Arquitetos da Escola da Cidade escrevem sobre o ‘Arco Tietê’

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Na segunda parte do artigo “Porque nossos planos urbanos não prosperam?” os alunos do quarto ano do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Escola da Cidade diagnosticam as dificuldades em estabelecer um diálogo entre o poder público e sociedade para desenvolver projetos socioambientais, da diversidade de pessoas, culturas e etnias que se estabeleceram à margem do rio Tietê e também da falta de interesse do ambiente acadêmico em discutir sobre o direito à cidade e “nosso pertencimento nos espaços urbanos”. Confiram:

O desafio da participação social

 

Apesar do Arco Tietê ter entre seus objetivos a articulação de várias instâncias e forças, o processo de desenvolvimento do plano não foi capaz de criar espaços efetivos de diálogo com a população. Na consulta pública aberta no site da Prefeitura, é possível ler os 42 comentários feitos a respeito do texto que regulamenta o programa de interesse público a ser implementado no perímetro do Arco Tietê, assim como uma única observação feita a respeito da apresentação sobre o Projeto de Intervenção Urbana. Numa era totalmente conectada e que se mostra engajada politicamente, é estranho que só 43 pessoas, frente aos 12,11 milhões de habitantes da cidade, tenham procurado expor sua opinião.

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Assim, a maior questão que continuou em pauta, mesmo depois de toda a pesquisa realizada, foi: como podemos atuar em torno desses impasses governamentais, uma vez que é notório que os planos de melhoria para a cidade são reiteradamente desconsiderados? Há uma possibilidade de que essa barreira possa ser transposta com um esforço da população, para que se consiga estabelecer uma continuidade dos projetos mesmo com todas as dificuldades já apontadas.

 

Na tentativa de estruturar melhores hipóteses, é necessário refletir sobre o engajamento da sociedade civil e sobre as formas de planejamento participativo. De partida, o Plano do PIU Arco Tietê reconheceu que a participação social é um instrumento de gestão democrática da cidade e criou mecanismos para “fortalecer a participação popular nas decisões dos rumos da cidade”. Para isso, foram apresentadas duas formas de participação: a primeira, pela presença ativa da população nos processos decisórios, por meio de audiências públicas, iniciativas de projetos de desenvolvimento urbano e de leis; e a segunda, por meio do acesso à informação, pela divulgação, transparência, possibilidade de consulta e monitoramento constante dos processos do Plano Diretor. A divulgação online foi uma estratégia adotada para que houvesse maior acesso da população ao processo, com linguagem acessível, visual e clara. O registro das consultas, no entanto, foi irrisório.

 

5.     O desafio da diversidade

 

A área do Arco Tietê concentra grande diversidade populacional e social que, consequentemente, gerou diversas formas de ocupação. A região de várzea do rio é historicamente caracterizada pela ocupação imigrante. Muito ligada à antiga zona industrial da cidade, é também de bairros operários formados por algumas dessas populações, com suas tradições e sociabilidades urbanas características, como nos bairros do Bom Retiro, Pari, Brás, Barra Funda e também do além-Tietê como Vila Guilherme, Vila Maria e Freguesia do Ó.

 

A chegada de novos moradores e agentes urbanos, muitos deles imigrantes recentes, denota a persistente caracterização desses bairros como lugares assegurados na sua diversidade e relevantes por sua paisagem cultural, em razão da permanência dessas populações. A perspectiva das identidades culturais é tanto um desafio quanto uma potencialidade para pensar as políticas urbanas na região, baseadas na possibilidade de manutenção da vida e das práticas sociais existentes nesses territórios.

 

Atrelado ao fator histórico, o modo como cada espaço é apropriado também tem ligação direta com as características geográficas do território como, por exemplo, a topografia e a presença de cursos de água.  Na margem norte do rio, bairros como Casa Verde e Santana possuem terreno mais acidentado do que a porção sul, o que resulta em malhas viárias mais irregulares, que seguem os desníveis do terreno. Mesmo assim, ainda na margem norte, existem locais em que a declividade é quase imperceptível, como no Campo de Marte e no Sambódromo, conformando uma situação bem diferente da anterior, com quadras muito grandes e viário de formato mais ortogonal.

