Belém do Pará, 20 anos depois – por Paulo Atzingen*

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Esse calor infernal que reencontro em Belém do Pará, depois de 5, 10, 20 anos – períodos que retornei à cidade das mangueiras – não foi suficiente para esfriar minha vontade em rever os amigos. Um deles é o Ney Barra da Veiga.
Por Paulo Atzingen, de Belém*

Ney mora na Braz de Aguiar – uma espécie de Avenida Angélica paraense, com prédios residenciais, comerciais e restaurantes. Ney está na faixa dos octogenários, mas não toma nenhum remédio, além do colírio para fazer frente ao glaucoma. Ney fundou a Neytur Turismo na década de 80 e foi ele quem me apontou o caminho de volta pra casa, lá em 2003, há exatos 20 anos!

Voltei pra Belém para agradecer sua solidariedade e amor ao próximo, sendo que esse próximo era eu. Como um oráculo, Ney apontou a revista colorida de turismo sobre sua mesa, em 2003 e disse: – “Se você começar a escrever pra essa revista, em 3 meses você estará na redação dela, lá em São Paulo”. Ele cantou a pedra, mostrou a direção e eu segui. E aqui estou de volta.

Belém mudou muito pouco em 20 anos. Suas mangueiras continuam derramando manga pelas calçadas, dando aquela ideia romântica de que ninguém passa fome no Grão-Pará e que a Cabanagem serviu para alguma coisa. Vejo, no entanto, dois mundos. O mundo dos shoppings refrigerados e das construtoras de prédios e o mundo do Ver-o-Peso, com o povo ribeirinho que tem na pele o rasgo mais agudo da pobreza tropical.

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Dois mundos. O mundo do carro hermeticamente fechado, porque ninguém é tolo em trocar o geladinho pelo bafo de 40° das ruas. E o mundo do caboclo paraense papa-chibé, que vende açaí e tacacá na porta de casa, pra complementar renda ou porque tem mesmo só essa renda.

Diminuíram as palafitas, onde antes imperava o mangue. E vejo ainda a mulher amazônica, que quer se sofisticar com adornos dourados e industriais no busto e nas orelhas, que se opõem a seus traços florestais, artesanais e genuínos.

O taxista e o motorista do Uber reclamam do prefeito e do governador. Dizem, com a autoridade de belemenses, que o primeiro alardeia a busca de investimentos no estrangeiro, mas não os transforma em obras para a população. Que o segundo herdou do pai a herança da política e traz do berço o projeto hereditário de manter-se no Palácio governamental por todas as próximas gerações.

O motorista do Uber e o taxista seriam os cabanos modernos, que reclamam mas não se organizam ou/e não possuem força suficiente para enfrentar o império.

A Estação das Docas, antigo armazém do porto, manteve-se intacta nesses 20 anos. Ali pude desfrutar de um sorvete do genuíno cupuaçu. Revi o Palacete Bolonha e suas casas anexas, onde morei por alguns anos. Seus paralelepípedos ligam a movimentada avenida José Malcher (um Cabano) a uma rua particular, onde morava minha professora de Literatura, Nely Cecília.

De Uber, avistei a joia urbana de Belém, a Praça que recebeu o nome do líder dos Cabanos, Batista Campos, mas que é frequentada pela geração fitness e salpicada de prédios da classe média alta.

Mais adiante, parei e entrei na Basílica de Nazaré, a santinha dos paraenses.
Depois fui para o Mercado Ver-o-Peso e avistei a baía do Guajará, que engole o Rio Guamá e se mistura lá no horizonte com as águas do Marajó. Um caboclo pesca no rio. São como unha e carne. Ele se alimenta e se retroalimenta de seu grande hipermercado chamado Rio. Seus movimentos são lentos como o Rio. Ele vive o tempo mítico do Rio e em sua paz joga sua rede ou seu anzol nas águas barrentas.

Ele é um cabano, mas, sem armas e sem revolta, escolheu a gratidão como resposta, que lhe dá o peixe e o pão na mesa. Sua aparente fraqueza fortalece-o de uma dignidade que constrange o império-republicano em seu ar- condicionado.

Fui um jovem cabano, na cidade de Belém, há 20 anos. Hoje, sem armas e sem mágoas, escolhi ser grato a ela, que me deu o norte.

Belém, 19 de dezembro de 2023


Cabanagem*

A Cabanagem, também chamada Guerra dos Cabanos, foi uma revolta popular e social que ocorreu na então Província do Grão-Pará entre 1835 e 1840, durante a regência de Diogo Antônio Feijó no Império do Brasil, influenciada pela Revolução Francesa, tendo como líderes João Batista Gonçalves Campos, Félix Clemente Malcher, Antonio Vinagre, Francisco Pedro Vinagre, Eduardo Angelim e Vicente Ferreira de Paula. A revolta foi motivada pela extrema pobreza, fome e doenças que afetavam a população local,[5] além do isolamento político, a forte influência portuguesa na região com a independência do Brasil em 1822, uma vez que o Pará aderiu à independência apenas em 1823. (Wikipédia)


*Paulo Atzingen é jornalista e fundador do DIÁRIO DO TURISMO

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