por Marcelo Villas Bôas*
A chegada pelo aeroporto já denuncia algumas características do que se deve esperar da cidade mais austral do mundo, segundo os chilenos. O pouso em Puerto Williams aconteceu em uma manhã gelada de setembro – como se deve esperar dessa época –, a bordo de uma pequena aeronave da companhia aérea DAP vinda de Punta Arenas, em uma pista de pouso circundada por águas escuras e anexada a uma pequena sala de embarque.
De todos os lados, montanhas invariavelmente cobertas de gelo protegem a chamada Terra do Fogo dos fortes ventos vindos da Antártida, distante pouco mais de mil quilômetros dali. Neste dia, 3 de setembro, foi a primeira vez que a cidade recebeu um grande número de visitantes ao mesmo tempo, cerca de 180 representantes da indústria turística que conheceriam o pequeno entreposto marítimo chileno. Após a ligeira parada no único hotel da cidade, seguimos para um city tour, guiados pelo antropólogo e morador da região Maurice Olea.
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Puerto Willians é um ponto estratégico para as forças armadas do Chile. Ali encontramos tanto casas de civis, que se destacam por suas cores, quanto as habitadas pelos oficiais da marinha, que são monotonamente brancas, confundindo-se com a paisagem a sua volta. As últimas trazem normalmente a bandeira chilena hasteada no jardim. Além disso, a cultura yamana está presente em variados pontos da cidadezinha com menos de 2 mil habitantes.
“Sim, agora é pior que o dilúvio. Os últimos de nós estão morrendo e não podemos voltar às nossas famílias e nem ocupar nossa terra com yaganes [yamanas]” Lakutaia Le Kipa, em Rosa Yagan
Visita ao Museu – os Yamanas
Inicialmente nômades, a história conta que os yamanas representam uma cultura de mais de 10 mil anos e, ainda hoje, seus descendentes formam uma comunidade em decadência na região. Os costumes são ilustrados, em Puerto Williams, principalmente por Lakutaia Le Kipa, que viveu sua infância e juventude como seus ancestrais, com seus costumes e idioma, e teve a história contada no livro Rosa Yagan, de Patricia Stambuk.
Parte interessante e esclarecedora do passeio é a visita ao museu que carrega o nome de Martin Gusinde, padre alemão famoso por seu trabalho com os povos nativos da região da Terra do Fogo. O espaço dedica-se às pesquisas antropológicas e explicações sobre o povo yamana de maneira didática e interativa, através de fotos, textos, objetos (alguns originais) que ilustram a história nativa, entre outros recursos que tornam a passagem pelo museu essencial aos visitantes para entenderem parte da história da região.
Mesmo sem levar em consideração o próprio nome da cidade, é facilmente perceptível a vocação portuária de Williams – como é chamada pelos que vivem ali. Sua economia é baseada em atividades portuárias e na pesca da sentola, um crustáceo encontrado em diversos pratos na culinária da região de Magallanes.
Esperança no turismo
“O turismo é uma aspiração do povo de Puerto Williams. A economia daqui se baseia no comércio da sentola, mas é um produto que vem se tornando escasso. O turismo é uma esperança que temos para aproveitar os glaciares, o Cabo de Hornos, as montanhas”, disse ao DIÁRIO o antropólogo e morador local. “Além disso, os cruzeiros são importantes para o desenvolvimento do turismo daqui. As pessoas vêm, falam sobre o lugar, tiram fotos, divulgam boas experiências e isso faz com que mais pessoas queiram conhecer”, completou.
Maurice ainda lembrou, enquanto guiava a visita às margens do Canal Beagle (por onde passou Charles Darwin durante a Viagem de Beagle, ao se destacar como naturalista), que há alguns anos Puerto Williams era parada principal da Terra do Fogo entre os cruzeiros que passam pela região. Atualmente, o porto perdeu o lugar principalmente para a argentina Ushuaia – do outro lado do estreito marítimo – que, segundo ele, desenvolveu-se mais rapidamente e, por isso, tem atraído mais navios.
Guilhermo Correa, presidente da Associação Chilena de Empresas de Turismo (Achet), acompanhou a expedição. “Realmente estamos no Fim do Mundo, mas é algo único. Desfrutar dessas paisagens é algo espetacular. Presenciamos uma natureza que, em outros lugares, nós mesmos destruímos e aqui é virgem. Isso nos conforta e mostra a diversidade do Chile”, comentou, surpreso, o presidente após o almoço que reuniu todos os presentes na visita à cidade do fim do mundo.
A visita de poucas horas à cidade considerada pelos chilenos a mais ao sul no mundo terminou também na humilde sala de embarque do pequeno aeroporto. Tão logo a aeronave decolava, Puerto Williams perdia-se de vista entre os glaciares e a imensidão coberta por gelo em um voo de pouco mais de meia hora de volta a Punta Arenas.
*O repórter Marcelo Villas Bôas viajou para Puerto Williams a convite da Associação Chilena de Empresas de Turismo.