Bento Gonçalves/RS – As experiências sensoriais que se tem em Bento Gonçalves vão além da degustação de vinhos combinada com iguarias regionais. Por ser uma região construída por homens herdeiros dos longínquos valores do campo – hoje estupidamente substituídos Brasil afora e mundo adentro por conceitos urbanos – daqui se traz belas lições de vida. Um roteiro criado pelos representantes municipais da iniciativa privada e já aprovado por agências e operadoras do Brasil se sobressai: a rota Caminhos de Pedra. Percorrer por alguns dias os vários roteiros turísticos cuidadosamente preparados pelo empreendedor da serra do Rio Grande do Sul – significa mergulhar na história dos descendentes dos primeiros italianos e alemães que aqui colocaram os pés, a partir de 1875. Neste lugar as tradições saltam aos olhos, seja na comida, na arquitetura das casas, no falar das pessoas. NADA DE GRAÇA – Trata-se, na verdade, de um povo forjado no trabalho do campo, no esforço diário da transformação do que a terra lhe retribui em um produto para sustento da família e para os visitantes. É importante frisar isso: diferente de muitos lugares do país, onde a dádiva da natureza é oferecida de graça a seus habitantes, aqui, na serra do Rio Grande, a natureza retribui (não dá de presente) o trabalho que o homem executa sobre ela. Seja no plantio e na colheita da uva, seja no pastoreio e na tosa da ovelha, seja na fabricação do queijo, na serra do Rio Grande – a força das tradições familiares herdadas dos antigos colonizadores – passados de pai para filho – fica explícita nas coisas simples (um pilão, uma roda dágua, um bordado) e por isso mesmo, no que se tornou duradouro, avesso aos modismos. Veja também as mais lidas do DT
“Tem que acreditar, porque às vezes não é imediato e quando você associa a enologia com a enogastronomia e com o enoturismo são coisas que demoram a acontecer… você tem que acreditar no seu projeto, acreditar no tempo que ele demora a aparecer”, afirma ao DIÁRIO Silvério Salvati, da Vinícola e Cantina que leva o nome de sua família. “Eu sempre falo quando vem gente aqui conhecer Os Caminhos de Pedra, ver como anda o turismo rural, o enoturismo e a enogastronomia; eu pergunto tu queres coisas imediatas? vai plantar alface ou criar galinhas que em trinta dias tu já tem dinheiro. Trabalhar com vinho é diferente”, completa. É esta tenacidade, presente no caráter do homem que tem os ciclos do sol e da lua como parceiros e faz das oscilações do tempo sua namorada ou sua inimiga, que diferencia a Serra do Rio Grande do Sul. “As videiras estão agora, junho, julho em estado de hibernação, com o frio as folhas caem. Em agosto e setembro fazemos a poda e no fim de setembro, começo de outubro começa a brotar. Novembro é a floração. Se não chove muito dá aquela florada perfeita. No ano passado (2011) tivemos uma florada perfeita, não se perdeu uma flor, porque não choveu, não teve umidade, não teve fungo. Em dezembro é a formação de fruto, a frutificação. Ela forma o grãozinho e espera a mudança de cor. Em fevereiro e março aqui se faz a colheita”. QUARTA GERAÇÃO Assim, de forma espontânea, como quem escova os dentes ou lava o rosto, Silvério Salvati apresenta sua vinícola e conta os detalhes de todo o ciclo da uva e do vinho, penetrando em uma região microscópica de fungos e leveduras; no entanto, aproveita para emprestar aos seus visitantes um punhado de conhecimento sobre este mundo feito de pessoas, interesses, escolhas e tempo: “É um ciclo muito interessante, a videira te dá trabalho o ano todo. É prazeroso. De nada adianta ter dinheiro e fazer aqueles projetos mirabolantes, se não está dentro da veia todos esses projetos quebram, desiludem. A única indústria que perpetua geração após geração é a vinícola, as outras, na terceira geração dá uma balançada e não passa para a quarta”, afirma convicto, utilizando como exemplo os Chateaus da França e as casas italianas milenares que até hoje pertencem à mesma família.
SOCIEDADE Integrante do projeto cultural Caminhos de Pedra a vinícola de vinhos finos Salvati associou-se à família Sirena e formaram a Cantina e Vinícola Salvati & Sirena. “A Cantina Salvati & Sirena está inserida neste contexto cultural, resgatando variedades de uvas quase não mais cultivadas, elaborando vinhos de extrema qualidade. Entre elas a Peverella, a Goethe e a Barbera”, explica Salvati ao DT. Enólogo há 30 anos, Silvério Salvati acredita firmemente na ideia de elaborar vinhos diferenciados para os diferentes níveis de interpretação do vinho. “Dentro da cantina preservamos pipas de madeira de diversos tipos e formas, permitindo assim que o vinho através dos poros de madeira faça uma troca com o meio ambiente, permitindo adquirir uma característica de envelhecimento especial”, ensina.
