Nova lei na Flórida restringe direitos para imigrantes ilegais

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Nova Lei da Flórida atinge também brasileiros, uma das medidas mais restritivas na história dos EUA 

 Por Marcelo Gondim**


Quase dois meses após entrar em vigor, a Lei SB-1718, sancionada pelo governador republicano Ron DeSantis, com o objetivo de combater a imigração ilegal na Flórida, tem impactado a população local e produzido efeito em diversas áreas da indústria na região. Uma apuração do Higher Ed Immigration Portal, calcula que aproximadamente 40 mil estudantes universitários que se encontram ilegais já tiveram seu acesso invalidado ao sistema de educação, sendo que, muitos deles, saíram dos Estados Unidos temendo ser deportados.

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Em entrevista da NBC com a Florida Department of Highway Safety and Motor Vehicles, foi reportado que de 2 milhões de carteiras de motoristas que sofreram penalidade ou foram caçadas em julho deste ano, 378.346 eram de pessoas que não tinham licença válida para dirigir, em sua maioria, imigrantes que trabalham como motoristas de aplicativos ou táxis. Além disso, muitos comerciantes, especialmente em bares e restaurantes, demitiram funcionários que estão ilegais, temendo as represálias previstas pela nova lei, que vão desde pesadas multas até o fechamento de empresas que empreguem cidadãos fora de status imigratório.

De acordo com o instituto de pesquisas Migration Policy, a Flórida é a região dos EUA com mais estrangeiros indocumentados – cerca de 772 mil pessoas. Hialeah e Miami sãos as duas cidades com maior concentração de imigrantes no Estado.

A nova lei foi aprovada e segue em vigor, apesar de constantes protestos de diversas ONGs pró-imigração e dos Direitos Humanos, com manifestações públicas em diversas cidads de Flórida, como Tampa, Lake Worth, Fort Myers, Jacksonville, e muitas outras regiões.

 Outra regra polêmica da lei de DeSantis exige que os hospitais da Flórida coletem dados sobre o status imigratório de pacientes que necessitarem de assistência médica. Esta é uma medida que vem encontrando resistência por parte de associações de médicos e enfermeiros nos EUA: além de tentar impedir que indocumentados recebam tratamento médico, a coleta do histórico imigratório de pacientes tem como objetivo frear o chamado “Turismo de Nascimento”. Isso acontece quando gestantes estrangeiras viajam aos EUA com o intuito premeditado de “dar à luz” no país, recebendo assim o direito automático à cidadania americana para a criança, uma prática que vem sendo combatida pelo Partido Republicano.

Aliás, por falar em DeSantis, o governador da Flórida criticou o fluxo cada vez maior de imigrantes brasileiros nos EUA, em campanha para obter indicação do Partido Republicano para a próxima campanha presidencial americana (23/08). O governador acredita que deve haver uma limitação maior para categorias de imigração para parentes de brasileiros.

Apesar de tanto barulho, o Brasil não está nem de longe entre os países que mais “enviam” imigrantes aos Estados Unidos. Com cerca de 1.9 milhão de pessoas (entre legais e ilegais) contabilizado pelo Itamaraty em 2023, a comunidade brasileira na América é hoje apenas a décima-sexta com maior representatividade nos EUA, atrás de países como Coréia do Sul, Guatemala, República Dominicana, Cuba, e outras regiões da América Central e do Caribe, além, evidentemente, dos primeiros colocados: México, Índia e China e Filipinas.

Aliás, nem mesmo a Flórida, conhecida por atrair milhões de brasileiros para visitar ou morar em cidades turísticas, como Miami e Orlando, é o local com mais moradores brasileiros na América. O Estado governado por DeSantis concentra aproximadamente 300 mil imigrantes brasileiros, ainda atrás de Massachusetts, que registra mais de 400 mil imigrantes oriundos do Brasil, especialmente na região de Boston.

Quando se fala especificamente em imigração ilegal, por outro lado, as estatísticas apontam para uma realidade diferente para os brasileiros. Cerca de 2 a 3 voos lotados por semana trazem brasileiros deportados dos EUA, e praticamente dois terços destes voos saem dos aeroportos internacionais de Orlando ou Miami.  De acordo com o CBP (Departamento de Proteção na Fronteira), cerca de 48 mil brasileiros foram detidos e “devolvidos” ao Brasil, somente em 2022. E os números de 2023, que serão apresentados no relatório anual do CBP, no início do próximo ano, com certeza serão ainda maiores, devido aos efeitos restritivos da nova lei de combate a imigração ilegal da Flórida.

Diferente de outros povos da América Central e Caribe, que buscam chegar ao Estados Unidos pelo deserto, a “porta de entrada” favorita dos imigrantes brasileiros nos EUA é utilizando vistos válidos de turismo/negócios (B1/B2) ou até mesmo vistos de estudo e intercâmbio (F-1/J-1), mas permanecendo no país após o prazo de estadia dado pela autoridades americanas no momento do desembarque no país, tornando-se assim, ilegal.

Independente do país de onde o imigrante está vindo, esta nova lei está prejudicando não somente quem está ilegal, mas o próprio mercado de trabalho da Flórida. Várias indústrias vitais na região dependem da mão-de-obra de imigrantes indocumentados, principalmente nas áreas de construção, limpeza e comércio. Na maioria dos casos, os trabalhos que estes imigrantes desempenham, nenhum americano quer fazer. De acordo com artigo publicado pelo American Immigration Lawyers Association, a lei de DeSantis prejudica todos os residentes da Flórida

Para quem se encontra em situação irregular na Flórida, a principal saída deve ser a mudança de Estado ou, de preferência, buscar o apoio jurídico de um advogado ou escritório de imigração para tentar se legalizar no país. Infelizmente, como nos Estados Unidos cada Estado possui sua própria legislação, não há muito o que ser feito pelo governo federal ou mesmo pela suprema corte do país, apesar de inúmeros processos que a lei vem sofrendo, todos, até aqui, negado pelos juízes americanos, como no caso  recente reportado pela CBS News em que os Direitos Humanos tiveram um pedido recusado para impedir a criminalização de imigrantes indocumentados que estejam dirigindo na Flórida.

Nos bastidores políticos, a tradicional rivalidade entre democratas e republicanos também dificulta consideravelmente qualquer possibilidade de flexibilização ou remoção de medidas da nova lei imigratória na Flórida.

Tradicionalmente, a Flórida é uma região em que imigrantes indocumentados são marginalizados e perseguidos, No entanto, mesmo em 1986, quando foi adotada uma dura Reforma Imigratória nos EUA, que restringiu direito a residência legal e acesso ao mercado de trabalho para milhões de imigrantes, em especial na Flórida, nunca houve um projeto de lei tão impactante para essa população quanto este.

Desde a implementação da Lei SB-1718, está oficialmente aberta a temporada de caça a imigrantes indocumentados, e a tendência é que a situação piore nos próximos meses. Diante dessa previsão, fica evidente que a Flórida está adotando as medidas mais restritivas da história dos EUA.

 ** Marcelo Gondim é advogado especializado em imigração para os Estados Unidos, com mais de 20 anos de experiência em processos de green card e vistos americanos. Ele é licenciado pelo Estado da Califórnia e integrante da AILA (American Immigration Lawyers Association). Marcelo é o fundador e principal advogado do Gondim Law Corp, um dos mais conceituados escritórios de advocacia imigratória dos EUA.

-Artigo publicado originalmente no Consultor Juridico – Conjur e autorizado pelo autor

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