O hidrogênio verde (H2V) é considerado o “combustível do futuro” e está despontando no mundo como a principal aposta energética; ele é classificado como uma energia limpa por possuir emissão zero de carbono. Resta saber se o lobby do petróleo deixará.
Por Paulo Atzingen, de Fortaleza*
Não pude voltar à Canoa Quebrada nesta minha passagem por Fortaleza. Foi lá que vi as jangadas dos pescadores sopradas para o mar adentro. Foi lá que, aos 18, a lua e a estrela entalhadas nas falésias traçaram minha própria via-láctea.
Não fui à Canoa Quebrada e a opção foi sorver o calor da capital cearense e surfar suas ondas de progresso e antagonismos.
A faixa litorânea foi tomada por espigões de concreto e vidro, a geração fitness tomou conta do calçadão e me integrei a ela: corri, nadei, pedalei sob um sol de verão tropical. Visitei a feirinha de artesanato, transformada em uma organizada feira de artesãos cearenses cadastrados e com carteirinha.
Esta feira hippie que conheci nos anos 80 do século passado guarda reminiscências da mais pura expressão cearense: as garrafinhas com areia e paisagens minúsculas moldadas à agulha, os bordados sobre o tecido que foi saco de cereal trazido do sudeste, a renda feita pelas mãos calejadas da mulher cantada por Luiz Gonzaga e a própria literatura de cordel relatando a peleja do homem com o Dono do Céu.
A feira de artesanato é, sim, desde os primórdios, o local onde se bebe um pouco de humanidade e o valor intrínseco dos trabalhos vira do avesso o vício de se colocar preço em tudo. Existem coisas que não têm preço por sua grandeza.
Transição energética
Mas não só de lembranças vivo o Ceará. O estado experimenta a vanguarda da produção de hidrogênio verde (H2V) no Brasil. Essa terra do sol também é a terra dos ventos e as pás eólicas distribuem-se pelo litoral em enormes investimentos para a pátria tropical mas que até hoje vive (uma boa parte) na era do petróleo e seus derivados finitos e poluentes. O que nos salvou até agora foram os rios e nossas usinas hidrelétricas!
Visitei o barco Energy Observer que fez sua escala no Brasil. Seus engenheiros e cientistas estudam nossos avanços no Etanol e elogiam o prodígio que somos em vento e sol. Esse barco francês trouxe o futuro para hoje. As cabeças pensantes e os corações pulsantes que conheci ali no Marina Park de Fortaleza me mostraram que a transição energética está atrasada aqui algumas décadas, ou quem sabe, um século no planeta!!
Ainda o carvão
O Energy Observer nos trouxe uma lição de humanidade e solidariedade quando nos mostra o atraso energético em países da África e da Ásia que ainda usam o carvão como principal fonte de geração de energia.
O Energy Observer, com suas placas solares, propõe a quebra de um padrão mental, o rompimento de uma cadeia viciosa e viciante montada sobre o petróleo e seus derivados, indica o rompimento de uma usina mundial carbonífera produtora de estragos ao ambiente e à saúde humana, causadora de desastres ecológicos, cicatrizes irreversíveis ao planeta.
O que vi nessa viagem ao Ceará é o início de uma batalha que ainda requer convencer governos, sistemas políticos e econômicos. Não vai ser fácil desmantelar uma indústria que aumenta a temperatura global, muda o ciclo das estações, seca os rios, provoca incêndios e inundações, e, arrisco dizer, financia a guerra.
Não vai ser fácil desmantelar uma indústria que aumenta a temperatura global, muda o ciclo das estações, seca os rios, provoca incêndios e inundações, e, arrisco dizer, financia a guerra.
