Uma brasileira na Lufthansa – (segunda parte)

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Cristianne diz que quando começou a trabalhar para a empresa aérea pensou que fosse uma companhia alemã para alemães, mas percebeu que não é assim

Por Solange Galante*

 

Trabalhando como aeromoça há mais de 15 anos para a companhia aérea alemã Lufthansa, a gaúcha Cristianne De Rose Laforce conta um pouco de como é seu trabalho e porque ela adora a empresa. Continue acompanhando essa história.

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Cristianne diz que quando começou a trabalhar para a empresa aérea pensou que fosse uma companhia alemã para alemães, mas percebeu que não é assim. “Acho que os passageiros alemães são uns 30%. Como estamos no centro da Europa, Frankfurt é muito usado como hub para voos de longa distância. E como o transporte por trem é muito popular na Europa, o alemão não voa muito como eu acreditava. E a tripulação é muito multinacional.”

Falando em multinacionalidade, Cristianne explica que há um curso de comunicação intercultural na Lufthansa. Pois, ela justifica, é diferente falar com um passageiro brasileiro, um japonês ou um alemão. “Por exemplo, japonês não gosta de escutar a palavra ‘não’. Se eu estou na classe econômica e tenho como opções frango ou carne e o passageiro quer a carne, para o passageiro alemão eu digo ‘Desculpe-me, mas eu não tenho mais carne’. Mas, mesmo sabendo disso, porque está no meu carrinho, se eu disser da mesma maneira para o passageiro japonês, ele vai ficar indignado.” Como se resolve isso, então? Cristianne responde: “Eu peço ‘um momento’ e saio para a galley, mesmo sabendo que não tenho mais. Retorno ao carrinho, puxo outra bandeja, volto para a galley etc. Depois, regresso, olho para o passageiro e pergunto: ‘O senhor não gostaria de frango?’. Diante disso, o passageiro japonês entenderá que não tenho mais carne, e aceitará o frango, e se sentirá satisfeito. Sim, tem todo um teatrinho mas ele ficará feliz e se sentirá à vontade… enquanto que o passageiro alemão do seu lado vai estranhar!” a comissária ri.

“Se o voo está atrasado duas horas, o brasileiro vai perguntar ‘Duas horas???’ Já o alemão irá se contentar com essa informação de tempo, para depois fazer a mudança da agenda dele.”

Ela conta que já lhe perguntaram qual a diferença entre o passageiro brasileiro e o alemão, e ela respondeu: “O primeiro, você alcança pelo sentimento, você se relaciona com ele pelo sorriso, pelo olhar, para ele notar que você está com o coração aberto mesmo, dando boas-vindas para ele. Para o passageiro alemão, é claro que isso é um plus para ele, ele quer uma comissária que vai tratá-lo bem, mas você tem que ser objetiva. Se o voo está atrasado duas horas, o brasileiro vai perguntar ‘Duas horas???’ Já o alemão irá se contentar com essa informação de tempo, para depois fazer a mudança da agenda dele.”

A segurança é o objetivo maior em um voo mas é claro que os comissários procuram, geralmente, ser sempre muito educados, “mas há horas em que temos que ser firmes, a partir daqui é emergência, é segurança…” E se o passageiro começar a beber muito e começar a se tornar inconveniente? “Tentamos não chegar a esse ponto. Observamos muito o passageiro, temos um sistema de comunicação na cabine, e combinamos entre nós diminuir o tempo de fornecimento de bebida a ele, dar uma pausa, mas os passageiros são muito inteligentes, vão pedir para outro comissário… Por isso, avisamos toda a equipe para realmente dar uma pausa no fornecimento àquela pessoa.”

No meio da entrevista, Cristianne abre seu iPad. “Todo comissário está ganhando um dispositivo desses agora, não será mais nada em papel.” Nada mesmo: o nome e a disposição de cada passageiro no avião, bem como de cada tripulante por voo, escalas e outras informações. “O meu próximo voo é para Orlando, no Boeing 747-400. Aqui está o nome do comandante que, no caso, será a Pietra, uma mulher.”

Com quase 20 mil comissários e cerca de 4 mil pilotos, a escala, na Lufthansa, evita colocar constantemente os mesmos tripulantes a bordo. “Na nossa empresa não tem isso, senão as pessoas acabam se tornando amigas e acreditando saber fazer tudo juntas, se comunicando ‘pelo olho’. Evitando isso, os profissionais se concentram em primeiro lugar nos procedimentos, só depois dos procedimentos vem a amizade. Cristianne comenta que soube que já escreveram inclusive uma tese de doutorado sobre como os comissários da Lufthansa conseguem, em 15 minutos, durante o briefing antes do voo, tornar essas pessoas que mal se conhecem uma equipe realmente sólida, que será desfeita após o voo chegar ao hub Frankfurt. “Meus melhores amigos são comissários mas, na maior parte das vezes, quando chegamos à base, nós nos despedimos, vai cada um para um lado. Mas, em voo, há uma unidade, nada é mais importante para aquela viagem do que ser um sucesso.”

A comissária lembra que a segurança é o objetivo maior em um voo (Foto: Solange Galante)
A comissária lembra que a segurança é o objetivo maior em um voo (Foto: Solange Galante)

 

iPad útil

O iPad pertence à empresa mas cada comissário pode usá-lo particularmente, está sempre consigo. “Antes de um voo, enquanto aguardo outros tripulantes chegarem, por exemplo, eu já posso acessar o sistema para saber dos passageiros que atenderei, sua nacionalidade etc. Todos nossos livros de estudo também estão aqui dentro. Antes, a cada briefing, eu lia 10 a 15 páginas de material com informações sobre passageiros, fuso horário, comidas especiais, etc que depois de usar eu jogava fora, agora não preciso imprimir mais nada. Posso ter programas meus no iPad, mas se eu sair da empresa, devolvo o equipamento à Lufthansa.” Por outro lado, o tripulante não é importunado fora do horário de serviço. “A vida privada, ainda mais na Alemanha, tem um valor muito grande, então foi um compromisso da Lufthansa, ela poderia fazer mudanças de escala pelo iPad mas não faz isso, então só há uma maneira de fazer uma mudança de plano, que é quando chegamos depois do voo, então olho as fichas que sou obrigada a olhar, de papel ainda, é a única maneira em que poderia haver uma mudança de plano para mim. Se eu estiver em casa com 10 dias livres, por exemplo, não preciso olhar a escala, não tenho essa obrigação. Só tenho obrigação de olhar uma hora antes do voo e uma hora após o voo para ver se houve alguma mudança de escala, ou não. Se eu quiser eu posso deixar o iPad, depois disso, em casa, guardadinho.”

*Solange Galante é jornalista especialista em aviação

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