Por que nossos planos urbanos não prosperam?

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por BEATRICE PADOVAN, CAMILA UNGARO, GIULIA GIAGIO E GUILHERME TREVIZANI | APOIO: VINICIUS ANDRADE*

No início de 2017, o então recém empossado e hoje ex-prefeito João Dória decidiu engavetar a proposta do plano urbanístico conhecido como Arco Tietê (1), uma das principais construções da administração anterior. O projeto de lei, que aguardava para ser apreciado pelo plenário da Câmara, foi arquivado por meio de um decreto protocolado em 06/04/2017, uma quinta-feira, às vésperas da Semana Santa (2).  O plano, que não chegou a ser sequer apreciado pelo plenário, abrangeria uma área de 54 km², alcançaria mais de 422 mil habitantes e pressupunha uma estratégia de desenvolvimento com impacto em 15 bairros diferentes ao longo das margens norte e sul do rio Tietê.

 

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Perplexos com o silencioso fim deste plano, construído com tanto barulho – sua elaboração envolveu numerosas audiências públicas, além de uma plataforma digital –, resolvemos discutir os possíveis motivos pelos quais os esforços de moldar o processo de urbanização em nossas cidades seguem encontrando entraves que impossibilitam sua concretização.

 

O Arco Tietê não é um caso isolado: a lista de projetos urbanos engavetados é grande. Os poucos planos urbanos que, ao longo da história de São Paulo, se concretizaram como intervenções no território em grande escala não chegam a constituir um padrão consistente de políticas públicas territoriais. Esse modelo de planejamento urbano resulta num distanciamento da sociedade civil e sofre com os desvios da política do Estado, que é polarizada e descontínua.

 

Este artigo é produto do trabalho desenvolvido pelos alunos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Escola da Cidade (3), dentro da disciplina de Planejamento Urbano do oitavo semestre, que coloca o desafio de compreender o Plano do Arco Tietê. Nesta reflexão, procuramos entender a intrincada rede de inter-relações que existem por trás do engavetamento dos planos urbanos, bem como reunir esforços para que esses planos possam vir a se concretizar.

 

Neste momento, nos perguntamos: enquanto estudantes de arquitetura, com quem devemos dialogar? Como conseguir influenciar decisões sobre as políticas públicas? E o principal: por que não agimos? A cidade é de interesse da sociedade como um todo; entretanto, manifestar nossa responsabilidade profissional, pensando o futuro urbano a partir do interesse coletivo, não tem tido influência suficiente frente aos governos ou ao avanço dos interesses econômicos e imobiliários. Interesses que, via de regra, são o motor do desenvolvimento de São Paulo e que raramente dialogam com aqueles que realmente utilizam os espaços da cidade, deixando de lado boa parte da discussão acerca do acesso democrático à cidade e à moradia.

1.    O Plano para o Arco Tietê

 

A cidade de São Paulo ultrapassou, em 2017, a marca dos 12 milhões de habitantes. Mesmo tendo, nas primeiras décadas do século XXI, um crescimento populacional mais baixo do que em qualquer momento anterior de sua história demográfica documentada, a cidade continua liderando a lista das mais populosas do Brasil e segue na posição de maior PIB municipal do país. Esse contexto socioeconômico determina o ritmo da capital e exerce enorme pressão sobre o tecido urbano, que se desdobra para suportar essa dinâmica, ao mesmo tempo em que deve lidar com todos os antagonismos e desordens que uma metrópole pode ter.

 

O Arco Tietê está localizado ao longo do rio Tietê, estendendo-se desde o parque Orlando Villas-Bôas (zona Oeste) até o parque do Belém (zona Leste), em uma das mais estratégicas áreas da cidade de São Paulo, e foi concebido como um PIU – Projeto de Intervenção Urbana (4).  Antes industrial e hoje quase sem indústrias, seu perímetro é palco de um extensivo processo de reestruturação produtiva. Operou-se ali, nas últimas décadas, uma rápida desindustrialização econômica, que não foi acompanhada de uma desindustrialização territorial. Ou seja, tivemos uma transição incompleta: a atividade industrial deixou a região, mas lá permanecem seus enormes terrenos, hoje subutilizados, degradados ou mesmo abandonados (5).