O barco que saiu da França em 2017, já atravessou o Atlântico, o Pacífico, o Índico e inaugura uma nova era de conscientização para a mudança de mentalidade energética global. Por onde passa ele educa, informa, conscientiza e mostra provas contundentes dos efeitos nefastos que o atual modelo energético pode nos levar e já está nos levando. (Confira o site do Energy Observer)
Diferente do escritor francês Júlio Verne que tinha a imaginação ventando a seu favor e fez viagens utópicas em volta da Terra em 80 dias, à Lua, ou até mesmo ao centro da Terra- sem tecnologia suficiente em pleno século XIX -, o Energy Observer não trabalha com imaginação, mas com dados concretos.
O hidrogênio verde além de oferecer mobilidade no futuro para trens, automóveis, navios e aviões ajudará na descarbonização da indústria seja ela qual for.
Segundo o capitão e fundador do Energy Observer, Victorien Erussard, seu projeto tem como alvo revolucionar o transporte com o hidrogênio verde e oferecer à sociedade alternativas não só de energia limpa, mas de sobrevivência.
“O EO nos lembra até que ponto a descarbonização deve andar de mãos dadas com uma verdadeira política de justiça social” disse-me Victorian ao se referir à grave crise na Cidade do Cabo, com apagões de energia elétrica diários.
Digo a ele, com a ajuda do tradutor francês, que ficamos nesses últimos anos obscecados por bolsas de valores, por oscilações do dólar, pelo posicionamento das multinacionais, focados nos bons e rentáveis negócios e, em última análise, no lucro econômico e tomamos péssimas decisões quanto ao meio-ambiente…
“Criamos cidades imensas e empurramos para debaixo do tapete o lixão e jogamos para dentro do mar nosso esgoto”, lamentei.
Ele respondeu que o Energy Observer une, conecta mundos que muitas vezes se ignoram: “Somos exploradores e empreendedores, marinheiros e engenheiros, idealistas e realistas”, enumera.
Eles são porta-vozes da mudança e da inovação verde para os decisores políticos, governos e empresas fabricantes. Eles não fazem manifestos verbais ou passeatas em favor de uma causa. Eles são o próprio manifesto, eles são a própria causa, constatei!
Oferecem com seu exemplo e trabalho novas formas de melhorar o nosso modo de vida, com mais otimismo, beleza e esperança.
O mesmo otimismo, beleza e esperança dos meus 18 anos, ao olhar a feirinha de artesanato de Fortaleza, ou ver as jangadas dos pescadores mar a dentro e mar a fora em busca do peixe, em Canoa Quebrada.
Hidrogênio Verde no Ceará
Produzido com energia limpa, sem emissão de carbono, o H2V tem o custo da produção como seu maior desafio.
Em um mundo no qual o clima e meio ambiente têm sofrido cada vez mais os efeitos negativos do uso de combustíveis fósseis, o uso do hidrogênio renovável passou a ser essencial para a descarbonização do planeta.
O H2V é obtido por meio de um processo químico conhecido como eletrólise, em que se utiliza a corrente elétrica de fonte renovável para separar o hidrogênio do oxigênio que existe na água.
O Ceará está na vanguarda na produção de energia renovável. O primeiro parque eólico comercial ligado ao sistema elétrico nacional é no território cearense, o Complexo Termelétrico do Pecém, em São Gonçalo do Amarante, na Região Metropolitana de Fortaleza.
A energia vinda do sol e do vento é fundamental para abastecer os eletrolisadores e faz com que o país tenha boa competitividade na produção do hidrogênio verde.
Essa tecnologia inovadora usa a corrente elétrica para separar o hidrogênio do oxigênio que existe na água e, assim, produzir energia.
Quanto Custa?
O hidrogênio verde é produzido a um custo que varia entre 2 e 5 euros por quilograma. No Brasil, o preço médio atual está em torno de 6 dólares por quilograma, chegando a quase 9 dólares em algumas regiões do mundo (fonte: PWC – PricewaterhouseCoopers)
*O jornalista Paulo Atzingen viajou a Fortaleza convidado pela Accor