TRIBUTAÇÃO JUSTA Nem só de degustação e empirismo vive Silvério. As cargas tributárias impostas ao vinho brasileiro comprometem todo o trabalho das vinícolas rio-grandenses, em especial as familiares. Estes impostos (ICMS, PIS, COFINS e IPI), que chegam a cerca de 50% sobre o valor do vinho, comprometem a competitividade da cadeia produtiva dos produtores de vinho rio-grandenses, encarecendo o produto diante dos vinhos importados, além de dificultar a exportação. Questionado pelo DIÁRIO sobre o assunto, o enólogo pediu mais atenção aos pequenos produtores: “Os custos de produção das pequenas vinícolas são maiores em função do volume menor do produto final. A indústria familiar tem que ter uma tributação muito menor e quem trabalha com o turismo, que está aqui aberto – sábado, domingo, feriados -, tem que ser olhado de forma diferente. Eu acho que a carga tributária recolhida igual aos grandes não combina com nosso tipo de trabalho. Deveria ser um ICMS proporcional ao volume de venda, faturamento. Quanto ao IPI hoje, o vinho está selado e nós temos que pagar o IPI que o vinho se enquadra”; temos que ter uma tributação justa”, afirmou.
SUBSTÂNCIAS O roteiro Caminhos de Pedra foi idealizado por Tarcísio Vasco Michelon e por Júlio Posenato em 1987 depois de um levantamento do acervo arquitetônico de todo o interior do município de Bento Gonçalves. No entanto, só em 1997 foi fundada a Associação Caminhos de Pedra congregando pequenos produtores, e simpatizantes e dando uma conotação mais profissional ao roteiro. Atualmente a Associação Caminhos de Pedra conta com mais de uma centena de associados e recebe em média 60 mil turistas por ano. Mas não foi fácil. O nome dado ao roteiro por seus idealizadores na década de 1980 traduz com fidelidade todos os obstáculos – enfrentados pelos primeiros imigrantes que aqui se estabeleceram a partir de 1875. Dificuldade em plantar na pedra, dificuldade em colher nas encostas da serra. Mas é exatamente esse o ponto. O povo que hoje aqui mora e recebe o turista tem sua marca registrada na luta, na labuta. Da alquimia dessas pedras (mais de 130 anos já passaram!) nasceram substâncias que, embora presente em todo lugar que se anda por aqui, ainda não são engarrafadas pelas vinícolas: perseverança e fé. -SERVIÇO- Casa Salvati & Sirena Oficialmente inaugurada em 2003, o atendimento é realizado por membros da família oferendo ao visitante degustação e comercialização de vinhos finos varietais como merlot, tanat, etc e de uvas rústicas resgatadas como: peverella, goethe e barbera, além do saboroso suco de uva. A Vinícola dispõe também de restaurante em ambiente climatizado onde é servido jantar com cardápio típico italiano mediante agendamento prévio para grupos de, ao menos 40 pessoas. Disponibiliza ainda a possibilidade de apresentações artísticas que podem ser solicitadas ao agendar o jantar. Contatos: Fone (54) 3455-6400 – 3455-6401, e-mail: contatos@salvatisirena.com.br – www.salvatisirena.com.br – Taxa de Visitação e Degustação: R$ 1,00 por pessoa.” Casa Vanni Casa da Ovelha Restaurante Nona Ludia Casa de Massas e Artesanato Casa da Erva-Mate Construída no local onde funcionava o antigo moinho Cecconello, a casa é exemplo de um processo de aculturação. A Erva-Mate, planta muito comum na região, era conhecida e utilizada como bebida pelos índios também chamados de bugres, que a chamavam de "Ca-á". O imigrante italiano, além de absorver o hábito de consumi-la, agregou-lhe a tecnologia que permitiu a produção em grande escala. No local é feita a demonstração do processo de produção artesanal com históricos soques movidos á roda d'água. No varejo, que funciona no porão da residência da família Ferrari, é explicado ao visitante todo o ritual da preparação do tradicional chimarrão gaúcho seguido de degustação do mesmo. O varejo também concentra uma grande variedade de artigos e produtos ligados à erva-mate e ao tradicionalismo gaúcho que podem ser adquiridos pelo visitante.
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Caminhos de Pedra: um roteiro para sorver e entender
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