 

É nesse contexto que o plano do Arco Tietê, defendido desde 2012, foi elaborado. Afinado com as tendências mundiais do urbanismo contemporâneo, o plano procura guiar o crescimento urbano dialogando com várias outras questões e assim, por meio de diversas combinações de diretrizes, visa proporcionar o aumento no adensamento populacional, maior mistura de usos nos bairros, melhoramentos ecológicos no que diz respeito às margens do rio Tietê e a criação de novos centros de investimento econômico.

 

O plano aponta para um caminho de como a gestão pública pode promover a requalificação desta área tão importante e “disputada” (devido à sua capacidade de gerar capital); suas diretrizes territoriais estão alinhadas ao plano de transformação de longo prazo que prevê um desenvolvimento até 2040.

 

2.    O choque de gestão

 

É importante lembrar que o plano para o eixo do Tietê fazia parte do processo de implementação do Arco do Futuro (6), carro-chefe do plano de governo da gestão Haddad e que, mesmo sendo uma prioridade declarada da gestão, desde 2012, não foi implementado. Outro fato importante é que esse projeto de lei foi enviado à Câmara Municipal apenas duas semanas antes do final do mandato de Haddad, significando que a gestão seguinte teria a incumbência de colocá-lo em prática.

 

Assim, não é tão inusitado que a gestão seguinte, peessedebista, o tenha retirado para análise e adaptação de acordo com os objetivos declarados durante a campanha. Sabemos que estão sendo estudadas alternativas para a região e que o novo plano ainda será submetido ao Conselho Municipal de Política Urbana, porém não há previsão para que essa revisão seja apresentada e discutida publicamente. (7)

 

É comum que a mudança de gestão para um governo discordante do anterior leve antigas propostas a serem “engavetadas” enquanto novos planos são criados. Seria isso um reflexo de enfrentamentos políticos? Ou conveniências econômicas? Planos dessa magnitude demandam muito tempo de elaboração. O projeto de lei para o Arco do Tietê pode ser usado como exemplo: levou quatro anos para ser estruturado, tempo que equivale ao de um mandato completo, dificultando sua continuidade. Essa situação ilustra como o descompasso entre o longo tempo de maturação dos projetos urbanos e as descontinuidades políticas decorrentes das trocas de governo impedem boas propostas de prosseguirem e serem devidamente apropriadas pela a população.

 

3.    O desafio econômico

 

Não obstante, é importante pôr em pauta a dificuldade econômica que o plano encontrou quando foi exposto, particularmente por tratar de áreas de grande diversidade urbana e grande interesse econômico. Planos urbanos dessa abrangência buscam equalizar melhor os usos em cada região por meio das leis de zoneamento e parcelamento do solo, equilibrando habitação, comércio, indústrias, infraestruturas gerais e equipamentos públicos. Para isso, buscam induzir os empreendimentos do setor privado para que atuem em sinergia com os empreendimentos feitos pelo poder público.

 

O plano foi pensado de modo a atrair novos empreendimentos para a região, promovendo um desejável adensamento do perímetro, aproximando os postos de trabalho com locais de residência. As obras públicas necessárias seriam financiadas por meio da taxação de concessões ou incentivos concedidos ao setor privado, já que a prefeitura atualmente não possui uma reserva significativa de recursos próprios ou mesmo capacidade de endividamento. Na prática, a atuação pública é feita a partir da arrecadação de recursos privados, com a venda de títulos ou a cobrança de taxas para a construção acima do permitido pela lei vigente.

 

Todavia, as cobranças adicionais para a autorização de construções maiores e as diretrizes para promoção de equidade social provocaram a rejeição do plano pelo setor imobiliário. O projeto do Arco Tietê continha dispositivos que proporcionariam uma redução das diferenças socioeconômicas de toda área, promovendo a mistura de classes sociais e incentivando a construção de unidades de habitação social proporcionalmente às novas unidades de habitação de alto padrão. Tais dispositivos foram tidos como demasiado exigentes pelas grandes empresas, e acabaram se revelando mais um entrave para que o plano fosse aprovado.

*Alunos do quarto ano do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Escola da Cidade

LEIA MAIS – Por que nossos planos urbanos não prosperam? (SEGUNDA PARTE)

Arquitetos da Escola da Cidade escrevem sobre o ‘Arco Tietê’

 

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