATA, de ter pelo menos 25% de mulheres em cargos de direção. No nosso caso, temos mais do que isso, porque dentro da ABEAR, somos um time de liderança. Além de mim na presidência, a Karen coordenando toda a área de Comunicação, e a gente tem um ambiente bastante plural aqui. E eu vejo isso acontecer também nas nossas associadas, cada vez mais.
Tanto na GOL, quanto na LATAM, quanto na Voepass, a gente vê mulheres ascendendo a posições de liderança. Acho que nós somos desafiadas sempre pelo ambiente externo, mas acho que a gente é mais desafiado por nós mesmos. Acho que a gente se cobra, nós mulheres, a gente se cobra muito para ser 100% eficiente, e é bom. Porque eu acho que a gente consegue entregar um trabalho de altíssima qualidade. Mas, às vezes, na nossa concorrência entre homens, a gente poderia se cobrar um pouquinho menos, talvez, e continuar entregando um trabalho. Mas, usualmente, a gente se cobra bastante.
Um ambiente receptivo
Eu acho que encontrei um ambiente bastante receptivo. Quando o nosso Conselho, ao tomar a decisão de me convidar para essa posição, sabia desse desafio que nós temos no mundo. Mas justamente por isso, acho que sinalizou também essa possibilidade de termos na presidência uma mulher, negra, porque isso simboliza muito para o nosso País, para os dias que nós estamos vivendo.
“Espaço para crescer, com novas empresas, e com aquelas que já estão aqui”
DIÁRIO – Como você avalia o mercado de aviação brasileiro, com ainda poucas companhias aéreas oferecendo serviços à população, e uma tarifa média muito elevada para o consumidor em geral?
Jurema: A aviação é um setor que no mundo inteiro, se comporta de forma muito parecida. Mesmo nos mercados muito competitivos, como Europa, Estados Unidos, ou países aqui, nossos vizinhos, a gente não tem proliferação de muitas empresas. É um mercado, que de fato, ele é muito intensivo em capital. Então, para começar uma empresa aérea, é preciso muito investimento. E é óbvio que esse investidor vai olhar para todo o ambiente em que ele está entrando: a segurança jurídica que aquele mercado tem, a reposta da demanda, os sinais e os indicadores econômicos.
Eu acho que nesse contexto, o Brasil tem se mostrado muito competitivo e resiliente. Nossas empresas aéreas brasileiras superaram os desafios da pandemia sem receber diretamente nenhum investimento de recurso público, diferente de muitos mercados no mundo todo.
Elas conseguiram superar, graças à uma eficiência na sua operação. As equipes foram muito eficientes, e acho que hoje a gente conseguiu ali, com um esforço conjunto, que envolveu a ABEAR, que envolveu as Associadas, que envolveu o nosso Congresso, que foi sensível em medidas de flexibilização, de, por exemplo, remarcação e reembolsos, que ajudaram as empresas no caixa naquele momento. Então com esse contexto, eu acho que eles conseguiram atravessar esse ambiente mais hostil dos últimos anos.
A gente apoiou, desde 2018, uma Medida Provisória, que acabou convertida em lei e hoje permite a 100% de investimento de capital estrangeiro em empresas no Brasil. Antes a gente tinha uma restrição de 20%, que foi ampliada a 100%. E é muito saudável que outros investidores possam vir para o País. A gente entende que esse é um ambiente aberto e que deve ser preenchido. Mas fato é que nesse momento a gente não viu isso se concretizar. Hoje, pelo menos, que eu tenha conhecimento, nenhum grupo estrangeiro está chegando no País, aportando recursos, para operações domésticas.
Acho que isso também me reporta àquelas primeiras questões: o ambiente que a gente tem, se ele está seguro o suficiente para atrair esses investidores? Se ele está aquecido, do ponto de vista de demanda, para atrair novos investidores? Tendo essa convergência de atores, acho que sim, a gente tem espaço para crescer, até mesmo com novas empresas. Mas também com as empresas que estão aqui instaladas, porque elas são muito eficientes.
Hoje a gente tem, nas aéreas brasileiras, um quesito de pontualidade, de regularidade, de atendimento, com um padrão que se equipara a qualquer outro mercado competitivo fora do Brasil. Ainda que a gente tenha um número de viagens per capita baixo. Hoje a gente tem um número muito reduzido de viagens por pessoa, e em um País como o Brasil, a gente sabe que isso pode aumentar, e a gente trabalha para isso.
Na ABEAR, nossa missão é essa. É apoiar o desenvolvimento de políticas públicas, de medidas que a gente possa fomentar para que o setor cresça, que é o que a gente mais quer. Transportar mais gente e atender mais gente.