 

Essa diversidade, no entanto, não é incomum para um território vasto como o do Arco Tietê. Para melhor compreensão, devemos ter em mente que o projeto urbanístico produzido trata de áreas ao longo do rio Tietê com tamanho equivalente ao da ilha de Manhattan e abrange uma população equivalente à metade de Curitiba. É possível conceber uma política única para um território tão diverso?  Não é generalizar demais uma proposta única para áreas com demandas e qualidades tão distintas?

 

De fato, é complicado implementar planos que abranjam uma área dessa magnitude na cidade contemporânea, que tem a diversidade como um dos fatores mais presentes. Em uma cidade com essas características, é comum que os planos propostos solucionem problemas de uma determinada região, mas acabem tendo impacto negativo na região vizinha, criando conflitos no território.

 

Um método que pode ser eficiente para quando o plano proposto for de grande escala é criar compartimentos urbanos, isto é, definir unidades menores que englobem áreas com características e demandas semelhantes para, assim, criar um estudo mais aproximado e específico para cada região, entendendo de maneira mais eficiente quais são suas demandas e quais qualidades podem ser potencializadas.

 

6.     O desafio acadêmico

 

Dentro das realidades acadêmicas, pouco se discute sobre o direito à cidade e nosso pertencimento nos espaços urbanos. Tal discussão é necessária para que pensemos nossos papéis como cidadãos dentro da metrópole, tentando estabelecer um senso coletivo de compartilhamento e preservação do bem comum. O que procuramos aqui é estabelecer um espaço de discussão acerca desses obstáculos e do engajamento individual, convidando todos, e principalmente arquitetos e urbanistas, a refletirem sobre um problema com tantos desdobramentos nas nossas vidas na cidade.

 

A questão ainda poderia ser discutida no âmbito educacional, em que seria importante construir uma visão de uso da cidade. Provavelmente, não temos o hábito de dividir o espaço público e lutar por ele em razão dessa falta de conversas no âmbito pedagógico. As escolas devem ser o começo de um diálogo entre cidadão-cidade, sendo um ambiente para a construção de uma consciência coletiva de uso do espaço público que resultará na reivindicação de espaços para a comunidade, apreço pela cidade já construída e dissolução do individualismo.

 

      Conclusões

 

Ressaltando a resistência que se tem construído dentro da política, onde os trâmites governamentais freiam as mudanças urbanas planejadas, pensamos que os fatores que podem contribuir para a dissolução desse ciclo vicioso são: o interesse da população em decisões estruturais dentro da política municipal; a eleição de candidatos que se preocupem com a continuidade de projetos, mesmo nas mudanças de gestão; e o engajamento das pessoas, tanto em discussões na web quanto na pressão sobre os governos para que tais projetos sejam implementados sem interrupção.

 

Percebemos que a maior barreira para que haja engajamento coletivo na discussão de planos urbanos é o difícil acesso da população a esses projetos de lei. Essas propostas são pouco divulgadas e discutidas, gerando pouco interesse. Constatamos que a falta de comunicação entre sociedade civil e governo torna ineficazes na promoção de diálogo tanto o acesso digital aos projetos urbanos quanto as audiências públicas para discuti-los.

 

A participação social, numa cidade complexa como São Paulo, deve partir do entendimento de que a sociedade civil não é homogênea. As diferenças sociais, culturais e econômicas envolvem formas distintas de apropriação dos processos que constroem a cidade, muitas vezes em disputa. Nesse sentido, o papel de um Plano Urbano em uma gestão participativa é compatibilizar todas essas formas e demandas, não agindo de forma autoritária, mas podendo suscitar e concretizar espaços ativos em que a população se instrumentalize para tomar as rédeas das operações decisórias.

