Leandro e Jamil: muito além de big brothers

Continua depois da publicidade

Leandro e Jamil estão sendo chamados de big brothers do meu prédio. Eles estão ali fora dependurados na janela pintando a fachada das torres. Todos dão uma espiadinha para admirar o trabalho e torcer por eles.

por Paulo Atzingen*


Ao chegar no prédio esta manhã encontrei os dois preparando os equipamentos de escalada para mais um dia de trabalho. Como furadores de poço, homens-balas de circo ou tratadores de leão no zoológico, Leandro e Jamil são homens que executam uma atividade de alto risco e são considerados por mim heróis operários.

Veja também as mais lidas do DT

No pouco que conversei com um deles – (já estavam se concentrando para o rapel urbano de cada dia) soube que Leandro trabalha há 10 anos para a construtora do prédio, também responsável pela pintura. Jamil está na firma há menos tempo, 6 anos, mas ambos têm a mesma função: pintores de fachada.

Para mim, são mais do que isso. São piloto e co-piloto, comandantes de duas cordas de nylon, duas bacias de tinta e dois rolos-pincéis que ao gravitarem no ar – entre um bloco de concreto e uma reentrância de parede -, confundem os conceitos que tenho do que é trabalho e do que é ócio, do que é ser produtivo e improdutivo, do que é ter medo e do que é ter coragem. Pintam dois andares por hora, contornam o batente das janelas laterais com os pincéis menores com a precisão cirúrgica dos pilotos da esquadrilha da fumaça que fazem desenhos no céu. Não tem vento, não tem sol ou maresia que os intimide.

Leandro e Jamil estão gravitando a 60-70 metros de altura e seguros por uma corda de nylon
Para mim, Leandro e Jamil são muito mais que pintores de fachada ou big brothers de condomínio

Suspensos, ao executarem seu trabalho, seguem um ritmo coordenado e planejado, exaustivamente repetitivo: encharcam o pincel-rolo na lata de tinta que gravita colada ao corpo, escorrem o excesso na borda da lata e, em um impulso, elevam a espuma do rolo para cima e para baixo em uma exatidão de força, de espaço e de equilíbrio.

As quatro faces de meu prédio estão sendo pintadas desde dezembro por estes operários. Todos daqui do prédio dão uma espiadinha no trabalho deles. 

Leandro e Jamil estão gravitando a 60-70 metros de altura e seguros por uma corda de nylon. Estão encaixados em uma tabuinha de madeira que tem o estranho nome de assento. Jamil e Leandro ganharam muitos amigos nas duas torres que já pintaram. Ganharam presentes de Natal, bebidas no Ano Novo. Mas aqui, na Torre B, não queremos apenas dar presentes a estes operários. Queremos elevá-los a um nível mais alto. Chamá-los de big brothers é desmerecê-los como profissionais e dar destaque a um Brasil que valoriza rostos e corpos e quase nunca, a coragem, o trabalho.

Para mim, Leandro e Jamil são muito mais que pintores de fachada ou big brothers de condomínio. Por sua coragem e ousadia são o traço mais perfeito do brasileiro com suas imperfeições, limitações e deficiências. Leandro e Jamil estão ali pendurados não porque são operários padrão, mas porque precisam arriscar a própria vida para se destacarem dos milhares de operários medianos que estão no chão. Leandro e Jamil estão ali pendurados não porque são ilimitados em talento ou coragem, mas porque foram buscar ali no âmago de sua necessidade mais dura (leia-se a fome, a falta de moradia, ou de oportunidade) a força para enfrentar a força da gravidade. Leandro e Jamil estão ali pendurados não porque nasceram eficientes para pintar paredes a 100 metros de altura, mas porque tornaram-se eficientes pela prática da coragem.

Leandro e Jamil são os big brothers do meu prédio. Eles estão ali fora dependurados na janela pintando a fachada das torres. Todos dão uma espiadinha para admirar o trabalho e torcer por eles.


*Paulo Atzingen é jornalista e fundador do DIÁRIO DO TURISMO

 

Publicidade

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Recentes

Publicidade

Mais do DT

Publicidade