“Defendemos que a Reforma Tributária seja justa”
DIÁRIO – O projeto de Reforma Tributária tramita no Congresso. Na sua opinião, a adoção de uma alíquota diferenciada para o setor de turismo resolve os gargalos das companhias aéreas? Comente por favor.
Jurema: Na verdade, a gente tem vários desafios postos hoje em dia. Pensando então o que aconteceu no setor nesses últimos anos: nós vivemos, durante a pandemia, um momento muito difícil, que a gente reduziu muito a receita das empresas e manteve, ou até ampliou, na verdade, os custos de operação. Porque agente viu uma disparada do câmbio em relação ao período pré-pandemia. Depois, uma disparada do preço do combustível, e a própria questão do custo.
No geral, a gente sabe, independente de ser do setor aéreo ou não, o nosso custo de vida hoje é muito maior do que era em 2019, pré-pandemia. Então, o grande desafio que a gente tem hoje em dia é estabelecer medidas estruturantes para que a gente possa retomar um ambiente de custo competitivo. Um ambiente em que as empresas possam investir e crescer.
Um dos desafios postos está relacionado às questões tributárias. Há muitos anos, o Brasil debate um modelo de Reforma Tributária. E a ABEAR tem sido vocal em defender a Reforma Tributária, em que sentido: a gente ter um sistema que simplifique, vai nos dar mais eficiência. É importante para a aviação, é importante para os setores econômicos. Mas a gente defende que essa reforma seja feita de forma justa, sem aumentar aquilo que é tributável dos setores.
Então, a gente tem, no setor aéreo uma tributação bastante fragmentada. Temos algumas alíquotas impostas para o doméstico, outras para o internacional, algumas para carga. A unificação em um único tributo é bem vista e positiva, porque simplifica. Mas o que a gente tem discutido é que não haja aumento de carga tributária.
Da forma como o texto foi aprovado na Câmara dos Deputados, analisando esse texto, a gente percebe que há um risco e uma comprovação, na verdade, de aumento de carga. E aí isso vai nos prejudicar porque o aumento de carga significa mais custo, mais custos que não podem ser absorvidos pelas empresas. E que se forem repassados para o usuário, vão deixar o produto mais caro. Estamos falando do risco do setor encolher, e deixar de crescer e ficar mais atraente para mais turistas poderem viajar, para mais passageiros poderem viajar.
A gente entende que uma alíquota reduzida, um bom regime especial, são importantes para o Brasil manter o que a maioria dos mercados desenvolvidos e que implementaram isso fizeram. Ou seja, que é manter um tratamento especial para o setor aéreo, que é um setor que acaba induzindo o desenvolvimento econômico. Seja no setor de serviços, de turismo, de eventos. Então, essa neutralidade por meio de uma alíquota reduzida ou regime especial é o que nós temos defendido agora na tramitação no Senado.
Programa Combustível do Futuro
DIÁRIO – A ABEAR tem apoiado o Programa Combustível do Futuro, regulamentando a produção e o uso do Combustível Sustentável de Aviação (SAF). Você pode comentar como o Brasil, em especial as companhias aéreas nacionais, se posicionam neste tema?
Jurema: Essa é uma outra agenda importante para a gente, falando de futuro, falando de desenvolvimento do setor daqui para a frente. Ao mesmo tempo em que a gente hoje debate muito os custos do setor atualmente, usando o combustível fóssil, a gente tem olhado para o futuro e buscando estabelecer medidas para cumprir o compromisso que o setor aéreo tem no mundo todo de redução ou neutralização de suas emissões até 2050.
A agenda de sustentabilidade deixou de ser um projeto, ela é um fato, então, assim, a gente precisa tomar conta – cada um de nós, cidadãos do mundo -, dos setores econômicos, de medidas que nos ajudem a ter um meio ambiente mais equilibrado.
“O Brasil tem uma das frotas mais novas do mundo”
Para chegar à essa realidade, o setor aéreo tem investido muito em pesquisa, em desenvolvimento, e aí existem alguns caminhos de curto, médio e longo prazo. No curto prazo, o que é possível fazer: é possível investir em inovação tecnológica. Então, por exemplo, a renovação de frota é algo que nos ajuda muito a ganhar eficiência, a reduzir o custo de combustíveis e a redução de emissões. E as empresas investem muito nisso, o Brasil tem uma das frotas mais novas do mundo.
