Eduardo Sanovicz, presidente da ABEAR: “sites abutres colaboram com o ambiente jurídico pantanoso no Brasil”

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O futuro é uma incógnita e nos provoca por seu mistério. Como estaremos amanhã? E daqui a um ano? Muitas pessoas buscam astrólogos, tarólogos, lêem horóscopos. As empresas, mais céticas analisam números, estudam a história em seu conjunto e a economia em seu contexto. É o que queremos fazer nessa sequência de entrevistas 15 anos Diários. Em comemoração a essa marca, o DT foi ouvir especialistas em suas áreas específicas e fez a pergunta: O que nos espera nos próximos 15 anos? Um dos executivos entrevistados foi Eduardo Sanovicz, presidente da Associação Brasileira das Empresas Aéreas -ABEAR. Para projetar-se ao futuro, Eduardo fez um retrospecto agudo sobre a indústria aérea brasileira e diagnosticou: “o clima, o pântano judiciário, e o ICMS fazem com que o custo no Brasil para voar seja o maior do mundo. No entanto, a liberdade tarifária, o alinhamento regulatório internacional e uma cadeia produtiva cada vez mais eficaz pode nos fazer dobrar de tamanho nos próximos 15 anos”, disse ao jornalista Paulo Atzingen.  Acompanhe abaixo os principais tópicos da entrevista:


Liberdade Tarifária

Os últimos 15 anos ocorreram mudanças enormes no mercado da aviação. O ano de 2002 foi um ano em que o Brasil migra do modelo de tarifa fixa para o modelo de liberdade tarifária, que vai completar 18 anos. Quando vem o modelo de liberdade tarifária tudo muda. Antes disso, o DAC (Departamento de Aviação Civil) definia quanto de dinheiro valia uma passagem daqui pro Rio, do Rio para a Bahia, da Bahia para Brasília, você não tinha competição de fato.

A competição de fato, a concorrência no mercado brasileiro começa em 2003, a mudança que isso gera é total que acaba por ser a pá de cal na Varig. Lembre-se que nos anos 90 a gente voava de Varig, Vasp e Trans Brasil e Cruzeiro, empresas que não mais existem. Em 2002 o Brasil vendia 30 milhões de passagens aéreas a uma tarifa média de 800 reais. Ano passado nós vendemos cem milhões de passagens aéreas a uma tarifa média de 380 reais; então o que aconteceu nos últimos 15 anos foi que a aviação se tornou um meio de transporte acessível a centenas de milhares de pessoas; o número de passageiros quase que quadruplicou; o valor de um ticket médio caiu pela metade e  uma terceira mudança bastante radical: lá em 2002-2003 (na hora da compra) você dividia um bilhete em duas vezes e se você fosse muito amigo do diretor da empresa você dividia em três, hoje você divide em 12 sem sair de casa, pelo aplicativo na internet.

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Concessões melhoraram os aeroportos

Mudanças

Com a liberdade o número de passageiros cresceu. Foi feito investimento em infraestrutura, já que tínhamos por volta de 2008-2009 aeroportos projetados para receber 8 a 9 milhões de passageiros. A solução foi o programa de concessões (dos aeroportos) e sua modernização. Na esteira disso, milhões de pessoas que jamais tinham subido a bordo de um avião passam a voar pela primeira vez e aí foi preciso criar uma outra infraestrutura de atenção ao passageiro, de regulação, de definição de direitos e deveres; isso foi uma agenda que tomou muito o nosso esforço nos últimos 15 anos.

Tributos e gargalos

A aviação começou a se tornar relevante na economia brasileira lá pelos anos 90 e começou a exigir um ambiente regulatório alinhado ao ambiente internacional. O Brasil tem hoje menos, mas tem um conjunto imenso de regras que só valem para o Brasil, um conjunto imenso de tributos, um conjunto imenso de normas que não tem paralelo no mundo, e toda vez no Brasil a gente tem uma norma diferente do resto do mundo a gente acaba aqui sendo mais burocrático e mais caro.

Direito

Em qualquer país do mundo quando você compra um bilhete e o avião não decola é porque ocorreu um problema de manutenção, tripulação não chegou, comida não embarcou, acendeu uma luz vermelha no painel, tudo isso são temas da nossa governabilidade ou da nossa responsabilidade. Eu tenho de cuidar da manutenção, eu tenho de garantir que a tripulação está lá, eu tenho de garantir que a comida embarcou, que o ar condicionado esteja funcionando, portanto se eu errei nisso e você não voou, eu tenho de te indenizar, tenho de cuidar de você, tenho de enfim fazer com que tudo seja coberto. Agora em todos os países do mundo se você foi embarcar e nevou, choveu, quem é o responsável pela neve e pela chuva? É o chamado, motivo de força maior, nós não controlamos a natureza, então se você chegar para embarcar em Nova York e não puder embarcar por conta da neve, as pessoas esperam em casa até a neve passar e as companhias aéreas vão honrar o seu bilhete.

Ambiente jurídico pantanoso

Sites abutres: o inverso do uber

Aqui no Brasil o clima é responsável por 76% dos nossos atrasos, 24% tem várias responsabilidades, entre elas as nossas; 76% é o clima. E aqui quando a gente não decola porque está chovendo e nós não decolamos porque pode ser inseguro, nós somos responsáveis por indenizar as pessoas, ora o que aconteceu? Como o ambiente jurídico brasileiro é meio pantanoso,  muito dúbio, das interpretações mais variadas apareceram agora aquilo que a gente chama de “site abutre”, abutre porque ele pesca no pântano, são sites que estão incentivando passageiros que tem atrasos a vender a sua ação, ele te paga 1000-1500 reais e você dá a procuração para ele acionar uma empresa aérea, que ele aciona por 9-12-15 mil, e está ganhando uma fortuna por conta disso. Então o que que acontece, por que o Uber é legal? Uber é legal porque você chama o Uber, paga no cartão, ele é mais barato, você conhece o carro, ele é seguro, então ele ajuda as pessoas, e esse site abutre ele é o oposto do Uber, já tem umas quarenta e poucas dessas iniciativas que fazem com que a juridicização do setor seja inflacionada.

Bandeira da ABEAR

Então o que é muito importante e essa é uma das bandeiras mais importantes da Abear: trabalhar para que o ambiente regulatório brasileiro seja igual ao internacional, porque isso faz com que a gente possa continuar crescendo e continuar essa trajetória de mais voos para mais passageiros a custos e tarifas cada vez mais competitivos, então isso é um diagnóstico do passado e do presente. Como eu vejo o futuro e os próximos 15 anos.


Quem é Eduardo Sanovicz?

Graduado em história, é mestre e doutor em Ciências da Comunicação pela USP e professor doutor do curso de turismo da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (USP). Já atuou como consultor-sênior em programas e ações na área de marketing e turismo, foi diretor da Reed Exhibitions Alcantara Machado (2007 a 2011); vice-presidente da ICCA — International Congress & Convention Association (2001 a 2007); presidente da Embratur (2003 a 2006), sendo responsável pela implantação do Plano Aquarela e pela criação da Marca Brasil; presidente da Anhembi Turismo e Eventos da Cidade de São Paulo (2001 a 2003); diretor de operações do São Paulo Convention & Visitors Bureau (1997 a 2000); e diretor de turismo da Prefeitura Municipal de Santos (1993 a 1996).


Matéria originalmente publicada dia 4 de fevereiro de 2020

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