 

Como arquitetos e urbanistas, estamos mais acostumados a pensar planos urbanos de forma desarticulada dos territórios e das populações reais que neles vivem. Normalmente, partimos de um plano abstrato em uma prancheta, no conforto de nossos escritórios. Muitas vezes, o capital privado, mais organizado e coeso, dita, por meio de inúmeras revisões de leis e mesmo no engavetamento de um plano como este, os rumos das cidades. Portanto, a necessidade de diálogo com essas forças se mostra imprescindível se desejamos pavimentar um direcionamento delas para o bem comum, em que o que é interesse público seja priorizado.

 

Como futuros arquitetos, nós compreendemos que nosso papel, para além de nossas pranchetas e escritórios, é apontar para esse problema. Temos que assumir um papel fundamental como articuladores entre as vontades e feitos do Estado, do capital e da sociedade. Devemos compreender de que maneira eles se relacionam, se completam ou se anulam no desenho e concepção das cidades.

 

Devemos aplicar nossos esforços na compreensão e composição do cenário urbano. É fundamental o incentivo da participação pública, mostrando a relevância de uma gestão participativa. Para isso, é imprescindível que os temas concernentes à vida urbana sejam propagados com abrangência, para orientar a população e sanar a maioria das suas dúvidas sobre legislação, funcionamento da máquina pública e, mais uma vez, os atores responsáveis pela construção da cidade.

 

Neste artigo, procuramos ressuscitar, de alguma forma, um debate sobre a concepção do espaço urbano e nossos valores como sociedade. Nosso papel como arquitetos, além de instruir a população interessada sobre as complexidades de um plano urbano, passa pela necessidade de conscientização sobre a importância de tais decisões. Mesmo que incipiente, procuramos utilizar essa oportunidade como esse pequeno grito de ajuda, para ver se, de uma vez por todas, começamos a lutar para que nossas políticas públicas sejam concretizadas.

 

*Beatrice Padovan, Camila Ungaro, Giulia Giagio e Guilherme Trevizani são alunos do quarto ano do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Escola da Cidade.

Por que nossos planos urbanos não prosperam?

Vinicius Andrade é Arquiteto e Urbanista, professor de Planejamento Urbano na Escola da Cidade.

 

 

REFERÊNCIAS

 

1.    Arco Tietê – Sumário Executivo

 

http://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/wp-content/uploads/2016/10/Sum%C3%A1rio-Executivo-PIU-ACT.pdf

http://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/wp-content/uploads/2014/08/OUCBTFolhasLei.pdf

 

2.    Noticia FSP

 

https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/06/1895666-gestao-doria-enterra-projeto-urbano-de-haddad-para-regiao-do-rio-tiete.shtml

 

3.    Escola da Cidade

 

http://www.escoladacidade.org/associacao-escola-da-cidade/escola-da-cidade/

 

4.    PIU

 

http://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/estruturacao-territorial/piu/

 

5.    Arco Tietê no Plano Diretor de SP

 

http://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/estruturacao-territorial/arcos/arco-tiete/

 

6.    Arco do Futuro

 

http://www.capital.sp.gov.br/cidadao/rua-e-bairro/construindo-sao-paulo/arco-do-futuro

http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/chamadas/arcotiete_seminario_diretrizes_1367360079.pdf

http://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/wp-content/uploads/2016/10/Sum%C3%A1rio-Executivo-PIU-ACT.pdf

http://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/wp-content/uploads/2016/10/ACT_PIU_SECOVI_2016-10-03.pdf

 

     7.    Participação da população

 

http://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/noticias/prefeitura-abre-consulta-publica-sobre-o-projeto-de-intervencao-urbana-piu-arco-tiete/?replytocom=2854#respond (1 comentário)

http://minuta.gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/piu-act/ (42 comentários)

http://minutapiuriobranco.gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/ (37 comentários)

 

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