Eficiência operacional e redesenho das rotas
O segundo caminho de curto prazo é o ganho de eficiência operacional, e até hoje a gente divulgou uma nota falando de um trabalho conjunto que a gente tem com o DCE, que faz o controle do espaço aéreo, que nós fizemos ao longo de 2022 todo um trabalho de redesenho ou um recálculo de rotas aéreas para ganhar eficiência.
Então se eu consigo ligar uma cidade à outra com uma rota mais curta e diminuo o tempo de voo, eu diminuo o consumo de combustível. Naturalmente, eu diminuo as emissões de gases. Então, esse é um trabalho muito positivo que a gente consegue desenvolver agora, No curto prazo, e a ABEAR tem participado ativamente dessas agendas junto com as associadas.
Medidas a médio prazo
Já no médio prazo, para se atingir a neutralidade, a gente aposta muito na utilização dos créditos no mercado de carbono. Mas para a gente atingir isso com mais segurança, é muito importante que o Brasil avance numa regulamentação do mercado de carbono. Porque, no longo prazo, a maior aposta do setor é no uso de um combustível sustentável.
Mas essa é uma medida que envolve muitas decisões e investimentos e por mais otimista que a gente seja, o Brasil tem muito potencial para se desenvolver nessa agenda, nós vamos levar alguns anos ainda para chegar a uma produção de SAF, como a gente chama o combustível sustentável, em quantidade suficiente para abastecer o setor.
Até a gente atingir isso no longo prazo, a regulamentação do mercado de carbono talvez seja a medida intermediária mais importante para a gente investir. O Brasil também tem muito potencial para crescer nesse mercado. Então, ao longo do tempo, até 2050, nós esperamos muito que essas 3 agendas, de curto, médio e longo prazo, possam crescer.
A gente tem fomentado muito uma discussão com o Governo, incentivando a regulamentação tanto do mercado de carbono quanto um marco regulatório para o combustível sustentável. Porque nesse marco regulatório, a gente entende que vai estar a segurança jurídica e os elementos de incentivo para a produção de SAF.
O que é importante falar quando a gente fala de incentivo? A gente sabe, existe um custo para transição energética. Sair do combustível fóssil para o combustível novo envolve muito investimento. Mas a gente tem apostado e dialogado com outros países, buscado boas práticas, para ver que é possível fazer isso, incentivando. Buscando linhas de financiamento, de subsídios mesmo. Ainda que seja de subsídios para que a gente chegue em um combustível novo e economicamente viável. Sem que isso gere aumento de custo para o setor.
As lições de Eduardo Sanovicz: “Valorizar as pessoas e estar sempre preparado”
DIÁRIO – Quais foram as lições deixadas por Eduardo Sanovicz?
Jurema: Eu trabalhei com o Edu nos últimos 21 anos. Nós nos conhecemos há muitos anos, e nos últimos 21 anos, nós estivemos próximos. Durante 3 anos na Embratur, e nos 8 anos aqui na ABEAR. Então, a gente teve uma convivência muito próxima, eu e o Eduardo. Eu acho que ele é um grande mestre e me ensinou muita coisa. Eu acho que, principalmente, assim, o maior aprendizado com ele está relacionado à como lidar com as pessoas.
Olhar, prestar atenção nas pessoas, valorizar as pessoas, sejam elas aquelas que estão no nosso dia a dia, como time, como equipe, sejam os colegas e amigos que a gente vai fazendo ao longo do nosso dia a dia de trabalho. Acho que essa era uma grande virtude do Eduardo, que nos ensina muito.
E eu acho que tem um segundo aspecto, assim: o Eduardo era um ser político. Ele estava sempre pensando, com a mente muito atenta aos movimentos, tendências. E com isso, muito atento ao planejamento. Ele sempre estava pronto e com algo planejado para o que viria a acontecer em seguida. Claro que nem sempre a gente acerta, mas ao ter as coisas planejadas, a vida fica mais ordenada. E esses dois aprendizados eu acho que ficam comigo: olhar com atenção para as pessoas e planejar. Planejar a vida, planejar o futuro.
Recado para as mulheres
DIÁRIO – Para finalizar, qual sua dica ou recado para as mulheres que também querem empreender ou entrar no setor aéreo e no Turismo?
Jurema: Eu acho que a gente não tem que ter medo. Tem vontade, tem que ir atrás, tem que se preparar. Acho que estudar e conhecer os assuntos que estão no nosso dia a dia, são fundamentais. Mas o que eu disse aqui também é verdade: que a gente se cobre menos. Que a gente acredite mais nas nossas competências, e se cobre menos também. Porque eu acho que isso nos traz mais leveza para encarar os desafios.
Para saber mais, acesse o site oficial da Associação.
Por Caroline Figueiredo – repórter do DT COM EDIÇÃO.