E o Oscar foi para… o tapa na cara do senso comum

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Todos sabem o que aconteceu na cerimônia do Oscar no último dia 27/03. E provavelmente essa tenha sido a edição mais (re)vista e comentada da história do evento.

por Otávio Novo*


As opiniões sobre o ocorrido entre o ator e o apresentador, transmitido ao vivo para milhões de pessoas e visto por bilhões, se multiplicam de forma impressionante pelas timelines, tvs e bate papos do planeta.

Conteúdos de todos os temas têm sido publicados usando o caso, inclusive, vejam só, sobre Gestão de Riscos e Crises. Cada um de nós vendo as imagens da cena do tapa e analisando o contexto pode tirar suas conclusões. A situação é um exemplo resumido de gerenciamento de crises, das decisões relacionadas e seus efeitos.

E a principal questão que aquele episódio nos traz parece ser a relação entre os limites do humor e das reações diante de eventuais excessos. Fato é que tendo nossas certezas diante de assuntos como esse, ainda nos surpreendemos ao descobrir que existem pessoas que pensam tão diferente. E muitas vezes, pessoas que aparentam ter alinhamento com o que consideremos o ideal a fazer ou do que evitar.

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Isso é cada vez mais comum e apesar de ser um golpe que estala, dói e ofende (tudo em
sentido figurado), esse esclarecimento nos faz enxergar melhor o nosso estágio atual como
sociedade. E que o senso comum é cada vez mais frágil e questionável.

A boa notícia é que essa oportunidade de nos entendermos melhor é sempre uma certeza
quando tratamos de situações sensíveis e crises. Nesse caso podemos ver que um ponto em especial causa a maior divergência: as agressões em geral como justificativas da agressão física. E por agressões em geral podemos entender como ofensas, acusações, preconceitos, discriminações, bulling, etc.

Parte da opinião pública discorda e parte concorda que uma agressão verbal é justificativa
para uma agressão física. Alguns, na “terceira via” dessa questão, dizem não concordar
mas sim compreender essas reações físicas em momentos de forte emoção causada pelas
agressões verbais.

Diante da linha que concorda, ou legitima, de alguma forma, a reação física do ator, existem algumas questões a entender, como : quais são limites da ofensa para uma reação agressiva? Que tipo de tema pode ou não ser abordado? Qual o ambiente em que temas
sensíveis podem ser abordados? Qual o limite da reação física? Quem pode reagir assim?
entre outras.

E sobre o posicionamento dos que discordam valeria discutir: Se não devemos reagir como
Will Smith, o que deveríamos fazer? A omissão é o melhor caminho? Se não, qual(is) a(s)
alternativa(s)?

E a verdade é que para essas perguntas existem uma infinidade de respostas. Opiniões
com nuances diversas,argumentos menos e mais convincentes, valores mais e menos
importantes em discussão e pouco consenso.

E essa quantidade de olhares e conclusões se multiplicam exponencialmente nas mídias
sociais e se incluirmos outras situações equivalentes, de lado a lado, em conflitos e dilemas
que ocorrem aos montes e a cada momento nas relações humanas.

Então como garantir que as conclusões sobre as atitudes humanas sejam mais equilibradas
e assertivas? Como equalizar um universo de visões e extrair o que realmente faz sentido,
com bom senso?

A discussão então gira em torno, mais uma vez, dos dilemas morais e éticos. Esse inesgotável emaranhado de conceitos, que tentamos desembaraçar em forma de definições
de condutas aceitáveis.

De Aristóteles à Inteligência Artificial, machine learning e big data. Esse tema parece não perder sua relevância. Hoje, com a crescente automatização, vemos um caminho direto para a participação dos sistemas de informações tecnológicas nas capacidades humanas de discernir o certo ou errado.

No caso do Oscar desse ano e de outros casos “hypados”, já vivemos essa interferência
com a atuação do chamado algoritmo das redes sociais que, em princípio, reforçam nossas
tendências, entregando conteúdos que venham ao encontro do que já consumimos,
limitando o nosso acesso às opiniões divergentes.

E esse caminho de formação das individualidades e da sociedade tende a ser cada vez
mais compartilhado com as máquinas e as informações que nela foram inseridas. E aí a antiga profissão do futuro, a filosofia, ganha um lugar nas listas das atividades relevantes nos próximos anos.

No, também “hypado” livro 21 lições para o século 21, Yuval Noah Harari, destaca que as
máquinas precisarão de programadores/filósofos para que dilemas morais sejam tratados
adequadamente nas atividades desses equipamentos e sistemas cada vez mais essenciais
para a vida das pessoas.

E além da interessante colocação do autor e tendo em vista as complexas discussões e
divergências em torno de pontos essenciais para a vida em sociedade, pode-se dizer que
os consultores da filosofia serão necessários não só para as máquinas.

Se há tanta variação entre os conceitos básicos de certo e errado, levando parte importante
da sociedade a considerar ações impróprias como legítimas, nunca foi tão necessário que
seja colocada luz sobre os temas fundamentais.

Portanto, pensadores capazes de nos ajudar nesse processo de forma sensível e ao mesmo tempo pragmática, considerando individualidades e o interesse coletivo, realmente deverão ter um papel chave nas definições de condutas e decisões.

Vivemos a ambiguidade do livre arbítrio influenciado, controlado. E assim uma decisão
acaba sendo tomada com base em princípios que parecem próprios mas que são
totalmente influenciados por uma infinidade de fontes de informações, que muitas vezes
não escolhemos, pelo menos conscientemente.

Para a gestão de crises esse é mais um desafio. A responsabilidade de quem toma a frente
do cuidado com os maiores valores de uma organização, seja ela qual for, requer convicção e confiança em si próprio e nos apoiadores e exemplos ao seu redor.

Por isso, além das definições legais e dos procedimentos eficientes, visto que ambos possuem uma série de limitações, diante de encruzilhadas obscuras do agir é preciso introduzir a análise distanciada do emaranhado das próprias (in) certezas.

Enquanto cada um de nós não contarmos com um robusto e eficiente app de machine
ethics e moral learning, alimentados pelas experiências e as brilhantes mentes de filósofos
e outros pensadores, para nos mostrar os caminhos corretos, caberá a nossa capacidade
individual de entender o que é mais relevante e o que deve ser feito e/ou evitado.

Ter calma, conhecer seus dilemas (riscos), colocar a situação em perspectiva e contar com
o apoio e exemplos confiáveis são boas práticas que irão ajudar a unir a convicção pessoal
a uma validação mínima antes de subir ao palco, atuar e assumir as consequências do
próprio ato.


OTÁVIO NOVO  é advogado, profissional de Gestão de Riscos e Crises, atuando, desde o ano 2000 em empresas líderes nos setores de serviços, educação e hospitalidade. Durante 6 anos foi responsável pelo Departamento de Segurança e Riscos da Accor Hotels na América Latina. Atualmente é consultor, membro da comissão de Direito do Turismo e Hospitalidade da OAB/SP 17/18, professor e desenvolvedor de materiais acadêmicos e facilitador na formação de profissionais e na organização de empresas do setor do turismo e hospitalidade.  Coautor do livro “Gestão de Qualidade e de crises em negócios do turismo” – Ed. Senac.  É criador e responsável pelo projeto Novo8 – www.novo8.com.br 
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